Rio - O Dossiê Mulher 2021, divulgado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro nesta segunda-feira, indica que 98.681 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica e familiar no Estado em 2020. O documento ainda mostra que 78 casos de feminicídio — e pelo menos 15 deles foram presenciados pelos filhos. O levantamento leva em consideração os dados de registros realizados pela Polícia Civil no ano passado.
Nove das 78 vítimas de feminicídio tinham medidas protetivas, mas 80% delas não denunciaram às autoridades o descumprimento. No total, foram contabilizados 2.003 registros de descumprimento no ano de 2020, uma média de cinco por dia. A pesquisa constatou que o interior teve a maior concentração desse tipo de crime (42,7%), seguido da Baixada Fluminense (28,6%) e da capital (23,3%). Essa ordem é repetida na análise de locais que mais registraram feminicídios. Companheiros ou ex foram maioria dos autores do descumprimento de medida protetiva (86%).
Em 74,4% dos casos, as mulheres foram mortas dentro da própria casa e, em 78,2% das vezes, o autor do crime era o companheiro ou ex. Ainda segundo o estudo, 40% das mulheres foram mortas por faca, facão ou canivete, e 24,4%, por arma de fogo. De acordo com o dossiê, 53,8% das vítimas já tinha sofrido algum tipo de violência e não registrou.
Mais da metade das vítimas de feminicídio tinha entre 30 e 59 anos de idade (57,7%) e eram negras (55,1%).
Segundo os autores, os crimes foram cometidos após uma briga, em 27 casos e, em outros 20, após o término do relacionamento. Sete a cada 10 autores foram presos ou se entregaram para a autoridade policial. "Mostra como o machismo está enraizado na sociedade. Se fosse o homem terminando, ele teria sido morto? Com certeza não. É como se a mulher não tivesse direito de terminar relacionamento", explicou a presidente do ISP, Marcela Ortiz, durante o evento do lançamento do Dossiê Mulher.
Segundo Ortiz, houve uma queda no número de registros de violência doméstica por conta da pandemia da covid-19. "Apesar de haver a possibilidade de subnotificação por causa da pandemia, da impossibilidade de a vítima sair da própria residência, pela presença e controle do agressor, podemos destacar o aumento das medidas que dão mais proteção às vítimas, assim como a implementação de programas com o mesmo intuito, como a Patrulha Maria da Penha".
"A violência contra a mulher é uma escada e dá sinais. É importante que no primeiro sinal que o relacionamento se mostra abusivo, a mulher denuncie para não chegar no último degrau, que culmina no fim da vida dela", completou a presidente do ISP.
A maior parte das mulheres vítimas de violências física, moral, psicológica e patrimonial também tinha entre 30 e 59 anos. A exceção é a violência sexual, em que a maioria das vítimas era composta por crianças de até 11 anos. Mais da metade delas foram agredidas sexualmente dentro da residência (60,9%) e por alguém do seu núcleo familiar. As mulheres negras continuaram sendo as mais vitimadas em todos os tipos de violência. Elas só perdem o primeiro lugar no ranking da violência moral.
A violência física foi a que mais vitimou em 2020, chegando a 34,6% dos registros entre todas as formas de violência contra mulheres. Especificamente no caso do crime de lesão corporal dolosa, 33.371 casos foram registrados, uma média de 91 mulheres vítimas por dia. A maioria desses crimes aconteceu na capital e atingiu mulheres de 30 a 59 anos e negras. Seis a cada dez vítimas foram agredidas dentro de uma residência por um companheiro ou ex-companheiro (58,6%).
Violência sexual
Os delitos em que as mulheres foram as maiores vítimas são os relacionados à violação do corpo. Em primeiro lugar vem a importunação sexual (92,5%). Em seguida aparecem: assédio sexual (91,5%), registro não autorizado de intimidade sexual (90,7%), tentativa de estupro (89,2%), divulgação de cena de estupro (88,5%) e estupro (86,1%).
O documento cita ainda que houve uma diminuição de casos de violência sexual em relação a 2019: foram 5.645 registros, uma queda de 15,8%.
Na análise dos crimes, se destaca o estupro de vulnerável, com 2.754 casos registrados, que é mais que o dobro dos casos registrados em 2020. Em média, sete meninas com até 14 anos foram estupradas por dia no estado. No comparativo com os homens, os delitos em que as mulheres foram as maiores vítimas são os relacionados à violação do corpo.
Investimento
As estatísticas do dossiê levaram o Governo do Estado a criar dois programas: o Núcleo de Atendimento aos Familiares de Vítimas do Feminicídio e o treinamento de polícias militares para garantir o cumprimento de medidas protetivas contra agressores. O objetivo é acolher especialmente crianças e adolescentes.
O governador do Rio, Cláudio Castro também esteve no evento e anunciou um investimento de R$ 5 milhões que será destinado para a recuperação dos equipamentos de acolhimento.
"Quando fomos confeccionar o Pacto RJ, que é o direcionamento aonde o Governo do Estado acha que deve atuar, e não dava para ter um direcionamento de estado sobre o combate de violência contra a mulher. Não adiantava a gente falar em estrada, ponte, na política penitenciária e não falar nisso que eu sempre disse quer seria uma das prioridades do governo. A inserção do combate à violência da mulher no Pacto RJ é a grande prova de que isso é uma prioridade do nosso estado, uma das bandeiras que vamos trabalhar. Não à toa, recebi na última quinta-feira o conselho para escutar as demandas e já acertamos algumas coisas que precisam melhorar. Eu destinei uma verba de R$ 5 milhões para que a gente possa recuperar todos os equipamentos de acolhimento. É um investimento inicial e se precisar colocar mais, colocaremos", disse Castro, que completou:
"A gente é favor que a mulher não sofra mais violência, que ela tenha uma vida digna e igualitária. A gente tem que trabalhar pela mulher, de maneira que venha a agregar. Temos que ser a favor da liberdade total da mulher dentro de casa, da liberdade de opinião, liberdade de poder terminar um relacionamento, de poder brigar e isso não ser motivo dela ser agredida ou até de ter sua vida ceifada. Me impressiona muito que no ano de 2021 os números sejam tão graves".
O governador disse que vai propor essa semana que uma grande campanha publicitária sobre a violência contra a mulher seja feita no estado. "Talvez a nossa sociedade não esteja sabendo do grave problema que é. Fazemos campanha de Detran, de vacinação, faz campanha de tudo e acho que essa campanha é fundamental para que a mulher saiba onde procurar, onde denunciar, que ela seja incentivada a denunciar. Que a gente crie políticas públicas efetivas para que essa mulher possa sair de casa temporariamente, porque quem tem que sair de casa é o agressor, não é ela. Mas que ela possa ter um local para buscar um refúgio e em seguida, para que possamos tirar essa agressor de casa, porque ele que não merece permanecer no convívio da família".
Além das 14 Deams (Delegacias de Atendimento à Mulher) - que serão modernizadas dos próximos anos por meio do PactoRJ - e dos 14 Núcleos de Atendimento à Mulher (Nuams), da Polícia Civil, o governo tem investido em ações como o Patrulha Maria da Penha - Guardiões de Vida, da Polícia Militar.
"Para acompanhar os filhos e familiares das vítimas de feminicídios determinei a criação do Núcleo de Atendimento aos Familiares de Vítimas do Feminicídio, que será coordenado pela Secretaria de Assistência à Vítima. Além disso, as equipes do Patrulha Maria da Penha estão capacitando policiais de todos os batalhões, principalmente do interior, para atender casos de descumprimento de medidas protetivas", anunciou Castro.
Atualmente, o Patrulha Maria da Penha conta com 45 equipes de 180 policiais militares treinados para atuar diariamente no atendimento a mulheres que têm Medida Protetiva de Urgência. Em dois anos de programa, 24 mil mulheres foram atendidas. Além das ações das polícias, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos oferece equipes de psicólogos, assistentes sociais e advogados nos nove Centros Integrados/Especializados de Atendimento à Mulher.
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