Mussum em Os Trapalhões - Acervo / TV Globo
Mussum em Os TrapalhõesAcervo / TV Globo
Por RAI AQUINO
Rio - Se estivesse vivo, Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, completaria 80 anos no próximo dia 7 de abril. Nascido e criado no Morro da Cachoeirinha, no Complexo do Lins, o humorista é conhecido por fazer parte dos Trapalhões, mas também já teve uma história com a música e com o Morro da Mangueira, na Zona Norte do Rio.

"A Mangueira foi a vida dele. Apesar de ter relação com outros bairros, lá ele descobriu o talento que tinha para dançar, para fazer música. Foi lá também que ele conheceu a primeira esposa e teve o primeiro filho", conta o jornalista Juliano Barreto, autor da biografia "Mussum Forévis: Samba, Mé e Trapalhões", publicada em 2014.

Mussum passou a frequentar a Mangueira na época em que prestava serviço militar na Aeronáutica. Inclusive, ele foi levado para a favela da Zona Norte por um amigo das Forças Armadas. Anos depois, ele morou por lá.

"Um amigo que tinha um caso com uma moça de lá o levou para a Mangueira pela primeira vez. Mas o Mussum ficava intimidado e falava que não ir subir o morro com medo de se envolver em confusão e da mãe descobrir. Ele ficava sentado na entrada da comunidade esperando o amigo voltar. Depois, ele foi entrando aos poucos e pegou gosto", conta Juliano, em conversa com o MEIA HORA por telefone, direto de Seattle, nos Estados Unidos, onde mora há três anos.
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Na Mangueira, Mussum conheceu a nata da escola de samba da comunidade. Ele desfilou por vários anos na Verde e Rosa e chegou a ser diretor de harmonia da Ala da Baianas. Foi graças a agremiação que ele também teve o apelido de Mumu da Mangueira.

"Ele viveu muito intensamente esses anos e foi lá que conheceu os parceiros musicais dele. Foram os anos mais legais da vida dele como sambista. Na escola de samba, ele era destaque, só que aquele destaque em que o cara vai na frente da bateria, dos blocos, dançando, como passista, fazendo acrobacias com o instrumento", narra o biógrafo do humorista.

INFÂNCIA DIFÍCIL

Junto com a mãe e a irmã, Mussum teve uma vida de muita pobreza no Complexo do Lins. A mãe era analfabeta e vivia de trabalhos domésticas que apareciam. O pai nunca foi presente.

"A alfabetização dele foi uma coisa muito bacana, porque a mãe fazia todo o esforço para que ele estudasse. Ele, inclusive, ensinou a mãe a escrever. Isso mostra que apesar de ele ser irreverente, brincalhão, tinha essa ligação forte com a mãe e com a escola também", conta Juliano.
A infância e a juventude na Cachoeirinha foram dividas entre molecagens e os anos de estudo, dentre eles os nove que passou internado na Fundação Abrigo Cristo Redentor, de onde saiu com o diploma de ajustador mecânico.

"Ele trabalhou carregando compras, mas tinha um pé na rua, de jogar bola, de tomar banho no valão. Tem uma história que ele mesmo contava que amarrava lata de azeite no rabo de bode e soltava no meio da feira", diz o jornalista.

CRIADOR DO RECO-RECO DE METAL

O lado irreverente de Mussum ganhou força quando, aos 19 anos, formou o grupo de samba Os Sete Morenos, que um ano depois passou a se chamar Os Originais do Samba. Foi na mesma época em que ele trabalhava como mecânico e tocava reco-reco.

"Ele foi um dos primeiros a usar o reco-reco de metal. Antes, era um instrumento de bambu. Ele era mecânico e inventou esse reco-reco com peças de carro, chapa de metal", afirma o biógrafo.
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Poucos anos depois, Mussum fez o seu primeiro trabalho na TV, ainda como músico. Ele conseguiu chegar às telinhas graças à desenvoltura que apresentava no palco, não só como músico, mas também no comando da banda.

"Ele tinha a vocação de ser líder e o carisma natural de ter brilho, de se descontrair. Ele foi pegando a manha como músico e as pessoas falavam que ele era muito engraçado. A Elza Soares dizia que ele deveria ser humorista e não músico", conta Juliano.

Como músico, Mussum foi visto por Chico Anísio, que dizia que ele era um cara bom para TV. O mesmo aconteceu com quem viria ser um parceiro de Trapalhões, o Dedé Santana.

MUMU DA MANGUEIRA

Mesmo fazendo muito sucesso já na TV ao longo dos anos 70, 80 e 90, Mussum não esquecia suas origens. Já famoso, o humorista sempre fazia questão de visitar as favelas da Zona Norte que foram responsáveis por sua formação.

"Domingo de eleição era uma festa, porque ele voltava para os lugares que morou para votar e ficava por lá. Era um cara que tinha esse carinho. Ele ganhou a grana dele, foi morar em outros lugares, mas entrava e saia nos lugares que morou com muita moral, muito respeito, deixando muitos amigos e lembranças", elogia o biógrafo.
O humorista criou um projeto social na Mangueira para ajudar crianças. Ele chegou a abrir um consultório dentário na comunidade e doava muitos instrumentos para a região.

"A coisa mais legal que ele doava era tempo. Ele podia ficar em Angra lá na lancha dele, mas ele ia na Mangueira dar aula, ajudava com as baianas. O pessoal mais antigo é cheio de história dele. Todo mundo conhecia, porque ele não foi um cara que fez sucesso e sumiu", narra o jornalista.

A ligação com o Complexo do Lins e Mangueira foram tão grandes, que a escola de samba Lins Imperial vai homenageá-lo no Carnaval deste ano. O desfile, que tem como enredo "Mussum pra sempris - traga o mé que hoje com a Lins vai ter muito samba no pé!", marca a volta da agremiação para a Sapucaí, já que foi campeã do Grupo Especial da Intendente Magalhães do ano passado, indo para a Série A neste ano.

"Ele vivia bastante nesses lugares e continuava indo em samba de roda. Ele não deixou para trás", afirma Juliano.