03/01/2018 - Carnaval 2018 / Preparativos no barracão da Portela, na Cidade do Samba, para sua participação no desfile das escolas de samba do Grupo Especial, no Sambódromo. Na imagem, o trabalho realizado no barracão da agremiação. Foto de Alexandre Brum / Agência O Dia - CIDADE SAMBA DESFILE CARNAVAL MARQUES DE SAPUCAî
03/01/2018 - Carnaval 2018 / Preparativos no barracão da Portela, na Cidade do Samba, para sua participação no desfile das escolas de samba do Grupo Especial, no Sambódromo. Na imagem, o trabalho realizado no barracão da agremiação. Foto de Alexandre Brum / Agência O Dia - CIDADE SAMBA DESFILE CARNAVAL MARQUES DE SAPUCAîAlexandre Brum / Agencia O Dia
Por MARTHA IMENES

O fim do auxílio emergencial do governo federal, as dificuldades para o acesso aos recursos da Lei Aldir Blanc, e a pandemia de coronavírus, que mostra números alarmantes de contágio e mortes no Rio de Janeiro e que provocou o adiamento do Carnaval carioca, atingiu em cheio os trabalhadores dessa grande indústria, que 2020 injetou R$ 4 bilhões na cidade. São mulheres, LGBTQI , homens, um universo de pessoas que trabalham nas escolas de samba e estão enfrentando dificuldades financeiras. Mas, segundo Nilcemar Nogueira, fundadora e diretora do Museu do Samba, na Mangueira, esse desfecho poderia ser diferente.

Em conversa com O DIA, a neta de nada mais nada menos que o mestre Cartola e Dona. Zica, chama atenção para a falta de reconhecimento destes trabalhadores como categoria profissional. "Em um momento como esse se os trabalhadores tivessem carteira de trabalho assinada, com o adiamento do Carnaval, que paralisou todas as atividades nas escolas de samba e nos barracões, eles receberiam o seguro-desemprego por alguns meses", avalia Nilcemar.

A falta de um cadastro dos trabalhadores das escolas de samba também é apontada por Nilcemar como impeditivo para que eles possam pleitear algum benefício. "As relações trabalhistas nas escolas de samba são praticamente inexistentes", conta. Ela explica que além dos trabalhadores das escolas, os prestadores de serviços indiretos, também foram prejudicados. "O estúdio de gravação em Marechal (Hermes) onde o pessoal vai gravar os sambas, os que montam palco, iluminação, som, e até as pessoas que vendem cachorro quente na porta das quadras sentem o impacto do adiamento do Carnaval".

"É preciso abrir o diálogo com essa cadeia produtiva para que essas e outras questões sejam resolvidas. Como por exemplo, reunir as categorias dentro da própria escola para que se organizem e criem uma associação que os represente", pontua. "Lutamos para conseguir o reconhecimento de passistas, mestres-sala e porta-bandeiras, além de outros trabalhadores do mundo do samba, como categoria profissional", acrescenta.

Nilcemar conta que é muito comum em apresentações culturais e artísticas, os trabalhadores do samba terem cachê menor que os outros que fazem parte do show porque não têm uma associação que regulamente o seu trabalho. "Tudo poderia ser melhor potencializado", diz.

 

Fora da pauta o ano todo
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Outro ponto que Nilcemar Nogueira cita é a falta de conhecimento da história do samba e de sua importância como manifestação cultural. É nesse contexto que o Museu do Samba, que fica na Mangueira, entra como fomentador da discussão social e de local de escuta para as demandas de sambistas e trabalhadores de todos os segmentos do Carnaval. "É preciso dar voz a essas pessoas que se sentem acuadas em suas escolas, é preciso ouvir o que eles têm a dizer e implementar a discussão", afirma Nilcemar. "Todos têm como contribuir e merecem ser ouvidos".
"O poder público também precisa conhecer, e reconhecer, a importância do samba na cultura brasileira, principalmente no Rio de Janeiro, que tem essa expressão máxima não só no Carnaval, mas durante todo o ano. Na maioria das vezes que me reúno com membros dos governos tenho que explicar o papel do samba. E muitos não compreendem. Está dentro do racismo estrutural, o samba não entra na pauta da cidade fora do Carnaval", lamenta.
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Sugestão de ato simbólico na Sapucaí
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Para se ter uma ideia da importância do Museu do Samba como interlocutor e foco de resistência, no dia 28 de janeiro, a instituição apresentou uma proposta à Prefeitura do Rio para a realização de um ato simbólico no Sambódromo no domingo de Carnaval.
Em ofício entregue ao secretário municipal de Cultura, Marcus Faustini, durante visita ao museu, a instituição sugeriu que um pequeno grupo de baianas faça a "lavagem espiritual" do Sambódromo, sem público e com um único ritmista tocando surdo, como forma de simbolizar resistência no dia que começariam os desfiles do Grupo Especial. Além disso, um casal de mestre-sala e porta-bandeira representaria os guardiões dos pavilhões das escolas.
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Para Nilcemar Nogueira, o ato além de exaltar a ancestralidade do samba, seria um gesto de esperança por dias melhores. "O Museu do Samba tem como motivação principal a manutenção de nossas raízes culturais. Não estamos propondo nenhuma festa na Sapucaí. Mas como um lugar importante da nossa ancestralidade, pela Tia Ciata e todas as Tias, pelos sambistas que já se foram, achamos apropriado marcar a data com um gesto simbólico", afirma.
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Exposição sobre saberes africanos vai até dezembro
O Museu do Samba inaugurou em 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba, a exposição "Semba/Samba: Corpos e Atravessamentos", que celebra os saberes da ancestralidade africana e suas conexões socioculturais e religiosas com o mundo das escolas de samba. Por conta das restrições sanitárias a mostra receberá pequenos grupos e com agendamento prévio pelo telefone (21) 3234-5777. O museu fica na Rua Visconde de Niterói 1296, Mangueira.
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A exposição, que vai até 2 de dezembro deste ano, detalha as particularidades que envolvem o samba e as escolas de samba, como as conexões religiosas - que flertam com o sagrado e o profano -, e a importância de todas das referências ancestrais africanas na nossa cultura.
A mostra exibe reproduções de trabalhos de artistas como Rosa Magalhães, Fernando Pinto, Mulambö, Tia Lúcia, Rosana Paulino, Júlia Tavares e Ayrson Heráclito, além de figurinos de Rafael BQueer e Samile Cunha, esculturas carnavalescas de Marina Vergara e pinturas originais de Nelson Sargento e Wanderley Caramba, representantes dos "Sambistas Pintores", e fotografias de Daniel Taveira, Wigder Frota e Almir Junior.
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