Familiares e amigos se despedem de Elza desde às 8hCleber Mendes/Agência O Dia

Rio - O corpo da cantora Elza Soares chegou ao Theatro Municipal do Rio na manhã desta sexta-feira. O velório da artista, considerada a voz do milênio, começou por volta das 8h. A primeira parte da despedida, de 8h às 10h, será restrita apenas aos amigos e familiares. O público poderá participar do velório das 10h às 14h. 
Amigos e familiares se despediram da cantora. Na ocasião, o grupo Elzas prestou uma homenagem a artista ao cantar a 'A Mulher do Fim do Mundo'. A canção faz parte do álbum, que tem o nome da música, lançado em 2015, o primeiro só com músicas inéditas e que ganhou amplo destaque na crítica nacional e na imprensa internacional.
O sepultamento de Elza Soares será realizado no Cemitério Jardim da Saudade, no Jardim Sulacap. O traslado do Theatro Municipal ao local do sepultamento será feito no carro do Corpo de Bombeiros, com o trajeto passando pela Avenida Atlântica. O velório no cemitério e o sepultamento serão restritos aos amigos e familiares. A prefeitura do Rio decretou três dias de luto oficial em homenagem a artista. A neta de Elza, Vanessa Soares, contou que a avó havia se mudado para sua casa há cinco meses, no último dia 20 de agosto, e descreveu a convivência familiar com a cantora como 'deliciosa'. 
"A minha avó nunca gostou de morar com a família, ela sempre gostou de morar sozinha. Eu acho que ela nunca tinha tido essa experiência de acordar de manhã e ter um neto dando bom dia, a minha irmã indo lá em casa o tempo todo, meu filho quando ia para a faculdade: 'vó, estou indo para a faculdade', 'vó, cheguei'. Essa convivência familiar para ela estava sendo deliciosa, porque eu acho que há muito anos ela não tinha isso", contou Vanessa, que falou sobre a personalidade de Elza e afirmou ainda que ela estava bem e brincando no dia anterior a sua morte, após chegar de uma viagem. 
"Tinha a Conceição, que adorava bater papo, cuidar dos netos, conversar, aconselhar. Essa era a Conceição. A Elza, era a Elza do palco, que se transformava. (...) Quando nós chegamos no Rio, ela estava com uma camisa do Flamengo, e a cuidadora dela é botafoguense e falou: "vou tirar essa camisa e vou jogar uma água sanitária". A minha avó olhou para mim e falou assim: "Você esqueceu? Vanessa que faz seu pagamento." Quarta-feira à noite e a minha avó com essa tirada", lembrou carinhosamente a neta. 
Elza Soares morreu nesta quinta-feira, aos 91 anos, de causas naturais. Uma das maiores cantoras do país, a veterana tornou-se mundialmente conhecida por seu tom suavemente grave e levemente rouco da voz, o que a fez conquistar muitos prêmios ao longo da carreira, que seguiu com 34 discos. 
"É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais. Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milênio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação. A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim".
Elza Gomes da Conceição nasceu em 23 de junho de 1930, de família pobre na Favela Vila Vintém, Zona Oeste do Rio, em uma família de dez irmãos. Elza viveu uma infância de trabalho pesado, fazendo serviços domésticos e carregando latas d'água na cabeça desde muito nova. Aos 12 anos, foi obrigada pelo pai a casar-se com um amigo dele e foi vítima de constantes abusos e violência doméstica. Aos 13 deu à luz ao seu primeiro filme e aos 15 viveu uma enorme perda: seu segundo filho morreria de fome.
Aos 21 anos iniciou sua carreira artística, já com quatro filhos e trabalhando como faxineira para sustentá-los. Confiante em seu talento para cantar, por receber elogios que recebia de parentes e amigos, se inscreveu no concurso musical do programa de rádio 'Calouros em Desfile', em meados de 1953, apresentado pelo compositor Ary Barroso. Deste episódio vem uma famosa frase de Elza, que deu nome ao seu último álbum. Quando a artista subiu ao palco, foi recebida pelo auditório e por Ary Barroso, com gargalhadas. Ary tentou ridicularizar Elza perguntando-lhe: "De que planeta você veio, minha filha?". Elza rebateu: "Do mesmo planeta que o senhor, Seu Ary. Do planeta fome."
Naquele dia, Elza cantou 'Lama', de Paulo Marques e Aylce Chaves, e ganhou a nota máxima do programa e então, anunciou que, naquele exato momento, "acabava de nascer uma estrela". No entanto, a estreia em disco aconteceria apenas nos anos 60, com 'Se acaso você chegasse'. Antes, Elza chegou a fazer pequenos shows em clubes do Rio e até uma turnê em 1958 na Argentina, enfrentando o machismo vigente à época e, principalmente, o racismo, que a impedia de produzir e lançar seu primeiro álbum.
Em 1962, conhecera Garrincha, com quem viveu um tórrido (e abusivo) relacionamento. O jogador se divorciara da esposa e, ambos começariam a namorar um ano depois. Em 1966, decidiram morar juntos e o futuro casamento provocou a fúria dos fãs do atleta, que a acusaram de acabar com a vida de Garrincha. Na nova casa onde moravam na Ilha do Governador, Elza e Garrincha sofriam ataques anônimos como pedras arremessadas contra a residência. Os ataques foram aumentando e a família de Elza passou a receber cartas e ligações telefônicas com xingamentos e ameaças. Na mesma época, Elza gravou o samba "Eu Sou a Outra", cuja letra enfureceu ainda mais a imprensa e a opinião pública; radialistas quebravam o disco com a canção no ar, uma medida comum na época para expressar descontentamento com uma nova música.
Em 1976, nasce Manoel Francisco dos Santos Júnior, apelidado de Garrinchinha. Garrincha havia prometido a Elza que pararia de beber caso ela lhe desse um menino, mas ele quebrou a promessa logo após o nascimento. Um dia, Elza o flagrou alcoolizado segurando o filho deles por uma perna e ameaçando jogá-lo escada e decidiu deixá-lo, mesmo sabendo que era tudo uma brincadeira. Em 1982, o casamento de Elza e Garrincha chegou ao fim, por conta de constantes agressões físicas, ciúmes doentios, traições e humilhações, onde o alcoolismo do jogador foi determinante para a separação. Elza tentou ajudar o marido a parar de beber, mas Garrincha morreria um anos depois, após o divórcio. Elza manteve diversos relacionamentos após a separação, mas nunca se casou novamente.
Em 1999, após uma queda durante um show promovido pelo Sindicato dos Jornalistas no Rio de Janeiro, Elza passou a se locomover com muita dificuldade. A cantora operou a coluna em 2014, fez mais uma cirurgia, desta vez na região lombar. Desde o acidente, Elza frequentemente cantaria sentada. A cantora também atuou como puxadora de escolas de samba, sendo uma das primeiras intérpretes na Marques de Sapucaí. Também desfilou no Salgueiro e na Mocidade, a última vez em 2020, quando foi tema do enredo e veio como destaque no último carro da agremiação.
A escola publicou um comunicado no Instagram onde anunciou luto de três dias e cancelou seu ensaio técnico, previsto para este sábado (22).
Em 2000, foi premiada como 'A Voz do Milênio', pela BBC em Londres, quando se apresentou num show com Gal Costa, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Virgínia Rodrigues. Em 2002, o álbum 'Do Cóccix até o Pescoço' garantiu-lhe uma indicação ao Grammy. Elza lançaria outros discos, mas em 2015, com 'A Mulher do Fim do Mundo', primeiro só com músicas inéditas, ganhou amplo destaque na crítica nacional e na imprensa internacional. Em 2018, lançou 'Deus é Mulher', também bem recebido por crítica e público. Seu último disco, 'Planeta Fome', foi lançado em 2019. Ainda na pandemia da covid-19, em 2020, Elza faria algumas lives e dizia "sentir saudade dos palcos", mas pedia cuidado e proteção antes de ser vacinada. Em dezembro de 2021 a cantora contraiu covid-19 e recuperou-se semanas depois.
Eduardo Paes homenageia Elza Soares

Uma celebração à vida de Elza Soares. Foi este o tom que o prefeito Eduardo Paes concedeu ao velório da cantora, que ocorreu na manhã desta sexta-feira, 21, no Theatro Municipal. Após decretar três dias de luto oficial na cidade do Rio, Paes declarou que este é um momento de homenagear a artista.

"É óbvio que todos nós estamos tristes, a família, a legião de fãs. Mas acho que hoje é dia de celebrar a vida dessa mulher, dessa grande representante da cultura brasileira, da força da mulher brasileira, das pessoas que nascem nas favelas, nas periferias, das pessoas pretas, que enfrentam as dificuldades do dia a dia", declarou o prefeito.