Delley no terraço da sua casa, em Botafogo: vista para o Pão de Açúcar - Daniel Castelo Branco
Delley no terraço da sua casa, em Botafogo: vista para o Pão de AçúcarDaniel Castelo Branco
Por ANA CARLA GOMES
O escritório deles é na praia, e estavam sempre na área.Nas areias, ganharam clientes fiéis e amigos sob o sol escaldante do Rio e de Niterói, como barraqueiros ou vendedores. Mas desde que a pandemia do novo coronavírus chegou, eles estão longe do lugar que aprenderam a amar e que virou fonte de renda. Na série ‘Sonhos de um lugar ao sol’, O DIA conta, deste domingo até quinta,as histórias de cinco trabalhadores da praia antes e durante o isolamento social.
No terraço da casa, em Botafogo, as roupas no varal servem de primeiro plano para uma imagem bem conhecida para Delley Tinoco,de 60 anos. Ao fundo, o Pão de Açúcar, ponto turístico pertinho do seu local de trabalho: a Praia Vermelha,na Urca, onde ele é referência como barraqueiro. Goiano de Córrego do Ouro, ele trabalhava nas areias até antes de a pandemia chegar.“Tenho amigos, clientes que só vão quando estou lá.
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Na praia, você tem que aproveitar o sol e o momento para guardar dinheiro. Agora, estou entediado, mas fico desesperado para não pegar esse troço”, diz Delley, contando que se mantém com “um dinheirinho guardado”.Ele chegou ao Rio aos 17 anos:“Vim sozinho. Só eu e Deus”. Passou por vários empregos e, em 2006,a praia entrou na sua vida de vez:“Fui ajudar uma senhora na barraca. Ela tinha problemas de saúde e,quando faleceu, o marido ficou de titular e eu de auxiliar”.
A foto com a camisa do Flamengo, de bicicleta na praia, ilustra seu perfil no Facebook, e traz à memória o momento em que, ainda na infância, em Goiás, Delley virou torcedor rubro-negro. “Todo mundo tinha bicicleta. Eu, com 10 anos,troquei o que havia plantado de milho e arroz por uma e nela tinha um escudo do Flamengo”, conta o barraqueiro. Sua “estreia” na praia, no início de sua vida na Cidade Maravilhosa, é lembrada com um toque de bom humor. “Peguei um ônibus na Lapa e fui para Copacabana. Vi aquele mundaréu de água. Fiquei encantado. Mas levei um caixote”, conta Delley.

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No bate-papo, uma volta ao Rio antigo
Delley na praia, com bicicleta e camisa do Flamengo: memórias da infância em Goiás
Delley na praia, com bicicleta e camisa do Flamengo: memórias da infância em GoiásArquivo pessoal
Ao falar sobre a sua idade, Delley, de 60 anos, diz estar acostumado ao serviço pesado, desde a capinagem no sitiozinho do avô, em Córrego do Ouro, no interior de Goiás. De lá, partiu para São Luís de Montes Belos e, em seguida, para Goiânia, até se aventurar no Rio.“Eu me sinto com 30 anos. Sempre trabalhei pesado. No porto, fui estivador e depois supervisor de exportação. Sempre na área do café”, lembra Delley, carregando na memória o peso de cada saca do produto: 60,5kg.
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A conversa com Delley é uma volta ao Rio antigo: conta ter trabalhado no Supermercado Disco logo que chegou à cidade e em várias outras empresas, como Sears e a loja Temper; e ainda ter visto o início do Shopping Rio Sul.O emprego no supermercado, ele conta ter conseguido logo na sua chegada à cidade, para onde veio destemido. “Sempre tive vontade de vir para o Rio. Logo na rodoviária, conversei com um rapaz que estava sentado num banco e ele me disse que um supermercado estava contratando”, lembra o goiano das areias da Praia Vermelha, de conversa fácil e muita história para contar.