Personalidades do samba lamentam o Carnaval longe da Sapucaí
Pessoas ligadas à festa falam sobre o vazio que sentem sem os dias de folia e a emoção da Avenida
Este Carnaval não vai ser igual àquele que passou. Definitivamente, não. Nem a nenhum outro. O novo coronavírus impôs ao mundo uma nova rotina, triste é verdade. Todos deverão estar mascarados, mas não para curtir a Festa de Momo e, muito menos, aglomerar - para se proteger e proteger o próximo. Não é possível brincar, principalmente com a vida.
A ansiedade do pré-Carnaval sempre foi algo que contagiou o Rio e o país. Época de catarse coletiva, de pura folia e muita alegria. Imagine então para quem tinha na festa não só o ganha-pão, mas a razão de vários anos ou de uma vida inteira de trabalho. Carnavalesca que fez história em desfiles inesquecíveis, Maria Augusta Rodrigues admite que está sendo muito difícil conter a angústia provocada pelo vazio imposto pela pandemia, a saudade dos amigos e dos abraços. "Todo ano eu começava a frequentar as escolas em agosto, acompanhava a escolha dos sambas, o desenvolvimento dos enredos. Faria agora 52 anos de Avenida. Está sendo muito difícil. Eu venho sentindo um buraco no estômago que dói fisicamente. Tenho dificuldade de dormir", admite.
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Porta-bandeira multipremiada da Beija-Flor, Selminha Sorriso também revela que passou por momentos de profunda tristeza: "Já chorei muito. Eu completaria 30 anos com o Claudinho, a parceria mais antiga da história do Carnaval. Foi um momento de grande dificuldade. Milhares de pessoas tiveram a renda prejudicada. Houve um impacto emocional e financeiro muito grande".
Carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira diz que os últimos dias, em especial, vêm sendo mais esquisitos, sem a correria nos barracões: "Era o momento em que estaríamos finalizando o trabalho, repartindo a sensação do dever cumprido. E, hoje, a gente sente a falta do Carnaval na memória afetiva e no bolso". Leandro lembra que os trabalhadores dos barracões foram obrigados a buscar alternativas. "O setor cultural e do entretenimento foi o primeiro a sentir os efeitos da crise e hoje ainda sofre com as restrições impostas pela pandemia", acrescenta.
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Profissional de muitas facetas, instrumentista, compositor, ator e jornalista, Luís Filipe de Lima ressalta que a situação atual é trágica para a humanidade. Folião convicto, adverte que não se pode pensar só no Carnaval: "Precisamos olhar com uma lente grande porque outras atividades culturais e profissionais também estão sendo afetadas. Todas sofreram demais e necessitam de uma assistência governamental. O pessoal precisa de socorro".
Apesar da enorme mudança de rotina, todos estarão, de certa forma, ligados na folia. Maria Augusta já definiu a programação: "Vou ver as lives, que serão muitas, para ocupar o meu tempo. E certamente assistir aos desfiles antigos que serão exibidos na TV". Leandro Vieira também será um verdadeiro 'folion':" Vou ficar em casa, com pouquíssimas pessoas da minha família, e trazer o espírito carnavalesco, com inúmeras lives de Carnaval, blocos. A Mangueira, por exemplo, fará três lives e vai apresentar de forma virtual o enredo de 2022 com a apresentação dos sambas concorrentes".
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Selminha fará uma live com Claudinho e a bateria da Beija-Flor para uma emissora da China. E também negocia participar de um filme como atriz. "Tenho tantos compromissos que acho que nem vou descansar. E nem quero". As atividades profissionais também vão marcar o Carnaval de Luís Filipe Lima: "Felizmente eu estou trabalhando bastante. Não vou ter tempo para descansar. Mas eu também acho interessantes as iniciativas de carnavais virtuais, porque têm um valor simbólico enorme para a nossa cultura".
Os quatro são unânimes em duas questões: "Que as vacinas cheguem logo em quantidade suficiente para todos e que, quem puder, fique em casa". Que venha o Carnaval de 2022 e que seja muito, mas muito diferente deste de 2021.
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MARIA AUGUSTA RODRIGUES
'Estou sentindo uma angústia horrorosa. Sempre fui apaixonada pelo Carnaval, desde criança. E realizei meu sonho a partir de 1968 no Salgueiro, com Fernando Pamplona. De lá para cá, passou a ser parte da minha vida, uma rotina. O Carnaval das escolas de samba é algo importantíssimo. Eu venho sentindo um buraco no estômago que dói fisicamente. Estou com dificuldade de dormir. Nos últimos dias eu estaria todo o tempo na Cidade do Samba, que fervilharia. A falta disso mexeu muito comigo. Mas o Carnaval, de fato, não pode acontecer, é sinônimo de aglomeração. É preciso preservar as pessoas. Não tem jeito. Para ocupar meu tempo, eu vou ver as lives, que serão muitas, e assistir aos desfiles antigos na TV'.
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LEANDRO VIEIRA
'É muito esquisito chegar neste período sem Carnaval. Era o momento em que estaríamos finalizando o trabalho, repartindo a sensação do dever cumprido, com a satisfação de estar concretizando algo que é o nosso ganha-pão, mas também de enorme realização profissional. E, hoje, a gente sente a falta do Carnaval na memória afetiva e no bolso. Enfrentamos uma situação inimaginável. Todos nós fomos obrigados a buscar outras atividades para sobreviver. Nestes dias vou ficar em casa, com pouquíssimas pessoas da minha família. Vou ser 'folion', com inúmeras lives de Carnaval e blocos. Vou trazer a folia para mim por meio da música e do virtual. A Mangueira fará lives e vai apresentar o enredo 2022'.
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SELMINHA SORRISO
'Eu completaria 30 anos com o Claudinho, a parceria mais antiga da história do Carnaval. Fiquei muito mexida, chorei muito. Mas estou sendo chamada para várias matérias internacionais e a gente sente como o mundo está preocupado conosco, com a subsistência de tantas famílias. Teve um impacto emocional e também financeiro, mas não havia outro caminho. A pandemia é como um punhal que enfiaram na gente, mas, não para matar, para que possamos prestar a atenção no que realmente importa. É possível ser feliz com menos. Tenho vários compromissos para esses dias: vou fazer uma live com Claudinho e a bateria da Beija-Flor para uma TV chinesa e devo até participar de um filme. Não vou descansar e nem quero'.
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LUÍS FILIPE DE LIMA
'A minha rotina este ano será bem diferente. Há anos vou à Avenida, já gravei mais de 15 CDs de sambas do Grupo Especial, fiz bailes. Toquei muitos anos em blocos tradicionais do Rio. Felizmente, eu estou trabalhando bastante neste momento em outras atividades e não vou ter tempo para descansar. Mas eu também acho interessantes as iniciativas virtuais. O Carnaval vai transbordar para as redes sociais. Haverá muitas lives, vídeos e programas. Muita gente vai manter a tradição do Carnaval espontâneo, o da crítica de costumes, com posts e coisas do gênero. Dá para relembrar carnavais antigos, fantasias. Ano passado eu fiz uma marchinha sobre a geosmina - 'Cedae ou Desce' - e a geosmina está aí de novo'...