'Nossas vacinas podem morrer na praia', diz reitora sobre cortes da UFRJ
Denise Pires também explicou que não será possível manter os 150 leitos destinados a pacientes com covid-19 no Hospital do Fundão
Por Jenifer Alves
Rio - A reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Denise Pires concedeu uma entrevista coletiva, nesta quarta-feira (12), com o vice-reitor Carlos Frederico Leão Rocha para abordar a crise orçamentária na instituição. Ela também destacou a importância dos investimentos na vacina sendo desenvolvida na universidade que ainda precisam de recursos para dar início à fase de testes clínicos. Denise fez um paralelo com o imunizante Astrazeneca, que conta com a pesquisa da Universidade de Oxford.
"Qualquer medicamento, como no caso da vacina, há todo um desenvolvimento por trás, toda uma pesquisa, que chamamos de pesquisa fundamental, em todos os lugares do mundo é feita com verba pública[...] Por que Oxford desenvolveu uma vacina? Porque todas essas etapas da pesquisa fundamental acontecem no ambiente da universidade e não necessariamente recebem recurso privado, já que os pesquisadores não sabem se aquela substância química será usada no mercado e assim gerar lucros para as empresas", explicou.
Pires lembrou que, na comunidade científica brasileira, há cerca de 15 vacinas sendo estudadas por laboratórios de universidades e segundo ela, uma delas está em fase final de desenvolvimento pela UFRJ, com ensaios pré-clínicos que apontam uma eficácia ainda maior do que os imunizantes administrados hoje no país. "Nós não temos recursos para garantir o término dos ensaios pré-clínicos e ainda não há uma indústria farmacêutica para investir porque ainda estamos em uma fase, nos nossos laboratórios, nas nossas universidades, que antecede o desenvolvimento da vacina em larga escala. Só uma vacina com essa produção pode ser administrada para milhares de pessoas nos ensaios de fase clínica. Essa produção em larga escala não é papel da universidade, aí sim a industria farmacêutica deve entrar e, infelizmente, no Brasil, nós não temos tido investimento em tecnologia porque houve cortes do Ministério de Ciência e Tecnologia e no Ministério da Educação. Pesquisadores que têm seus laboratórios dependentes dessas duas pastas podem, infelizmente morrer na praia, nossas vacinas podem morrer na praia", destacou.
Denise também explicou que, a partir do corte orçamentário, não será possível manter abertos os 150 leitos destinados a pacientes com covid-19, sendo 60 de UTIs no Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF).
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"Abrimos um CTI com 60 leitos que foram doados pelo movimento União Rio, todo reformado, mas que só funciona se houver pessoal e insumos então, a verba que veio do MEC para a UFRJ em 2020 foi fundamental para a abertura desses leitos e para a contratação de pessoal. Nós recebemos verba do Ministério da Saúde e é o que mantém essas vagas abertas sob o ponto de vista de pessoal, não sob o ponto de vista de limpeza, nem tampouco da compra de insumos que é feita com verba do SUS e da reitoria da UFRJ", explica.
De acordo com a reitora, além dos leitos abertos, o hospital atendeu mais de mil pacientes durante o último ano com uma taxa de mortalidade abaixo de 50%. Ela também explicou que a unidade não parou o atendimento de pacientes com doenças crônicas, cardiovasculares ou oncológicas.
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"Só para dar uma ideia da dimensão do atendimento ambulatorial desse hospital, que é o Clementino, nós temos 123 salas de ambulatório, com cerca de 1,5 mil atendimentos, em média, por dia, em 840 turnos semanais, com 34 especialidades médicas", explicou.
Eduardo Raupp, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ, que também estava presente, detalhou que o aporte necessário para pagar as contas da Instituição seria de R$ 330 milhões por ano. No entanto, cerca R$ 299 milhões foram reservados para 2021, mas R$ 152,2 milhões ainda não foram enviados para a Universidade, pois, dependem de suplementação no Congresso Nacional. Ainda dentro desse valor, R$ 41,1 milhões foram bloqueados pelo governo federal.
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Até o momento, de toda a verba que deveria ser destinada à UFRJ, apenas R$ 146,9 milhões foram liberados. Hoje, há apenas R$ 81,7 milhões em caixa, o que permite, no máximo, três meses de funcionamento.
O pró-reitor destacou diversas vezes que a continuidade dos serviços depende do quanto fornecedores terceirizados de limpeza, segurança e manutenção, podem suportar, financeiramente, seguir trabalhando sem pagamento.
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O orçamento debatido é referente à verba reservada para gastos básicos como água, luz, segurança, estrutura, alimentação e alojamento de alunos. Raupp também disse que até o momento, o auxílio aos estudantes que dependem das bolsas da universidade não será afetado. Atualmente, a UFRJ conta com mais de 65 mil estudantes.
As aulas nos polos da UFRJ e as colações de grau são realizadas à distância desde o início da pandemia do coronavírus. No entanto, Denise esclareceu que, com a perda de investimentos, os alunos deixam de ter acesso a aulas práticas e trabalhos de campo em condições de segurança sanitária. Essa situação impacta os insumos para pesquisa, pode paralisar atividades de extensão e, nesse passo, a formação dos estudantes. Questionada se a universidade tem planos para adiantar as formaturas, a reitora respondeu que, a instituição adiantou a formatura de alunos da área da saúde que tivessem cumprido 75% da atividade prática, conforme solicitado pelo MEC para ter esses profissionais disponíveis para o enfrentamento à covid-19, desde 2020.
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"Nós não deixamos de colar grau da graduação, nem deixamos de formar mestres nem doutores, também no nível da especialização, as residências multirofissionais, residências médicas, cursos lato sensu, mas remotamente. O retorno presencial fica inviabilizado com esse orçamento, o que vai atrasar a formatura dos estudantes", destacou.
O que pode ser afetado?
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Testagem para COVID-19
Pesquisa de 2 vacinas contra a COVID-19 em fase de testes pré-clínicos na UFRJ
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Redução de leitos hospitalares
Redução de atendimentos nos hospitais
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Manutenção predial
Limpeza geral e limpeza hospitalar
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Segurança
Bolsas acadêmicas
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Insumos para pesquisa
Compra de equipamentos de TI para melhoria do ensino remoto
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Aquisição de livros, ebooks, bases de dados
Investimentos para o retorno presencial em condições de biossegurança
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Investimentos ligados à assistência estudantil
Conclusão de obras
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Projetos de combate à incêndio e pânico
Projetos de acessibilidade
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Pagamentos de energia elétrica e água.
Procurado, o Ministério da Educação alegou que, está promovendo ações junto ao Ministério da Economia para que as dotações sejam desbloqueadas e o orçamento seja disponibilizado em sua totalidade para a pasta.
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Segundo a pasta, para as universidades e institutos federais, o bloqueio foi de 13,8% e segundo o Mec, reflete exatamente o mesmo percentual aplicado sobre o total de despesas discricionárias, sem emendas discricionárias, sancionado e publicado na Lei nº 14.144, de 22 de abril de 2021 – LOA 2021. O Ministériotambém lembrou que o bloqueio de dotação orçamentária não se trata de um procedimento novo, tendo sido adotado em anos anteriores, a exemplo de 2019 (Decreto nº 9.741, de 28 de março de 2019, e da Portaria nº 144, de 2 de maio de 2019).
Confira a nota na íntegra
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O Ministério da Educação (MEC) informa que, para encaminhamento da Proposta de Lei Orçamentária Anual referente ao exercício financeiro de 2021, houve situação de redução dos recursos discricionários da pasta para 2021, em relação à LOA 2020, e consequente redução orçamentária dos recursos discricionários da Rede Federal de Ensino Superior, de forma linear, na ordem de 16,5%.
Durante a tramitação da PLOA 2021, em atenção à necessidade de observância ao Teto dos Gastos, houve novo ajuste pelo Congresso Nacional, bem como posteriores vetos nas dotações.
Não obstante a situação colocada, O MEC tem não tem medido esforços nas tentativas de recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias das IFES.
O Ministério esclarece ainda que, em observância ao Decreto nº 10.686, de 22 de abril de 2021, foram realizados os bloqueios orçamentários, conforme disposto no anexo do referido decreto.
Para as universidades e institutos federais, o bloqueio foi de 13,8% e reflete exatamente o mesmo percentual aplicado sobre o total de despesas discricionárias, sem emendas discricionárias, sancionado e publicado na Lei nº 14.144, de 22 de abril de 2021 – LOA 2021. Importa lembrar que o bloqueio de dotação orçamentária não se trata de um procedimento novo, tendo sido adotado em anos anteriores, a exemplo de 2019 (Decreto nº 9.741, de 28 de março de 2019, e da Portaria nº 144, de 2 de maio de 2019).
Com relação aos demais bloqueios deste Ministério, foram realizadas análises estimadas das despesas que possuem execução mais significativa apenas no segundo semestre, a fim de reduzir os impactos da execução dos programas no primeiro semestre.
O MEC está promovendo ações junto ao Ministério da Economia para que as dotações sejam desbloqueadas e o orçamento seja disponibilizado em sua totalidade para a pasta.
Ressalte-se que não houve corte no orçamento das unidades por parte do Ministério da Educação. O que ocorreu foi o bloqueio de dotações orçamentárias para atendimento ao Decreto. Na expectativa de uma evolução do cenário fiscal no segundo semestre, essas dotações poderão ser desbloqueadas e executadas.
Cumpre destacar que as universidades federais gozam de autonomia em três dimensões: didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, garantidos constitucionalmente, sendo que cabe à universidade a gestão e destinação dos créditos, inclusive eventuais alterações orçamentárias, conforme necessidade. A IFES e o Conselho do próprio hospital são responsáveis pela gestão do mesmo.