Muniz Sodré é professor emérito da Escola de Comunicação da UFRJ - Reprodução/ Fundação Palmares
Muniz Sodré é professor emérito da Escola de Comunicação da UFRJReprodução/ Fundação Palmares
Por Beatriz Perez
Rio - Em casa, após 43 dias internado por covid-19, Muniz Sodré, 78 anos, se recupera e diz se sentir bem. O professor emérito da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) segue implicado em sua recuperação com sessões de fisioterapia e hemodiálise.

Da experiência classificada como “terrível”, em que precisou ser entubado por duas vezes no Centro de Terapia Intensiva do Hospital Quinta D’or, o pesquisador destaca aprendizados e reforço de valores.

Um deles, conta, é a surpresa com seu próprio reconhecimento público: "Eu nunca pensei que tivesse tantos amigos na vida, sabe?". Outro, é o valor à ideia de comunidade, defendida por sua esposa, a também professora da UFRJ Raquel Paiva.

'A vida é um presente'

Com quase 40 livros publicados, o teórico da Comunicação e da Cultura Brasileira diz que saiu convicto de que a vida deve ser vivida, como um presente recebido da comunidade.

“Aprendi também que vida não é quantificação de nada. Não é quantificação da produção. A vida é um presente que você recebe. Uma doação que a comunidade faz. A comunidade são os parentes, são os amigos, são as pessoas que lhe cercam. A comunidade, a Raquel (Paiva) gosta de citar, é o lugar que lhe assiste nascer e morrer”, conta Sodré.

“Você pode brigar com eles, a comunidade não é só pacífica, ela comporta também as dissidências, as raivas. Isso tudo é comunidade. A comunidade está presente o tempo inteiro. Essa é a lição: viver a vida como doação, presente, que o outro lhe faz. Esse outro é a comunidade. Inclui vivos, mortos e deus ou deuses, pra quem é muito religioso”, complementa.

‘Me saí dessa, milagrosamente’

Para enfrentar a doença, Muniz Sodré conta que dispôs de recursos médicos de excelência, além de redes de orações. Sodré dispõe do título de Obá de Xangô, no Axé Opó Afonjá, na Bahia, e é devoto de Santo Antônio.

"Fora os recursos médicos, muito bons, respiradores, eu fiquei surpreso com a reação das pessoas. Eu nunca pensei que tivesse tantos amigos na vida, sabe? Houve redes de oração, nas igrejas da Bahia e aqui no Rio. Todo dia às 7 horas na missa do Largo do Machado, o padre mencionava (meu nome). Na Bahia, o toque do sino do ângelus, às 18h. O Candomblé da Bahia se mobilizou pra pedir aos orixás por minha saúde. Até de Angola, onde dei aula veio isso. Na Escola de Comunicação houve preocupação. Ainda bem que eu, não morrendo, pude verificar. É estranho isso porque nem sempre você é reconhecido. Esse é um lado em que aprendi.”

‘Cultura popular não padece’

Ao sair do CTI, e se inteirar sobre a vida pública no Brasil, Sodré conta que teve a impressão de que “puxaram a tampa do esgoto”. “A impressão que eu tinha é que o espaço público brasileiro virou um esgoto. Por outro lado, as instituições demonstraram uma solidez”, comenta.

Apesar de constatar que a cultura perdeu espaço na política brasileira, Sodré afirma que a arte popular se mantém, vinculada às respectivas comunidades.

“A cultura pública brasileira, marcada por artes populares, pela música, pelo entretenimento, está em recesso. Há um enfraquecimento da cultura popular no espaço público. Mas, as instituições que estão aí nas quadras: o funk, o samba, isso continua. Há um universo enorme de coisas que são feitas sem dinheiro, praticamente. O Jongo da Serrinha, não tem dinheiro, não aparece na televisão, mas é sólido. Portanto, a Cultura popular oscila entre a presença firme na mídia, onde o dinheiro circula, e nos lugares tradicionais, nas comunidade, onde ela permanece. Nada disso padece, nada disso se extingue. A cultura popular, quando é fortemente comunitária, tem força. Pouco importa o regime que quer esmagar isso”, completa.

Recuperação

Questionado sobre planos, Muniz Sodré diz que está focado em sua recuperação. Ele faz sessões de fisioterapia e hemodiálise. “O negócio ataca os rins”, explica. “O resto dos exames está tudo bem”, completa.

Por conta dos cuidados com a saúde e pela pandemia, as agendas e viagens ao exterior, frequentes nos últimos quatro anos, ficam suspensas. “A retomada da minha vida não tem grande eventos. Eu leio o tempo todo, escrevo, publico, dou muita entrevista para aqui e para fora, escrevo artigos”. As atividades acadêmicas continuarão na UFRJ, onde Sodré dá aulas, orienta alunos e mantém, com Raquel Paiva o Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC).