É incrível como a gente vai permeando os tempos a todo instante no pensamento, tentando entender o que passou, como vivemos e até o que virá. Como se um dia pudéssemos realmente dominá-losArte: Kiko

Era um domingo à noite quando o meu sobrinho mais velho, João Pedro, de 15 anos, bateu à porta. O rádio da cozinha estava sintonizado na Tupi, emissora fundada num tempo em que nem havia televisão no Brasil. Não vivi nessa época, mas peguei a fase em que colocávamos bombril na antena do televisor na esperança de melhorar o sinal. Talvez o JP, como eu o chamo carinhosamente, já tenha ouvido falar da nossa engenhoca ultramoderna.

O meu papo com ele, no entanto, se situou no presente, ou para mim, num futuro ainda distante. É incrível como a gente vai permeando os tempos a todo instante no pensamento, tentando entender o que passou, como vivemos e até o que virá. Como se um dia pudéssemos realmente dominá-los.
Comecei contando que tinha ido a uma exposição de NFTs no Parque Lage, tentando mostrar intimidade com a sigla que ainda tento compreender. Trocando em miúdos, diria que são certificados de propriedade ligados a um produto digital. São únicos, insubstituíveis e, por isso, muito valiosos. E podem vir em forma de arte digital. "Por que você não me falou? Queria ter ido!", respondeu ele, imediatamente. Com a mesma rapidez, eu me empolguei: "Quer dizer que eu fiz um rolé de jovem?" E ele confirmou que sim!

Confesso, no entanto, que esse novo universo ainda é muito abstrato para mim, uma amante do jornal e do livro impressos. E o sentimento não é apenas meu. Conversando com amigos da mesma idade ou mais velhos, a sensação é compartilhada de tal forma que não nos sentimos desatualizados a sós.

Mas ouvir o novo— e também o que passou — é o que permite que diferentes gerações se entrelacem. Ficou nítido na cena que eu fotografei no Parque Lage naquele domingo: a da família da minha amiga Camilla. Estavam lá o seu filho de 14 anos, a sua mãe, e o seu sobrinho, João Vittor, acompanhado da namorada. João, inclusive, integrou o projeto de criação de NFTs de Gilberto Gil, um ícone datado apenas pelo nascimento, em 1942, mas para sempre imortal na nossa memória.

Particularmente, ouso dizer que carrego várias gerações no meu DNA, muito além do ano de 1977 da minha certidão. Às vezes, vou buscar lá atrás um gosto musical para chamar de meu. Da mesma forma que as novas tecnologias encontraram abrigo ao serem expostas no sexagenário Parque Lage. Assim, o nosso nascimento seria apenas uma referência, mas nunca uma sentença definitiva.

Ao fim da conversa com o JP na cozinha, mesmo após várias explicações sobre as novas tecnologias, eu seguia fixada à imagem ali bem perto de nós, mais precisamente nos quadros pendurados na parede do corredor. Sabiamente, ele constatou que a minha cabeça ainda está lá em 1.500, em Leonardo da Vinci e na sua Monalisa. Mas, quando resolvi provocar e perguntei se não tinha adiantado nada eu ter ido a um rolé de jovem, ele respondeu: "Claro que sim. É uma transição!" Realmente, sábio é quem não se prende a nenhum tempo, mas circula entre as épocas disposto a conhecê-las.