‘A vida vai fazer eles sentirem a minha dor’, diz viúva de músico morto com 80 tiros em carro
Luciana Nogueira reclama da lentidão da justiça no caso Evaldo, diz que recebe pensão da União, mas com parcelas atrasadas. "Acho um descaso muito grande", afirma
Rio - Um ano e sete meses depois de ver o marido morto em um carro alvejado 80 vezes por militares do Exército, Luciana Nogueira, de 43 anos, afirma que só vê sua dor ser prolongada. Recentemente, os advogados dos réus (12 militares envolvidos no ataque) alegaram que não teriam sido intimados de diversas decisões, o que configuraria violação à ampla defesa. O Superior Tribunal Militar (STM) acolheu o pedido e deferiu a liminar da juíza responsável pelo caso que havia determinado que as partes fizessem suas considerações finais antes do julgamento.
"Oitenta tiros em trabalhador. Oitenta tiros em um carro de uma família do bem. Oitenta tiros foram dados no meu coração, no coração do meu filho. Oitenta tiros eles deram numa família inteira que era pra ser protegida pelo Exército. Eles não só assassinaram o Evaldo. Destruíram uma família", desabafou a viúva.
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Em abril de 2019, em Guadalupe, na Zona Norte do Rio, militares do Exército dispararam 257 vezes em direção ao carro em que estavam Evaldo Rosa e a família. Eles iam para um chá de bebê. Cerca de 80 tiros atingiram o veículo. Além do músico, também morreu o catador de recicláveis Luciano Macedo. "Conversarei com os advogados para saber os passos que iremos seguir", diz a viúva.
Segundo o STM, o ministro relator do caso concedeu a liminar para suspender os efeitos da decisão de primeira instância. "Que determinou a reabertura do prazo do art. 428 do CPPM, até que o referido Habeas Corpus seja julgado pelo STM. A concessão de liminar é medida monocrática, ou seja, o Relator do processo decide sem ouvir os demais Ministros. Conforme determinado na decisão liminar proferida (monocraticamente) pelo relator, o processo em primeira instância ficará suspenso até que o mérito do Habeas Corpus seja julgado pelo Tribunal. Somente nesse momento os demais ministros se posicionarão a respeito da matéria", afirma o órgão em nota.
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PROCESSO ARRASTADO
Luciana afirma saber que tais medidas adotadas pela defesa dos réus são estratégias para “prolongar o processo, ganhar tempo e que a família dela não venha ter o resultado o mais rápido possível”. "O Estado tem que responder. Esse processo está se arrastando. Para mim é uma dor na alma saber que meu caso, essa história, vai cair no esquecimento. Preciso de uma resposta positiva. Não consigo acreditar que isso não vai dar em nada. Que perdi meu esposo, que meu melhor amigo foi assassinado por pessoas que deveriam nos proteger", confidencia ela, que é mãe de um menino de oito anos.
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"Acredito que eles não tenham noção do estrago que fizeram na vida de uma família do bem. Já imaginava que a defesa deles ia fazer tudo para que saíssem impunes. Não desejo mal, mas acredito na justiça divina. De uma forma ou de outra, a vida vai fazer eles sentirem minha dor", desabafa Luciana. "Como meu filho diz, tiraram a chance dele ter o pai velhinho. Escutar isso de um filho é dolorido", acrescenta.
A mulher afirma que o marido não merecia ter o fim que teve e fala que a justiça no Brasil é triste. Ela ainda questiona quantos mais precisam morrer para que a justiça seja feita. "O que vou falar para o meu filho? Como explicar que os assassinos do pai dele, um homem honesto e trabalhador, saíram pelas portas da frente sem pagar nada? Foi uma vida que eles tiraram. Não é possível. Essa defesa tem família, deve ter filhos. Um dia eles irão lembrar de mim, da minha dor", espera ela.
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PENSÃO TEM PARCELAS PENDENTES
Carioca, Luciana precisou se mudar da residência onde morava com o marido e o filho. "Muito difícil para meu filho e eu voltarmos para casa", conta a técnica de enfermagem. Ela afirma que Evaldo tinha os trabalhos dele por fora. Ele tinha carteira assinada como segurança, era músico e ainda atuava como florista. "Tenho um custo de vida caro. Meu filho para estar bem precisa fazer tratamento psicológico, ele estuda em colégio particular, pago plano de saúde, aluguel. As coisas apertaram", confessa a mulher.
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Luciana Nogueira afirma que recebe pensão da União, porém cobra prestações antigas que não foram pagas. "Deveriam ter pago os atrasados e não fizeram isso. Acho um descaso muito grande da parte deles desde. Os advogados já deram entrada para esses acertos e até agora não tive retorno algum", reclama.