Em primeiro plano, Regina Chiaradia, presidente da Associação de Moradores de Botafogo: protestoSandro Vox

Rio - Uma demolição de memórias, afetos, histórias e pertencimento. É isso o que os moradores de Humaitá e Botafogo, na Zona Sul, enxergam nos tapumes postos ao redor do casarão construído em 1915, na Rua Visconde de Silva. A dona do terreno agora é a empresa SOTER Engenharia. Com a licença concedida pela prefeitura em julho deste ano, a empresa tem planos para o casarão muito diferentes dos sonhados pelos cariocas. Ao longo desta terça-feira (2), líderes das associações de moradores dos bairros e personalidades organizaram um protesto pedindo mais transparência sobre o destino da construção centenária e a participação da população no futuro da obra.
O Casarão, que fica na divisa entre os bairros de Botafogo e Humaitá, abriga o restaurante da franquia À Mineira e, por décadas, foi a casa do restaurante da Maria Thereza Weiss, uma grande crítica de culinária. É pela história de mais de um século e o direito de saber o que acontecerá, que os moradores lutam: "uma placa de demolição suscita muita coisa. Não é porque o bem não tem valor arquitetônico, que ele deixa de ter valor sentimental para o morador", pontuou a presidente da Associação de Moradores de Botafogo Regina Chiaradia.
A associação de moradores de Humaitá também esteve presente em frente à construção. Com um megafone, Luiz Carlos Santos foi defender o que, ainda na segunda-feira (1º), chamou de "bem-estar da população". "Não somos contra a construção de um prédio, desde que ele preserve a identidade histórica do casarão. Ali é uma parte da história do bairro", explicou Luiz Carlos. Também para ele, a afetividade fala alto. "Naquele prédio de 1915, iniciou Maria Thereza com os docinhos que fornecia ao bairro. É de uma preciosidade muito grande para os moradores", lembrou.
Daniel Sampaio, dono da Rio Antigo, perfil com mais de 190 mil seguidores, explicou que a denúncia da demolição nas redes ajudou o protesto a ganhar notoriedade. "Quem está à frente da obra começa a ficar um pouquinho mais cauteloso", disse Daniel, que esteve também na segunda-feira (1º) no bairro para conhecimento do caso. Ele partilha do mesmo sentimento de impotência dos moradores, que não sabem em que pé seguem os planos do novo proprietário.
"Não tivemos acesso nem ao plano do empreendimento. Já falamos com órgãos, como o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), até agora sem resposta, para entendermos porque o Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural (CMPC) autorizou a demolição de uma casa de 107 anos", argumentou o empreendedor, que defendeu: "pode ser um caixote, quadrado e cinza. Os lugares têm memória afetiva e essas estão ligadas à identidade e alma dos bairros cariocas."
Nas redes, diversos famoso se posicionaram contra a demolição. O artista plástico brasileiro Vick Muniz escreveu na postagem da Rio Antigo que "um lindo e genérico cubo de vidro fumê espelhado vai brotar no local". Além dele, a ex-modelo Luma de Oliveira também se posicionou: "estamos ficando sem memórias de uma época em que as construções eram tão lindas e únicas."
Procurada, a prefeitura, por meio da secretaria de Planejamento Urbano, alegou que o imóvel não é tombado ou preservado. Segundo a nota, o IRPH emitiu a autorização, uma vez que Botafogo e Humaitá já foram estudadas para efeitos de proteção e que o imóvel não foi incluído nas Áreas de Proteção ao Ambiente Cultural (Apac). A prefeitura explica ainda que a Apac de Botafogo foi revisada quatro vezes ao longo dos anos – ela foi estabelecida em 2002 – e que o imóvel na Rua Visconde Silva não foi incluído na lista.
Sobre a oportunidade da população ter acesso às obras, a prefeitura disse apenas que "o colegiado é composto por técnicos do município e especialistas externos" e que "as decisões a respeito do patrimônio são discricionárias e limitadas aos membros do conselho".
Já a empresa explicou esclareceu que "os serviços realizados no imóvel situado na Rua Visconde Silva 152, Humaitá, estão devidamente licenciados pelos órgãos competentes."
*Estagiária Beatriz Coutinho sob a supervisão de Flávio Almeida