Carlos Henrique,22, trabalhava como mototaxista em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio
Carlos Henrique,22, trabalhava como mototaxista em São Gonçalo, Região Metropolitana do RioArquivo pessoal/ Agência O DIA
Por Beatriz Perez
Rio - Pela quarta vez, o mototaxista Carlos Henrique Moreira, de 22 anos, responde pelo crime de roubo após ter sido reconhecido por meio de fotografias suas expostas em delegacias de São Gonçalo e Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Nas outras três, ele acabou absolvido ou inocentado. A mulher e a defesa do jovem, Gabrielly Gonçalves, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio (OAB-Rio) apontam falhas no processo.
Além de ter tido o reconhecimento fotográfico como única prova, o que foi rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em decisão de outubro do ano passado, a família diz que Carlos Henrique já teve duas audiências de instrução adiadas: ora por que houve falha na intimação das vítimas do roubo, que poderiam reconhecê-lo ou declinar do reconhecimento, ora porque a Seap não conduziu o preso ao Fórum de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Uma nova audiência está marcada para a próxima terça-feira (23).
Publicidade
Para tentar evitar que a situação se repita, a OAB-Rio enviou nesta quinta-feira (19) um ofício à juíza responsável pelo caso. O documento requer a realização da audiência e ressalta que o reconhecimento fotográfico como elemento de prova para a decretação de prisão preventiva é entendido como ilegal pela Ordem. "A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ vem se manifestando em casos similares, no sentido de ser assegurado o direito à ampla defesa, o devido processo legal e o princípio da presunção de inocência", diz Sônia Ferreira, da OAB-RJ.  
Publicidade
Carlos Henrique foi preso no dia 23 de julho, uma quinta-feira, quando saiu de casa, no bairro Maria Paula, em São Gonçalo, para trabalhar. Ele havia deixado há um mês o emprego em uma firma de instalação de ar-condicionado, para trabalhar como autônomo, diante da baixa nas vendas por conta da pandemia. O mototaxista foi abordado por policiais civis e preso. À mulher Gabrielly Gonçalves, os agentes informaram que havia um mandado de prisão pendente por roubo contra ele. É o quarto processo em que Carlos foi alvo de mandados expedidos por reconhecimento fotográfico. Suas fotos constam na 76ª DP (Niterói) e na 75ª DP (Rio de Ouro).
"Quando tinha 16 anos, Carlos foi pego no tráfico, foi apreendido, cumpriu medida socioeducativa. Morava no Sapê e suas fotos constam em álbum na 76ª DP de Niterói. Ele cumpriu 8 meses e quando retornou, ele e a mãe vieram para Maria Paula. Moramos perto da comunidade do Campo Novo, frequente alvo de operações. Em uma dessas, ele foi abordado e levado para delegacia. Ele não portava nada ilícito. O trouxeram de volta pra casa da mãe porque ele ainda era menor de idade, mas nesse dia foram tiradas fotos que constam na 75ª DP", explica Gabrielly.
Publicidade
O casal passou a morar junto em 2017. Gabrielly tem três filhos que agora sustenta sozinha com dois empregos. A jovem lembra da primeira vez que o companheiro foi preso pelo mesmo motivo e foi absolvido. 
"A gente trabalhava vendendo lanche no colégio das minhas filhas. Em 2018, ele estava em um mototaxi indo buscar nossa mercadoria. Abordado na altura da comunidade do Arsenal, foi dito que havia mandado de prisão no nome dele", conta.
Publicidade
Antes da prisão que cumpre agora em Gericinó, em Bangu, Carlos já havia enfrentado outros três processos por acusação de roubo. Dois no Columbandê, em São Gonçalo, e um em Niterói. No primeiro, foi preso e absolvido durante audiência em que a vítima não o reconheceu presencialmente; no segundo, foi absolvido por falta de provas; já no terceiro, de Niterói, foi inocentado porque na data do crime do qual foi acusado, já estava havia um ano e um mês preso pelo primeiro processo, sem ter tido direito a saidinha, segundo sua mulher.
Em 2019, Carlos Henrique ganhou a liberdade, para perdê-la no ano seguinte. "Eu me sinto privada do Direito. A gente tem que implorar por Justiça. Começamos a estabilizar nossa vida e acontece tudo de novo. Eu tenho um medo constante de que outras vítimas cheguem na DP e o reconheçam por roubo equivocadamente", critica a esposa. A jovem trabalha em um bazar durante o dia e em uma pizzaria durante à noite para fechar as contas. "Minha vida está de cabeça para baixo. Da outra vez, eu ainda podia visitá-lo. Dessa vez ele está em unidade sem visita, por conta da pandemia. Estou há sete meses sem vê-lo", lamenta.
Publicidade
A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ classifica prisões baseadas em reconhecimento como arbitrárias. "Independentemente da imputação, a tramitação tem que respeitar princípios constitucionais. Reconhecimento fotográfico não pode ser a única prova para um encarceramento, não é instrumento jurídico para isso. Nós entendemos que essas prisões são arbitrárias e o pano de fundo é o racismo institucional, com a culpa presumida de pessoas que aparecem nos álbuns", diz Sônia Ferreira, que compõe a comissão da OAB.
A Justiça do Rio não comentou as denúncias de falha no processo, por tempo reduzido para intimação das vítimas para audiência. Limitou-se a dizer que a audiência do dia 15 de outubro foi realizada, mas apenas o delegado responsável pelo caso foi ouvido como testemunha. Disse que a audiência seguinte, em dezembro, também foi adiada por não apresentação dos presos pela Seap, e que uma nova sessão está marcada para o próximo dia 23, às 16h. O Tribunal de Justiça não comentou o fato da prisão preventiva ter sido baseada em reconhecimento fotográfico.
Publicidade
O Ministério Público, autor da ação, não comentou o caso.
Em nota, a Polícia Civil informou que, segundo a 75ª DP (Rio do Ouro), o homem foi indiciado por roubo e a prisão dele foi em cumprimento de um mandado de prisão expedido e decretado pela Justiça.
Publicidade
"A atual gestão da Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) recomendou que os delegados não usem apenas o reconhecimento fotográfico como única prova em inquéritos policiais para pedir a prisão de suspeitos. A secretaria informa que o reconhecimento por foto, que é aceito pela Justiça, é um instrumento importante para o início de uma investigação, mas deve ser ratificado por outras provas técnicas na busca pela verdade", diz o documento.