Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio, realizado pelo Fogo Cruzado em parceria com o Geni-UFFReprodução / Fogo Cruzado

Rio - As milícias ocupam metade das áreas dominadas por grupos armados na Região Metropolitana do Rio.  Uma pesquisa feita pelo Instituto Fogo Cruzado, em parceria com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), mostra um grande aumento das regiões controladas por milicianos nos últimos 16 anos. Até 2008, a organização criminosa ocupava 23,7% dessas áreas sob comando de criminosos.
O Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro mostra que, entre 2006 e 2021, as milícias aumentaram quase cinco vezes o território sob seu domínio - passou de 52,60 km² para 256 km². Com isso, 10% de toda área territorial do Grande Rio está sob domínio dos paramilitares. Em nível de comparação, o município de Niterói corresponde a 133 km², quase a metade da área ocupada pela organização criminosa.
"O primeiro aumento é na metade dos anos 2000, interrompido por volta de 2008. Nos parece que essa interrupção tem a ver com a atuação da CPI das Milícias, que atuou de forma importante em dois pilares de sustentação. Por um lado, a atuação em mercados legais e ilegais, tivemos um enfrentamento ao transporte clandestino. Atuar nas bases econômicas desses grupos é uma estratégia inteligente. Além disso, a CPI enfrentou esses grupos nas relações que eles estabelecem com agentes de Estado", disse o professor de Sociologia Daniel Hirata, coordenador do Geni-UFF.
"O segundo momento de crescimento começa em 2017. Esse é o momento em que as elas mais cresceram. Vemos políticas que basicamente se assentavam sobre operações policiais, há um aumento da violência policial. Sabemos que esse tipo de atuação não é muito eficiente para a sua contenção, temos um contingente grande de pessoas que estão prontas para repor possíveis perdas", completou Hirata.
O professor explica que um conjunto de fatores também favorecem a grande expansão da organização paramilitar, independente da atuação ou não do Estado. Ele cita a disputa entre Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) pelas rotas do tráfico internacional de drogas e a falência do Rio que deixou policiais sem salários.
"Há uma paralisia da segurança pública que levou à intervenção federal, que não foi bem sucedida no enfretamento dos grupos armados. É um conjunto de fatores que favorecem a milícia nesse segundo período de grande expansão", afirmou.
A Região Metropolitana do Rio tem cerca de 2,5 mil km² de área urbana (retiradas a cobertura vegetal, bacias hidrográficas e zonas rurais). Em 2008, grupos armados dominavam 8,7% desse total. Atualmente, o domínio já corresponde a 20% do território, apontando um aumento de mais que o dobro.
A maior parte da expansão das milícias foi para locais que não estavam sob controle territorial. Com isso, o estudo também aponta um crescimento do Comanda Vermelho, principalmente na Baixada Fluminense. O aumento é de 130 km² para 206 km². Dessa maneira, mais de 2 milhões de moradores do Grande Rio vivem nas áreas controladas pela facção. Entretanto, houve uma diminuição percentual quanto às áreas sob comando de grupos armados: de 58,6% para 40,3%.
A fatia da Região Metropolitana dominada por essas organizações criminosas divide-se da seguinte maneira: 49,9% está sob domínio das milícias; 40,3%, sob o Comando Vermelho; 8,9% com o Terceiro Comando Puro (TCP) e 1,1% com a Amigos dos Amigos (ADA).
De acordo com o estudo, isso mostra que esses outros grupos armados perderam parte da influência com o crescimento das milícias, que demonstra potencial de crescimento mais acelerado que os demais. O professor Daniel Hirata afirma que a organização paramilitar concentra o poder no Rio de Janeiro, mas acredita que todas devem ser enfrentadas com a mesma intensidade.
"Não é possível que a gente tenha um estado que funcione sobre a base do mandonismo. Esse é o conjunto do problema e o Mapa dos Grupos Armados está atento a todos os grupos. Todos nos parecem problemas. As milícias se tornaram o grupo hegemônico no Rio e elas apresentam alguns tipos de práticas políticas e econômicas que me parecem mais difíceis de serem enfrentadas com a política de segurança estruturada no Rio. Ou seja, baseada em operações policiais, incursões em favelas... Não são eficientes para atuar contra este grupo", revela.
Questionada sobre o enfrentamento a grupos armados, a Polícia Militar explicou que todas as unidades operacionais da corporação planejam suas ações com base em informações estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP).

"Além de nortear o planejamento para o emprego de recursos humanos e materiais, os números georreferenciados do ISP estabelecem o balizamento do Sistema Integrado de Metas (SIM), com objetivo de reduzir continuamente os indicadores criminais estratégicos, ou seja, aqueles que mais causam impacto na sociedade", afirmou a corporação.
Em nota, a Polícia Civil informou que desconhece a metodologia utilizada para a confecção do estudo. "A atuação da instituição é com base no tripé inteligência, investigação e ação; e em dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP)."
A instituição também afirmou que a "Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) possui a maior Agência Central de Inteligência do ramo da segurança pública estadual do país, onde estão concentrados todos os setores que buscam e produzem conhecimentos para assessorar na tomada de decisões estratégicas e operacionais de combate ao crime".
Em relação às operações específicas de repressão às milícias, logo no início da atual gestão, o Governo do Estado do Rio de Janeiro determinou que a Polícia Civil implementasse uma política voltada ao combate permanente às milícias. A instituição informou que foi criada a Força-Tarefa, que resultou em prejuízo de R$ 2,5 bilhões para os milicianos, além de cerca de 1.300 presos e na morte de Wellington da Silva Braga, o 'Ecko', chefe do maior grupo paramilitar do território fluminense. Entre os presos estão Edmilson Gomes Menezes, o "Macaquinho", o braço armado das milícias; e o criminoso 'Latrell', conhecido por ser "o senhor das guerras".
Vinte e oito milicianos morreram ao atacarem a tiros os policiais durante ações da Força-Tarefa, segundo a Polícia Civil. Entre eles estava o líder da milícia de Itaguaí, o ex-PM Carlos Eduardo Benevides Gomes, o Cabo Benê, morto quando um comboio de criminosos foi interceptado, em Itaguaí, na Baixada Fluminense; Delson Lima Neto, o 'Delsinho', irmão de Danilo Dias Lima, o 'Tandera', e Renato Alves Santana, o 'Fofo'.
Divisão por região
A Baixada Fluminense concentra a maior fatia das conquistas pelo Comando Vermelho. É também onde o Terceiro Comando Puro tem apresentado maior crescimento territorial. Em 2021, a área da Baixada dominada por esses grupos se divide em: 39,7% sob domínio do CV; 48.6%, sob as milícias; 10.9% com o Terceiro Comando Puro.

O Leste Metropolitano, formado por municípios como Niterói e São Gonçalo, apresenta uma clara hegemonia de uma única facção. Ao longo de todo o período, o Comando Vermelho é prevalente. No início da série histórica, o CV dominava uma área 3 vezes maior do que os demais grupos somados. Essa diferença aumentou e atualmente o domínio do CV é 7 vezes maior do que a soma de todos os outros grupos. O Leste Metropolitano, no que diz respeito às áreas dominadas, está assim dividido entre os grupos armados: 88.2% dominado pelo CV; 9.1%, está sob as milícias; 2.6% com o Terceiro Comando Puro.

Na capital, as milícias assumiram a primeira posição como maior grupo armado. Elas controlam 74,2% das áreas ocupadas por grupos armados no município. 29,8% da cidade é dominada por algum grupo armado. Três em cada quatro áreas controladas por criminosos no Rio estão sob o domínio da milícia.

A hegemonia das milícias na capital concentra-se quase que exclusivamente na Zona Oeste. A Zona Norte aparece em segundo lugar. Por sua vez, na Zona Sul e no Centro, as áreas dominadas são muito pouco expressivas e tendem a zero.