Desde que desembarcou no Rio, há 44 anos, Padre Renato Chiera nunca mais voltou a morar na Itáliafotos Sandro Vox

Rio - O amor por ajudar os necessitados é o que guia o Padre Renato Chiera, que completa 80 anos de idade este mês e 44 anos de Brasil. Vindo de uma pequena cidade do norte da Itália, Villanova Mondovi, ele foi para Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e fundou a Casa do Menor, que hoje já acolheu mais de 120 mil pessoas, principalmente menores de idade que moram nas ruas. Em um ano, são mais de 5 mil atendimentos que ele e sua equipe fazem a pessoas que estão em vulnerabilidade social, mas, com a crise, Padre Renato teme não conseguir levar a frente a casa e pede ajuda e doações à população.
Aos oito anos de idade, Padre Renato tinha como referência as doutrinas do sacerdote Dom Bosco, que se dedicava aos mais pobres, sendo ele sua maior influência para seguir o sacerdócio. "Aprendi com a minha família a ajudar o próximo. Eu sempre admirei Dom Bosco porque ele se dedicou a cuidar dos meninos abandonados de Turim. Tive essa mesma vontade", disse.
Quando já era padre, surgiu a oportunidade de se mudar para o Brasil, em um projeto missionário, e ajudar na diocese de Nova Iguaçu, que não contava com muitos presbíteros. "Eu aceitei a proposta na hora. Meu coração estava predisposto para isso, eu queria construir pontes quando era pequeno, olhando o céu, entre um horizonte e o outro", declarou Padre Renato. Desde que chegou a terras cariocas, há 44 anos, nunca mais voltou a morar na Itália. Hoje, ele só vai visitar familiares por um breve período de tempo.
Ao chegar na Baixada Fluminense, alguns fatos despertaram a sua atenção, como a morte de um menino chamado Carlos Martins, conhecido como "Pirata", que estava fugindo de um grupo de "matadores" que existia na região. Pirata, de 17 anos, pediu ajuda ao padre e chegou a se esconder em sua garagem, mas acabou sendo morto no muro da sua casa. "Isso me machucou muito porque eu queria me dedicar e me entristeceu não poder ajudá-lo na época. Foi algo que me marcou muito", explicou o padre. Outro menino, que estava marcado para morrer, também pediu socorro. "Ao chegar aqui, eu percebi que muitos adolescentes estavam sendo mortos. Quando esse garoto veio me pedir ajuda, eu já estava com meu coração aberto para a causa. Vi estes dois sinais de jovens, um que morreu na minha casa e outro que veio me pedir ajuda em Miguel Couto, como um chamado de Deus para mim", completou. "Eles me procuravam falando que não queriam morrer e parecia Jesus falando comigo. Por exemplo, eu falo bonito que Deus é amor e como vou deixar uma pessoa morrer? Foi quando senti forte para me dedicar para esta causa, ajudá-los", finalizou.
De acordo com Padre Renato, a falta de um lar estruturado, da presença da família e de uma perspectiva de futuro são os principais fatores que podem levar o adolescente ao tráfico de drogas e a violência. "O grito desses meninos é um grito de família. Eles têm problemas, são violentos, usam drogas, mas a chaga, a ferida, é a família. A pessoa cresce sabendo que não é amado por ninguém e acaba não amando os outro", disse. O projeto Casa do Menor São Miguel Arcanjo está presente em quatro estados, sendo eles Rio de Janeiro, Ceará, Alagoas e Paraíba e, há seis meses, também na África. "Nosso projeto já ajudou a construir casas e mudar a vida de muita gente. A ideia não é só acolher, mas também incentivar a profissionalização do jovem. "Nosso foco hoje é a prevenção nas comunidades. Temos que fechar esse furo que é a falta de educação, de família e de perspectiva de futuro. Esses meninos não encontram amor em casa e vão procurar a autoestima no tráfico. Eles não se sentem valorizados pela sociedade em geral", declarou. "Se o estado investisse mais em educação do que em armas, as favelas não seriam favelas. Eu faço esse trabalho há 36 anos e vejo esse caminho funcionando, por isso quero passar para a sociedade", completou.
Segundo pesquisa do Centro de Políticas Sociais da FGV, publicada em junho deste ano, o grupo de pessoas com renda domiciliar de até R$ 497 por mês atingiu 62,9 milhões de brasileiros em 2021, cerca de 29,6% da população total do país. Em 2021, esse número corresponde a 9,6 milhões a mais que em 2019. Os dados mostram que, desde 2012, a pobreza nunca esteve tão alta no Brasil quanto em 2021.
O Mapa da Fome, divulgado em junho pela ONG Ação da Cidadania, apontou que cerca de 15% dos fluminenses (2,7 milhões de pessoas) não têm o que comer e mais da metade da população convive com algum grau de insegurança alimentar. Esse aumento é de quase 400% em relação aos dados de 2018, quando 4,2% dos fluminenses passavam por insegurança alimentar. Nesse cenário, mais de 10 milhões de pessoas, equivalente a 57% dos moradores do estado do Rio de Janeiro, sofrem com algum tipo de deficiência na alimentação.
Perseguição na ditadura
Padre Renato chegou ao Brasil na época da ditadura, em 1978. Ele foi perseguido, ameaçado e já teve que fugir para não morrer porque achavam que ele era comunista. "Quando eu cheguei, eu não trabalhava diretamente com os meninos de rua, mas nas favelas, com pessoas que não tinham nada. Nosso acolhimento não era por partido político, mas por Jesus", disse ele. "Quando eu vim para Miguel Couto, a perseguição não foi política, mas porque eu acolhia bandidos. Eles achavam que eu estava infestando a região com criminosos e, naquela época, tinham os matadores daqui, hoje são os milicianos", completou. Padre Renato relatou que já chegou a dormir no corredor de casa, sem janela, para não levar um tiro. "Eu sabia que quando a gente trabalha para os excluídos, nós somos também. O esquadrão da morte aqui começou a entender o meu propósito, que não era passar a mão na cabeça dessas crianças, mas ajudar eles, fazendo-os se sentirem amados. Uma pessoa que se sente parte do todo não faz besteira", explicou.
Mesmo com dificuldades, Padre Renato não se esquivou do seu propósito. "Eu já senti muito medo de perder minha vida, mas eu estou disposto a perdê-la. Eu gostaria de salvar todos, acolher todos, mas não consigo. O nosso trabalho não depende só de mim, mas da comunidade, da sociedade, dos governos. A gente sabe que não existe política pública para esses jovens", concluiu.