Kelly dos Santos mostra a doação de álcool gel que recebeu de uma igreja na LapaJorge Costa/Agência O Dia
O número é maior do que o da última contagem realizada em 2018, que apontava para um público de 4.628 indivíduos. Vale ressaltar, contudo, que naquele ano a contagem foi muito criticada, e especialistas também consideram que a quantidade de pessoas sem teto pode ser maior. Perguntados sobre o que precisam para sair dessa condição, a maior parte dos participantes da pesquisa mais recente respondeu: “emprego”.
A sensação de abandono, sofrimento e fome são problemas comuns para quem vive nas ruas da capital fluminense. Com a chegada da pandemia, os desafios cotidianos enfrentados por essas pessoas se intensificaram. Edineia Meirelles contou ao DIA que ela costuma vender amendoim nas ruas da cidade para conseguir alguma renda. Ela percebeu que a movimentação na cidade diminuiu muito comparado a antes da pandemia, o que prejudicou diretamente a sua atividade. A pequena renda que ela tinha, ficou ainda menor.
"Olha, eu não fico à toa não! Eu vendia amendoim todos os dias. Quando começou a crescer essa doença, a gente reparou que a cidade ficou totalmente vazia, com quase ninguém, e eu ficava andando por aí tentando vender os meus amendoinzinhos. Agora o movimento melhorou muito, mas eu lembro que no início não dava pra ver quase ninguém nas ruas", comentou Edineia, relembrando o auge da primeira onda da pandemia, que faz aniversário neste mês, quando o até então governador Wilson Witzel decretou quarentena no estado.
Edineia, acompanhada do seu companheiro, Luiz Fernando, e de sua “filha”, como ela costuma chamar, Amanda da Silva, fez um apelo e um pedido de ajuda.
"Tenho uma filha chamada Daiana, ela tem 31 anos e está com tuberculose. O marido dela está preso, e ela cuida sozinha de mais quatro filhas. Eu fico nas ruas pedindo cestas básicas para ajudar a minha filha, ela precisa de uma cadeira de rodas e de comida, eu fico aqui todos os dias, eu só queria ter condições de poder ajudar a minha filha", disse Edineia, enquanto tentava conter as lágrimas.
Edineia Meirelles garantiu que fica em frente à estação das barcas todas as manhãs, todos os dias, sentada próximo à saída das barcas. De onde vem o movimento das pessoas de Niterói para o Rio de Janeiro.
Perguntados se receberam algum apoio por parte do governo, Edineia, Luiz Fernando e Amanda da Silva confirmaram que já receberam atendimentos do serviço de abordagem da prefeitura. Mas que era necessário um apoio maior. Eles reclamam que não possuem acesso a condições mínimas de higiene, e que às vezes precisam se deslocar a pé da Praça XV até a Lapa apenas para conseguir tomar um banho.
Edineia mostrou algumas doações que eles receberam de álcool em gel, e guardam em uma mochila as máscaras de proteção contra a covid-19, para evitar usar em excesso o material de proteção, pois só possuem uma máscara e não têm condições de realizar a limpeza delas.
Especialistas da UFF, da UERJ e ativistas de ONGs independentes que trabalham pela defesa da população em situação de rua foram ouvidos pelo DIA. Eles cobram do poder público uma atenção maior a essas pessoas. Mencionam que a prefeitura é omissa e que é indispensável um maior investimento diante da pandemia para prevenir que mais pessoas passem pela mesma realidade. A vacinação imediata, o aumento da oferta de emprego para este grupo, a entrega de moradias no modelo Housing First (política pública que defende a entrega de uma moradia como a primeira ação de acolhimento dentre as demais que são adotadas), a ampliação do acolhimento e a desburocratização para acesso aos programas assistenciais foram algumas das principais medidas defendidas.
A Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) do Rio dispõe hoje de 65 abrigos para acolhimento, pertencendo a rede própria do município e parceria com empresas conveniadas. Vinte e quatro unidades são direcionadas a crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. A rede própria conta com 41 equipamentos, dos quais hoje 36 estão em funcionamento.
A SMAS defende projetos de acolhimento coordenados com o ensino de atividades empreendedoras, como uma alternativa para que as pessoas em situação de rua possam desenvolver meios próprios de conseguir se auto sustentar. Até o momento, a secretária Laura Carneiro confirmou que na capital há 1.932 pessoas acolhidas pela rede.
Membro do Fórum Estadual de População em Situação de Rua e doutoranda pela UFF, Giovanna Bueno Cinacchi defende que uma alternativa para diminuir o problema da situação de rua é o fortalecer políticas de habitação. "Para além dos abrigos, o mundo inteiro hoje percebeu que a política habitacional consegue diminuir drasticamente a quantidade de pessoas em situação de rua. Elas precisam de casa, demandamos não só abrigos, mas ações habitacionais, e também a expansão do aluguel social", afirmou.
A gestora do Projeto Ruas, Larissa Montel, também aponta a política habitacional como uma solução direta para a população em situação de rua. “A primeira ação que achamos importante neste momento é a oferta da vacina. Pensando num espaço mais amplo, consideramos mais eficiente o modelo de 'Moradia Primeiro' (Housing First), que é uma política já testada na Europa, na América Latina e no Norte e que deu certo”, disse.
A presidente da Fundação Leão XIII, Andréa Baptista mencionou que os trabalhos não foram paralisados mesmo durante o auge da pandemia em 2020. "Nós não paramos durante esse período, fizemos a distribuição de máscaras, investimos no uso de álcool em gel e da melhor forma também equipamos os nossos profissionais para que não se pusessem em situação de risco sanitário", disse.
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