Sem verba, pesquisadores da UFRJ temem interrupção de projetos e da vacina contra a covid-19
Projeto Covidímetro, que calcula a propagação do coronavírus no país, pode ser interrompido, assim como a coleta de dados da doença e o desenvolvimento do primeiro imunizante totalmente nacional
Rio - Devido aos cortes no orçamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisas e estudos sobre a covid-19 podem ser interrompidas, como o Covidímetro e o projeto de coleta de dados da doença, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio (SMS). Além disso, a produção de uma nova vacina contra o coronavírus, que está em desenvolvimento pela professora Leda Castilho, coordenadora do Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe/UFRJ, pode ser inviabilizada.
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A vacina desenvolvida pela UFRJ seria o primeiro imunizante contra a covid-19 totalmente nacional. No momento, os pesquisadores estão finalizando os testes em animais e pretendem, no segundo semestre, começar os testes em humanos, caso haja verba suficiente.
"A universidade só tem dinheiro para o básico, luz, água, contrato de segurança e limpeza. As aulas vão continuar porque estão no modo virtual. Mas a UFRJ é muito mais do que só aulas. A UFRJ tem mais de 1,4 mil centros de pesquisas e mais de 9 hospitais. O nosso projeto é muito importante para o país, o nosso é um dos mais avançados, com a possibilidade de perspectiva que o Brasil tenha uma vacina totalmente nacional. Obviamente, se não tiver como pagar luz, água e limpeza, o laboratório fica totalmente inviabilizado", disse Leda Castilho.
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Segundo a professora, a vacina tem como base a proteína da superfície do vírus, isto é, a proteína 'spike', e será bem parecida com a vacina da Hepatite B, pois não tem o adenovírus na composição.
"Essa proteína a gente desenvolveu células cultivadas em laboratório que é uma cópia fidedigna àquela proteína que recobre a proteína do vírus, aquelas partes pontiagudas, as proteínas ‘spikes’ do vírus. A gente vem trabalhando na nossa vacina desde o primeiro semestre de 2020, desde a criação das células até as tecnologias para cultivar essas células, depois a gente já começou a passar pelo processo das células em escala piloto", explicou.
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O professor Cláudio Micelli, do Instituto Tércio Pacitti de Aplicações e Pesquisas Computacionais (NCE) e do Programa de Engenharia de Computação do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), ambos da UFRJ, desenvolveu o Covidímetro, em parceria com os professores Guilherme Travassos e Roberto Medronho. O projeto calcula o fator R da covid-19, isto é, realiza o cálculo de propagação do vírus no país, e está ameaçado de suspensão diante do corte de verbas da instituição.
"Uma filosofia que a Universidade tomou é o serviço se voltar todo para o combate à pandemia. Se você for na pró-reitoria de pós-graduação da UFRJ, você vai ver mais de uma centena de projetos dedicados ao combate à covid-19. Projetos esses que não ficam só para a covid, ficam para depois, para os próximos passos. A Universidade abraçou a causa para a gente tentar encontrar alguma solução. Essa não é uma luta só da UFRJ, mas de todas as outras universidades", disse o professor Claúdio Micelli.
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Outro projeto do professor, que está sob ameaça de interrupção, é o software de apoio ao agente comunitário da Saúde na coleta de dados da doença e acompanhamento de pessoas com comorbidades ao longo do tempo, idealizado em conjunto com a Subsecretaria de Promoção da Saúde, Atenção Primária e Vigilância de Saúde (Subpav) da Prefeitura do Rio.
"Ao invés dele precisar coletar tudo no papel no momento que eles estão indo na casa das pessoas e depois ter que digitar tudo na unidade da saúde, o próprio celular dele se comunica com o sistema diretamente. Ele pode anotar conforme ele está fazendo as visitas, de forma a salvaguardar as informações para garantir que a anamnese do paciente seja correta", explica.
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Impacto das pesquisas para a população
Com a suspensão das pesquisas, estudos e vacinas da covid-19 na UFRJ, devido à falta de verba do governo federal, a maior prejudicada torna-se a população brasileira. "Tudo no final das contas é para a população. Hoje, as coisas já são difíceis com os poucos recursos que tem. Por mais que se tenha projetos com empresas, existe uma questão de infraestrutura da Universidade que fica inviabilizada. Grande parte das interações das Universidades no Brasil, é com empresas brasileiras, com o governo brasileiro, para resolver problemas da população brasileira. Por esse trabalho da covid-19, eu não ganho nada. Tudo o que a gente faz, é para retornar para a população. Tudo o que a gente faz na Universidade é em prol do país e para o país", afirmou o professor Claúdio Micelli.
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Para a professora Leda Carvalho, a educação é a solução de qualquer crise econômica e social. "Mesmo com país em crise, outros países que estiveram em crise, como o Japão na Segunda Guerra Mundial, eles entenderam que investir em educação é a chave para se sair da crise. A gente tem visto desde 2013 queda atrás de queda do ensino superior. O país está fazendo uma aposta muito errada. Formar profissionais através do ensino superior só vai trazer benefícios econômicos para o seu país e, obviamente, para sua população".
Fechamento da instituição
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Após o anúncio de fechamento da UFRJ a partir de julho, professores e alunos ficaram apreensivos em relação à continuidade do semestre.
"Sinceramente, eu tento não pensar nesse tipo de coisa (fechamento da UFRJ). Eu tento seguir a minha vida normal. Eu garanti aos meus alunos que a gente vai terminar esse semestre e é muito provável que o próximo semestre aconteça sem mais problemas, mas é muito estressante, é cansativo. A gente fica pensando no que a gente fez de errado. A gente continua devolvendo para a Universidade, para o país", disse o professor.
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Segundo o Pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ, Eduardo Raupp, o aporte necessário para pagar as contas da instituição seria de R$ 330 milhões por ano. No entanto, cerca R$ 299 milhões foram reservados para 2021, mas R$ 152,2 milhões ainda não foram repassados para a Universidade por dependerem de suplementação no Congresso Nacional. Ainda dentro desse valor, R$ 41,1 milhões foram bloqueados pelo Governo Federal.
Até o momento, de toda a verba que deveria ser destinada à UFRJ, apenas R$ 146,9 milhões foram liberados. Hoje, há apenas R$ 81,7 milhões em caixa, o que permite, no máximo, três meses de funcionamento.
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"Muito do dinheiro do laboratório vem de projetos com as empresas que a gente busca colaboração, mas, no final do dia ainda tem uma questão muito séria, que é a infraestrutura da Universidade, que vem do orçamento da Universidade. Nesse período remoto, a gente está em casa em isolamento, o que não significa que a gente parou de trabalhar. A falta de recursos afeta, porque a gente acaba não conseguindo dar continuidade às atividades, adquirir equipamentos necessários para dar aula", afirmou Micelli.
*Estagiária sob supervisão de Thiago Antunes