Monica Benício é pré-candidata a vereadora do Rio pelo Psol em 2020 - Larissa Kreili
Monica Benício é pré-candidata a vereadora do Rio pelo Psol em 2020Larissa Kreili
Por Alexandre Medeiros e Gustavo Ribeiro
Ideais tão afins aos da vereadora Marielle Franco, executada em março de 2018, encorajam a arquiteta Monica Benicio, 34 anos, a dar a volta por cima após uma depressão profunda. A maneira contida de fazer política, nas rodas de conversa da Maré e nos bancos acadêmicos, está prestes a ganhar propulsão de uma corrida eleitoral do tamanho de sua garra. Pré-candidata à Câmara do Rio pelo Psol, enche-se de orgulho por carregar as bandeiras da companheira assassinada: militante de direitos humanos, lésbica, feminista e favelada. O sonho de transformar a política não ofusca sua maior luta: responder ‘Quem mandou matar Marielle?’.
O DIA: Como foi a comutação de sua dor, após o assassinato de Marielle Fanco, para a sua disposição em se candidatar a vereadora?
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MONICA BENICIO: A política institucional não era um espaço que eu vislumbrava. Meu modo de fazer política era dentro da academia. Sempre me dediquei à luta pelo direito à cidade na perspectiva do favelado enquanto arquiteta e urbanista. Esse era meu modo de fazer política, além da militância das ruas e acompanhando Marielle no lugar de companheira. Essa decisão vem com muita escuta de movimentos sociais. Era impressionante a quantidade de pessoas que me abordavam me pedindo para ocupar aquela Casa. Topei o desafio entendendo a importância de termos os corpos que são excluídos do nosso sistema ocupando aquele espaço. A execução da Marielle é um recado político para determinados corpos e para determinado fazer político. Ela diz que essa política institucional não aceita corpos das mulheres, de negros e negras, da população LGBTI e mais pobre. Nosso recado diante disso virá na disputa em 2020.
Você caiu em depressão profunda depois da morte da Marielle. A preocupação com sua segurança também foi uma aflição?

Fazer um luto numa conjuntura de um crime político que abala nossa democracia foi muito difícil, porque eu precisava reviver muitas histórias. Viajei o mundo sem falar uma língua além do Português e sempre revisitando essa dor. Entendia que fazer isso, fosse pela memória da Marielle ou pela coletividade, era maior do que a minha dor. A presença da ausência vai se ressignificando, mas a dor não acaba ou diminui, toma outra forma. Foi uma depressão profunda. Perdi 14 quilos em um mês e fiquei dez quilos mais magra do que hoje. Pesei 49 quilos e tenho 1,76 de altura. Eu me recusava a ter contato com qualquer fonte de prazer, inclusive a comida. Era 2018, aquele discurso de ódio bolsonarista, e sofri agressões verbais na rua. Havia uma preocupação coletivacom minha segurança, mas acho dificílimo alguém fazer comigo uma violência maior do que a que eu já sofri. Ainda em 2018, entrei com pedido de medida cautelar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e me assassinar vira um incidente diplomático para o Brasil.
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Teve medo de concorrer às eleições devido ao trauma?

O meu maior medo é uma não transformação dessa política que está aí hoje. É claro que para fazer essa política eu preciso estar viva, então os cuidados com a segurança devem ser tomados. Mas confesso que o que aconteceu com Marielle não me gera um medo que me faça recuar de uma disputa como essa. Muito pelo contrário, me estimula para que isso nunca mais volte a acontecer com ninguém.
Como foi sua formação?

Fui nascida e criada na Favela da Maré, no Conjunto Esperança. Toda a minha educação foi no entorno ou dentro da Maré, em colégio público. Minha mãe era costureira. Meu pai trabalhava como apontador de obra, estoquista, almoxarifado. Sou a caçula de outros dois irmãos e sempre houve uma preocupação dos meus pais em que a gente pudesse investir nos estudos. Fiz o ensino médio e fui para o Ceasm (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré), um pré-vestibular comunitário. Um espaço que abriu minha cabeça, que discutia política e fazia criticar a nossa visão de mundo. Ali comecei a entender que existe outra cidade possível. Comecei a minha militância, a participar de manifestações e de rodas de conversa que me formaram feminista. Passei para a PUC-Rio. Fiz Psicologia e Arquitetura. Transitei mais pela Zona Sul e entendi que a violência de onde eu cresci, a mesma que o Estado oferece para as favelas, tinha que ser questionada. Quando Marielle foi eleita, eu me dediquei só ao mestrado, que concluí recentemente. Minha formação como arquiteta está atrelada à minha construção de identidade na perspectiva da Maré. Por que o parquinho da favela é sempre aquele balancinho com trepa-trepa e uma gangorra quebrada, e o da Lagoa até piso de borracha tem? Os dois são construídos com dinheiro público. Por que são diferentes?
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 Existem plataformas pessoais com as quais se identifica, além das lutas coletivas?

A integridade humana deve ser preservada por qualquer parlamentar. Para isso, as pautas de direitos humanos são fundamentais. Uma cidade inclusiva significa falar sobre a segurança das mulheres. Temos nesse momento o levante negro, a juventude negra sendo dizimada, com índices que podemos qualificar como genocídio. É preciso trazer à luz essas pautas. Vivemos em uma sociedade que diz quem pode viver e quem pode morrer, principalmente se não serve à lógica do capital. As pautas dos eixos feministas, da luta antirrascista, da anti-LGBTIfobia, tudo isso me provoca no desejo de modificar a cidade. Em tempos de covid-19, a população LGBTI não tem marcadores de gênero e de orientação sexual dentro dos formulários. Uma mulher negra trans é ainda mais vulnerável nessa sociedade. No entanto, não temos dados sobre contaminação desses corpos. A população LGBTI sequer consegue contar seus corpos, porque não há política pública para isso. Vereador existe sobretudo para fiscalizar e executar leis, principalmente a questão orçamentária. Vimos agora os escândalos com os “Guardiões do Crivella”.
Como avalia esse episódio dos “Guardiões” e o afastamento do governador Wilson Witzel?
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Acho muito lamentável chegarmos ao ponto de termos um governador afastado e um prefeito sendo investigado por razões legítimas. Precisamos entender que cidade e estado são esses que elegem governadores e prefeitos como esses, acreditando que eles podem apresentar um resultado diferente do que a gente já vive há décadas e décadas, que é a roubalheira, o desrespeito com a população e com os serviços públicos. O episódio dos “Guardiões do Crivella” é mais um retrato da maneira como ele conduz toda a sua gestão. Crivella foi eleito dizendo que iria cuidar das pessoas, só esqueceu de dizer que essas pessoas seriam as do núcleo político dele. Esse episódio de cerceamento da liberdade de imprensa dialoga com as mesmas práticas bolsonaristas, que também não são diferentes do pensamento da política do governador afastado. Veja, o governador foi a público dizer que tinha que mirar na cabecinha, isso porque ele estava falando do espaço da favela. Jamais diria isso se estivesse falando de Ipanema.
Está preparada para enfrentar as fake news na campanha?

Conhecemos o modo de fazer política da ultradireita, dos conservadores, que vai desde executar uma vereadora até quebrar a placa que faz homenagem a ela, mesmo depois de a sociedade internacional reconhecer o crime como barbárie. Principalmente numa campanha como essa, nas redes, em tempos de pandemia, o combate às fake news terá que ser muito articulado. Nossas advogadas já estão pensando em como blindar um pouco isso, e na questão de segurança, pelo aumento de exposição. Acho que faz parte do jogo. Não estou entrando nisso acreditando ingenuamente que nada vai acontecer. Nesses dois anos e cinco meses, eu recebi fake news da Marielle muito desumanas, num nível de violência absurdo. Se vemos determinada parte da sociedade ser capaz de fazer isso com uma mulher brutalmente assassinada, imagina o que não vão fazer com uma que está aí viva, disputando política para fazer transformação. Mas isso não é algo que me faça recuar. Pelo contrário.
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Você e as famílias de Marielle e Anderson lutaram pela federalização do caso, e depois passaram a ser contra. Que rumo espera para as investigações?

Eu espero a resposta. Tenho convicção de que conseguiremos chegar ao desfecho este ano. Eu que pedi a federalização. Estávamos no governo Temer e não tínhamos nem os acusados de serem os executores. Havia dificuldade de dialogar com o Ministério Público e com a Delegacia de Homicídios. Após as prisões de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, o diálogo com o MP e com a DH melhorou. A investigação no estado está correndo. Após o nome do presidente Jair Bolsonaro ser mencionado em possível relação com as investigações, virou uma grande confusão, e o então ministro Sérgio Moro (Justiça) correu para manifestar que seria importante federalizar o caso. Raquel Dodge, então procuradora da República, no último dia do seu mandato, apresentou convicções de que, a partir de uma escuta, já teria o responsável. Leviano e desrespeitoso da maneira como foi. No ápice da possível federalização, nós, familiares de Marielle e Anderson, fizemos uma ação pedindo para que o caso não fosse federalizado. Moro deixou o Ministério da Justiça porque o presidente tentou interferir na Polícia Federal. Bolsonaro nunca veio a público dizer que achava importante que o crime fosse elucidado. Por que um súbito interesse em federalizar? Gerou preocupação. Precisamos cobrar que Lessa e Queiroz sejam levados a júri, e vamos seguir cobrando quem mandou matar e quais as motivações.