Leandro Xavier, motorista de aplicativo, já entrou em lugares que não conhecia por causa de rota de GPSMarcos Porto / Agência O DIA

Rio - Um dia comum se tornou um pesadelo. Ao ser chamado para uma corrida, o motorista de aplicativo Leandro Xavier, de 45 anos, seguiu um endereço sugerido no GPS, que acabou o levando para uma rua desconhecida, dentro de uma comunidade. Ele foi parado por homens armados, que os tiraram do carro e os revistaram. Para evitar esse tipo de risco, o Sindicato dos Motoristas e Entregadores por Aplicativos (SindMobi), em parceria com aplicativos de corrida e a Polícia Militar, criou um projeto, em ação desde maio, com o objetivo de ajudar motoristas e passageiros a acionar a polícia em situação de perigo. De acordo com a corporação militar, de maio a setembro deste ano foram registrados 114 acionamentos de veículos - dentre esse número, cinco efetivamente foram tipificados como crime. 
Leandro foi chamado para buscar dois passageiros no Riocentro, Zona Oeste do Rio, e levá-los ao Méier, Zona Norte. Por não conhecer direito a região, colocou o endereço no GPS e seguiu a rota sugerida. Ao perceber que havia entrado em comunidade, baixou os vidros do carro para tentar se identificar, mas foi parado por homens armados. Segundo ele, nada aconteceu de grave, mas já teve amigos que chegaram a ser sequestrados, mortos e até mesmo desaparecidos nesses casos.
"Ser jogado pelo GPS para lugares que eu não conhecia já aconteceu umas duas vezes. Uma foi perigosa, na outra consegui sair melhor", disse Leandro, morador de Niterói e motorista há oito anos. "Da vez que foi perigosa, eu sabia que ia dar ruim. Fui andando devagar e vi uma barricada, com dois caras armados, apontando para mim. Pediram para eu sair do carro e eu expliquei que o GPS me mandou ir por ali, eu não conhecia, falei que era trabalhador e eles começaram a gritar", completou. "Colocaram a gente na parede com a arma apontada para a minha cabeça, abriram a mala do carro, vasculharam a minha carteira e, o tempo todo, eu pedia para eles se acalmarem" lembra Leandro.

Ainda segundo ele, os rapazes que o abordaram estavam muito nervosos e perguntavam se "eles estavam malucos". "Eu falei que não, que não conhecia a localidade. As pessoas começaram a correr, foi muito pesado esse dia. No fim, eles me deixaram passar e não levaram nada meu. Até meu celular eles verificaram. Fomos embora e quando saí dali fiquei muito nervoso, um medo surreal. Os passageiros choraram muito", acrescentou.

Agora, depois dos acontecimentos, Leandro redobrou a atenção e criou até uma tática de defesa caso tenha uma emergência. "Eu estou muito escaldado, o GPS não melhorou nada. Por isso, criamos um grupo com quase cinco mil motoristas. A gente procura um cuidar do outro, avisando e informando o que está acontecendo, vendo se alguém precisa de ajuda ou não", afirmou.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Motoristas e Entregadores por Aplicativos (SindMobi), Luiz Corrêa, há diversos grupos de WhatsApp no Rio para ter contato direto com os motoristas e, esse é um dos assuntos mais recorrentes que são relatados. "O GPS joga para dentro de qualquer lugar para cortar caminho, seja comunidade ou território dominado por tráfico e milícia. Está tudo tomado, literalmente. Estamos sem segurança alguma", afirma.

Segundo Luiz, a grande maioria dos motoristas que se cadastra na plataforma não conhece todos os bairros e municípios, mas, por causa do valor ser mais alto, acabam pegando essas corridas.
"É aí que eles são surpreendidos. Entram em um local que parece estar tudo bem, mas acabam tendo dor de cabeça. As vezes você pega o passageiro e ele não diz para onde é direito para não ter problema. Ao sair do carro, na volta, o motorista sozinho acaba, muita das vezes, sendo abordado", explica. 

Luiz disse que, para evitar acidentes e descuidos, o sindicato fez um projeto de segurança, em parceria com as plataformas de corrida e com a Polícia Militar, que começou a valer em junho deste ano. É um 'botão de pânico' dentro do aplicativo, tanto para o motorista quanto para o passageiro, caso se sintam ameaçados ou em perigo.
"Acreditamos que é muito importante a participação da segurança pública com a gente. Nesse projeto, caso alguém se sinta em perigo, ele aciona o botão na tela do aplicativo e a polícia vai monitorar em tempo real", explica. Ao ser chamada, os policiais verão os dados do motorista que está no carro, assim como a localização em tempo real, podendo até abrir o áudio do celular na hora para ver o que está acontecendo, se é uma tentativa de assalto, por exemplo. 

A Polícia Militar informou, por meio de nota, que essa parceria está em operação na capital e em outros 22 municípios. Desde a primeira semana de outubro, passaram a integrar o sistema mais nove municípios: São Gonçalo, Niterói, Maricá, Itaboraí, Tanguá, Rio Bonito, Silva Jardim, Cachoeiras de Macacu e Teresópolis. Segundo a corporação, o aplicativo é integrado com o Centro de Controle Operacional da Polícia Militar (Cecopom), responsável pelo Serviço 190, possibilitando o acionamento emergencial de viaturas da PM. “Com a nova ferramenta, toda vez que um usuário ou motorista parceiro usar o botão para acionar o Cecopom da PM por meio do aplicativo, os operadores do serviço de emergência vão automaticamente receber a localização em tempo real e os dados da viagem em que foi originada a chamada”, disse parte do comunicado.

“Já tivemos muitos casos de motoristas alvejados, mortos e desaparecidos também. Esse projeto começou na Baixada Fluminense e já foi para o município do Rio”, garante Luiz. “A ideia é que até o final do ano ele alcance o estado todo. Acredito que a ferramenta vai auxiliar muito a população” disse. Segundo dados levantados pelo sindicato, atualmente, existem cerca de 300 mil motoristas de aplicativo no estado, sendo 100 mil só na cidade do Rio.

Mas, não são só os motoristas que estão suscetíveis a esse tipo de acontecimento. Moradores e turistas também acabam passando por situações perigosas por não conhecerem o percurso e confiarem no GPS. Um morador de São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, Luís Lima de 51 anos, errou a entrada na Linha Amarela e o GPS redirecionou sua rota, levando-o para dentro do Complexo da Maré, Zona Norte do Rio. “O trajeto me jogou por dentro da comunidade e eu não sabia. O GPS acaba fazendo o caminho mais rápido, não importa por onde seja“, afirmou. “Em Niterói, por exemplo, quando tudo está muito congestionado, ele faz a rota pelas regiões mais tensas de lá. O ideal é conhecer o local e para onde vai, porque se o aplicativo te mandar ir por alguma rua suspeita ou que você não tenha conhecimento, poderá optar por um trajeto mais longo porém mais seguro“, conclui Luís.

Questionado, o aplicativo de GPS, Waze, declarou que desde 2016 está disponível no Rio um recurso que alerta os motoristas no momento em que eles entram em determinadas áreas da cidade que apresentam maior risco de criminalidade. O Waze acrescentou ainda que não determina o que é seguro ou perigoso, mas, baseado em informações públicas disponíveis, é possível sinalizar essas áreas na cidade para os motoristas.

Projetos

Além de alertar seus usuários sobre áreas de risco no Rio, o Waze ainda informou que possui o programa Waze for Cities, um serviço gratuito que consiste na troca de dados anônimos direcionados a vários parceiros do setor público ou que trabalham em setores de serviços públicos de empresas de transporte, a setores da mídia e gestão municipal. O objetivo, segundo eles, é criar e oferecer soluções eficientes para trazer mais segurança e melhorar a realidade do trânsito.
 
Relembre casos
Dois turistas italianos foram baleados este mês após entrarem por engano no Complexo da Maré, em uma madrugada. De acordo com a Polícia Militar, as vítimas estavam na Avenida Brasil e acessaram a comunidade através do aparelho GPS. Outras três pessoas também estavam no veículo no momento dos disparos, mas não foram atingidas.
O caso foi registrado inicialmente na 37ª DP (Ilha do Governador) e encaminhado para a Delegacia de Atendimento ao Turista (Deat). Em depoimento, um dos passageiros do veículo informou que o ataque dos criminosos aconteceu por volta das 4h30, e que o grupo estava saindo de uma festa na Marina da Glória, no Aterro do Flamengo. Ao sair do evento, eles foram abastecer o veículo, um Tiggo 3x Pro, na Linha Amarela, mas ao deixar o posto de gasolina, o GPS levou os cinco para dentro da comunidade, onde o carro foi alvejado. 
Em 2016, Paulo dos Santos, 66, dirigia pela Zona Oeste do Rio de Janeiro, no último domingo (11), quando errou o caminho e acabou acessando a rua Belisário de Souza, um das principais vias da favela Vila Vintém. Ao observarem a movimentação do veículo, traficantes de drogas dispararam e atingiram o motorista, que morreu no hospital. 
Em 2015, O casal Regina e Francisco, 69, seguia para uma festa em Niterói, Região Metropolitana do Rio, mas errou o caminho. Eles se guiavam por informações do aplicativo Waze e acabaram entrando numa comunidade, onde foram recebidos a tiros por um grupo armado com fuzis. Regina foi baleada e morreu no hospital.