No mês de Outubro é comemorado durante o mês inteiro, a festa de Nossa Senhora da Penha, na Igreja da Penha. Pedro Ivo/ Agência O Dia

Rio - Foi em um temeroso encontro com uma serpente que o milagre aconteceu e deu início a história da Igreja da Penha, na Zona Norte do Rio. Ao pedir para ser salvo do alto do morro, o capitão Baltazar de Abreu Cardoso, em 1635, clamou pela ajuda de Nossa Senhora, que mandou um lagarto para brigar com a serpente. Em reconhecimento, ele ergueu uma igreja sobre uma grande pedra, que atraiu a atenção de familiares e amigos. Todos naquela época queriam conhecer a ermida de Nossa Senhora da Penha. Foi então que nasceu a festa da Igreja da Penha, que acontece há 387 anos, de forma ininterrupta, sendo por dois anos reduzida de tamanho, por causa da covid-19, e esse ano está de volta ao normal.

"A importância da festa da Penha para a igreja e para o povo, se dá por aquilo que se congrega, as diversas pessoas que vêm, não somente da capital do Rio, mas de outros lugares", diz o padre Thiago Sardinha de Jesus, reitor do Santuário Basílica de Nossa Senhora da Penha de França. "A força do local, onde aconteceu o milagre da Nossa Senhora da Penha com Baltazar, em 1635, é um local onde a natureza tem uma visão estupenda da cidade, sobretudo na região da Zona Norte", completa.

De acordo com o padre, a festa é feita aos domingos de outubro, e no feriado do Dia das Crianças, começando às 6h e indo até as 20h. Essa comemoração segue a tradição mariana do local. "A festa da Penha acontece em outubro, mas o dia dela mesmo é dia 8 de setembro. Ela começa com as missas, lá em cima do altar, onde o capitão Baltazar teve sua história de livramento com a cobra", comenta Thiago. "Até hoje, muitas pessoas vêm pagar promessas, sobe as famosas escadas, com 382 degraus, e agradecem. Na festa, temos o terço dos homens e das mulheres, grupos de pagode, grupos de samba, como Portela e Imperatriz, folclores brasileiros e portugueses", acrescentou. O padre também acrescenta que, para este ano, um novo estilo musical irá se apresentar: o jazz e a bossa nova.

Todo primeiro domingo de outubro, às 10h, para dar início à festa, acontece a apresentação do novo manto, doado pelas 12 damas da Nossa Senhora da Penha. Na cerimônia de encerramento, há o cortejo da subida da imagem pela famosa escadaria até a igreja. "A imagem chega até o topo com a queima de fogos no último domingo de outubro. Após isso, ela entra com os fiéis em silêncio e o padre retira o manto da imagem. Cada fiel volta para casa com o passar do mando sobre si, no silêncio orante", conclui o religioso. Ele também conta que em 387 anos de história a festa nunca foi interrompida, nem mesmo com a pandemia. "Em 2020 fizemos a festa em um único dia, em um domingo, na catedral. Mesmo que não tenhamos feito ela como de costume, não deixamos de comemorar Nossa Senhora da Penha. Esse ano sim, a festa voltará ao normal, com espírito de esperança, dias melhores, pela força do bem comum através da vacina, ciência e fé."

Moradora da Vila Cruzeiro, na Penha, Rafaela Nacir de Jesus, de 30 anos, nunca foi à festa, mas esse ano espera poder conhecer de perto. "Eu vou na igreja da Penha mais para visitar, tirar umas fotos, agradecer. Nunca fui a uma festa lá, mas já vi muitas fotos bonitas. Parece ser lindo, tenho muita vontade de conhecer, quem sabe esse ano?", diz.

Para Márcia Faria, ter tido a oportunidade de vivenciar e visitar o santuário de Nossa Senhora da Penha, foi muito gratificante em sua vida. "Eu sempre vivi nessa região e desde criança frequentei missas e comemorações da basílica. A igreja faz parte da história e da cultura da nossa cidade", afirma. Ela, que atualmente está morando em João Pessoa, no nordeste, veio visitar este mês a igreja e aproveitou para levar seu filho para conhecer. "Venho aqui visitar e agradecer a Nossa Senhora da Penha por toda proteção e cuidado conosco. Esse local faz parte da história da nossa família. Retornar a esse local é retornar às nossas raízes. Nosso filho está conhecendo parte de onde tudo começou."

A festa

De acordo com o guia turístico Vilson Luiz, de 42 anos, idealizador do projeto INpenhado, que faz caminhadas pelo bairro para falar sobre sua história, a Festa da Penha servia, antigamente, para que colonos e moradores de fazendas festejassem o resultado das plantações. "Com isso, vinham pessoas conhecer a história do milagre de Baltazar também. Antigamente, aqui não tinha casas, então essas pessoas acampavam nessa área verde, onde a festa acontecia", contou Vilson. "Os portugueses e os escravos participavam dessa festa e tinha muita briga entre eles. Então era uma coisa religiosa e secular, no geral, uma comemoração", completa.

A Festa da Penha já serviu de palco para que grandes compositores mostrassem suas músicas. "As escolas de samba vinham apresentar seu samba, testar ele, na festa. Se o samba fosse fácil de cantar e se as pessoas gostassem, lançava-se o samba para tocar no carnaval. Ou seja, essa é a segunda maior festa do Rio, ficando atrás apenas do Carnaval", conta Vilson.

Como na época ainda não existia o rádio, em 1916, o primeiro samba de sucesso da história foi lançado na igreja da Penha, segundo Vilson. "A Festa da Penha, antes do rádio, que só foi lançado em 1920, sempre foi importante para os grandes cantores, como Pixinguinha e Donga, entre outros. Eles iam na Festa da Penha justamente para lançar seus sambas", finaliza.

Para Vilson, a festa não é apenas importante para o turismo da cidade, ou religião, mas, também, para a urbanização da região.
"A Festa da Penha ajudou a desenvolver a região, se tornou uma tradição de cooperação, associação e solidariedade. Era uma festa de muita importância na capital do Império, capital do Brasil pós-independência, como festa de quermesse que fazia muitas pessoas se deslocarem, como hoje para ir à Festa de Senhora da Aparecida, em São Paulo", analisa a especialista em História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro fundadora do Instituto Histórico Geográfico da Baixada de Irajá (IHGBI), Karen Barros.
Com esse movimento de romaria, o local se torna atrativo e é algo que movimenta o comércio local, a cultura, as sociabilidades suburbanas, segundo Karen. "Era muito importante a conexão da Festa com a região e seu entorno. Com isso, ao redor da Igreja da Penha também conta com um histórico de intensa ocupação", completa. 
História

Até sua atual configuração, cerca de três capelas foram o esboço da igreja Nossa Senhora da Penha. "Diz a lenda a respeito da fundação da ermida que um caçador percorreu as matas de Irajá e foi perseguido por uma cobra. Aterrorizado, procurou fugir implorando auxílio para Nossa Senhora da Penha. O caçador conseguiu fugir e escapar da morte", explica Karen.

Ainda de acordo com a historiadora, em 1728 foi organizada a irmandade de Nossa Senhora da Penha da França e, em novembro de 1819, realizou-se sua festividade do círio com a autorização de Dom João VI. "Ele, inclusive, visitou a festa em agradecimento a Nossa Senha pela fuga dele com a família real de Portugal para o Brasil devido invasões francesas", acrescenta.

Em 1870, a capela passou por grande melhoramento e obras, terminando em 1872, data em que foi transladada a imagem de Nossa Senhora para o corpo principal do templo. "A escadaria viria mais tarde, após uma devota alcançar a graça de uma gravidez e cumprir a promessa da construção da escada esculpida na pedra", completa.

Turismo

Além da tradicional Festa da Penha, os moradores contam também com uma atração que chama principalmente crianças: um parque de diversão aos pés do santuário, Parque Shanghai, um passeio tradicional na Zona Norte.

O parque de diversões, que tem montanha-russa, carrosséis, trem fantasma, autopista, roda-gigante, entre outros, foi fundado em 1919 e foi considerado um dos primeiros parques temáticos do Brasil. 
"O famoso parque de diversões Shangai voltou a ser bastante frequentado nos anos 2000, e continua atraindo as crianças com seus brinquedos temáticos e enche de adultos se divertindo também", diz Karen. "Sobre desenvolvimento local, discute-se a existência de uma rede de solidariedade que transformariam as celebrações à padroeira Nossa Senhora da Penha em um acontecimento, em torno do qual se organizavam diversos comércios. O samba criava vínculos e aproximava pessoas", completa ela.