Exposição 'Portinari Raros', no CCBB-RJMarco Rodrigues/ Divulgação

Quantos talentos podem fazer moradia numa única mente e num só coração? Candido Portinari nos torna incapazes de responder a essa pergunta, mesmo 60 anos após a sua morte. Por mais reconhecido e difundido mundialmente, o seu trabalho consegue a magia de não se esgotar, mesmo sem a sua presença física. Tanto que ainda há surpresas reservadas ao público em relação ao legado deixado por ele, um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos. O mesmo autor de 'Os Retirantes' e 'Guerra e Paz', com temas ainda bem atuais, é agora revelado através de obras pouco ou nunca expostas anteriormente em 'Portinari Raros', no CCBB-RJ.

O nome da mostra simboliza o trabalho de garimpar as raridades de Portinari, como a única cerâmica feita por ele em toda a sua vida, batizada de 'Menino Soltando Pipa' (1958). As obras vieram principalmente de coleções privadas, e a diversidade de linguagens experimentadas por ele dá a dimensão de suas múltiplas facetas.
"Queria enfatizar para vocês que todos esses quadros foram feitos pelo mesmo artista", destacou o curador Marcello Dantas, em tom bem-humorado, logo no início de uma visita à exposição com os jornalistas, na semana passada.

Filho único de Portinari, João Candido prestigiou o evento fazendo uma bela tabelinha de gentilezas e de reconhecimento com Marcello.

Ao fim da exposição, uma projeção apresenta as 4.932 obras catalogadas de Portinari na instalação digital 'Carrossel Raisonné'. Para assisti-la integralmente, seriam necessárias cerca de nove horas. Cinco volumes compõem o catálogo impresso de toda a obra de Portinari. Mas o garimpo de raridades já está feito. Basta apreciá-lo no Centro do Rio.

Portinari Raros
Até 12 de setembro 
CCBB-RJ
Rua Primeiro de Março 66, Centro
Telefone: (21) 3808.2020
Funcionamento: Segunda, quarta e sábado, das 9h às 21h. Domingo, das 9h às 20h.
Fechado às terças-feiras.
Classificação indicativa: livre  
Entrada franca, com ingressos disponibilizados na bilheteria do CCBB RJ ou pelo site Eventim: bit.ly/ccbbrjeventim
'Ele tinha algo de premonitório', diz João Candido, sobre o pai

João Candido: zelo com o legadoAna Carla Gomes

O nome da exposição, 'Portinari Raros', é bem simbólico. Como foi o trabalho de encontrar raridades na obra de um artista tão reconhecido?
Ele ainda nos reserva surpresas. Todo crédito deve ser dado ao Marcello Dantas. A ideia foi dele. A concepção foi dele. O recorte das obras foi dele. Ele chegou a descobrir obras que nem o Projeto Portinari, com 43 anos, tinha localizado. É um gênio. Aqui o público vai ter a possibilidade de se surpreender. A gente vai olhar e vai dizer: 'Bom, isso é Portinari? Não pode ser. Eu não tenho na cabeça a exposição toda ainda. Esse também é um mérito dele, de ter realizado em tão pouco tempo, saindo de uma exposição lá em São Paulo, que é a mais completa. Se for a São Paulo, é imperdível". No Carrossel você vê a obra completa de um pintor, com imagens de dois metros de altura, desfilar na sua frente, por ordem cronológica. Você vai sentar ali e Portinari vai desfilar na sua frente. Da primeira obra, que ele faz, com 11 anos, à última. Nós fizemos até uma estimativa, se você quiser realmente ver tudo, você teria que ficar nove horas. 

Além dessas raridades, a obra de Portinari traz temas universais e ainda muito atuais, como em 'Retirantes' e 'Guerra e Paz'. Como o senhor vê essa nuance do trabalho dele?
São bem atuais, como a própria questão climática. O Balé Iara representa o problema da seca. Não tem nada mais climático do que o problema da seca. O Portinari tinha essa coisa. A preocupação dele com o ser humano era tão grande que ele tinha algo de premonitório. Ele fez coisas, décadas atrás, que estão mais atuais do que nunca. Você citou, por exemplo, a guerra. Estamos aí com uma aflição enorme, de perspectiva até de uma Terceira Guerra Mundial. Está lá no 'Guerra e Paz', que tem mais de 50 anos.
Já li que, para o senhor, era difícil se referir a Portinari como pai dentro do Projeto Portinari. Como é cuidar do legado dele tendo esse elo afetivo?
Talvez eu precisasse falar uma coisa pequena sobre mim. Imagine eu ser filho único de um homem que, naquela época, ocupava um espaço monumental na vida brasileira? A sombra dele era uma coisa muito difícil de lidar com isso. Imagina, você vai numa festinha e aí apresenta: Essa é a Ana Carla, essa é a Andrea, esse aqui é o filho do Portinari. Aquilo foi começando a me incomodar tanto que eu saí de casa e nunca mais voltei. Saí com 18 anos, fui estudar na França. Quando ele faleceu eu estava na França. Eu peguei um avião correndo, mas, quando eu cheguei já era tarde. Então, eu procurei me afastar para criar um caminho meu, próprio. Então. Eu fui um dos fundadores do Departamento de Matemática da PUC. Fiquei 13 anos só pensando em Matemática. Se você viesse falar de Portinari comigo, eu provavelmente desconversaria. Não queria esse assunto. Até que eu sentia a necessidade de fazer algo pela memória dele. E pelo povo brasileiro. Eu quero glorificar os nossos filhos e os nossos netos que têm o direito de ter acesso à mensagem pictórica, ética e humanista que ele deixou. Claro que tenho um lado de afetivo, mas gostaria de pensar que sou um cidadão brasileiro, que se viu na condição de fazer esse trabalho e tentou fazer da melhor maneira possível.