Músico Jerônimo Rufino, 39 anosReprodução

Rio - O músico Jerônimo Rufino dos Santos Júnior, de 39 anos, morreu no último sábado (5), após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC) no dia 31 de outubro, quando fez aniversário, e ficar internado no Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, Zona Norte do Rio. Ele era filho de santo da líder religiosa Iya Paula de Odé, que alega ter sido impedida de entrar na unidade para fazer um ritual no paciente, na última quarta-feira (2). Iya Paula de Odé afirma ter sido vítima de intolerância religiosa.
Jerônimo, também conhecido como Odé Gbe Mi, foi sepultado no domingo (6), no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju. Flamenguista, ele foi homenageado pela charanga do time do coração, a qual fazia parte. A cerimônia também contou com cânticos e rituais religiosos. O músico deixou um filho de 17 anos e uma esposa. Eles eram casados há 20 anos.
Ao DIA, a mãe de santo Ana Paula Santana de Souza, conhecida como Iya Paula de Odé, contou que o homem estava comemorando seu aniversário em um bar, quando começou a passar mal. No mesmo dia, ele enviou uma mensagem para a mãe de santo, agradecendo pelo carinho e pelo cuidado que a mulher tinha com ele.
"Você e o baba mudaram a minha vida. Mudaram o meu modo de ver orixá, de ver a religião e o modo de amar as pessoas. Me desculpa se cometo alguns erros. Eu juro que o meu coração é amor puro. Felicidade de ter você e o baba na minha vida. Não tenho mãe fisicamente e nem pai, mas eu agradeço aos orixás por ter a senhora. Todos os puxões de orelha eu entendo e admiro a senhora. Te amo", disse Jerônimo.
Iyá Paula de Odé soube no mesmo dia que Jerônimo havia sofrido um AVC e tinha sido levado para o Hospital Estadual Carlos Chagas. Ela foi até a unidade na terça-feira (1) junto com a esposa do músico e recebeu a informação que o homem estava lúcido.
Contudo, a mãe de santo viu em um jogo de búzios que o seu filho ia piorar. Por isso, na quarta-feira (2), ela foi até a unidade para fazer um Ebó, ritual do candomblé que consiste em passar um pano no corpo de outra pessoa para troca de energia. No entanto, a mulher alega ter sido impedida pela direção do hospital de entrar na unidade e fazer o ritual religioso. Ela acusa o diretor do hospital de intolerância religiosa.
"Eu fui pro jogo e vi que ele ia piorar. Falei que ia passar um pano nele e eles não deixaram. Falaram que eu não podia entrar por causa de um processo. Não deixaram eu entrar no pátio do hospital. Eu estou reclamando desse bom senso dos hospitais que decidem quem entra e quem sai. Pastor e padre entram. Isso está errado", contou a mãe de santo.
De acordo com Ana Paula, a direção do hospital chamou a Polícia Militar para evitar uma confusão. Já a líder religiosa acionou a Comissão de Combate à Discriminação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Segundo o deputado estadual Carlos Minc (PSB), presidente da comissão, foi orientado que a mulher registrasse o caso na 30ª DP (Marechal Hermes).
"Quando uma pessoa católica está no leito da morte, a extrema-unção é dada por um padre, seja a hora que for. Então, ela foi impedida e foi intolerância religiosa sim", publicou em uma rede social.
A reportagem questionou o deputado sobre o assunto. Segundo Minc, o secretário municipal e o estadual de saúde, Daniel Soranz e Alexandre Chieppe, respectivamente, foram convocados para uma reunião para debater as normas dos hospitais do Rio. Em relação ao Carlos Chagas, o deputado informou que comunicou o Ministério Público do Rio (MPRJ) e a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) para convocar o diretor da unidade para depor.
"Uma tristeza. Ele acabou privado do atendimento religioso na última hora, na hora da passagem dele. Se fosse uma extrema-unção de um padre ou um correspondente a essa função de um pastor evangélico, certamente não seria barrado. A gente quer essa reunião urgente com os secretários e essa norma abrangendo todas as religiões, sem exceção, para que casos como esse de intolerância religiosa clara, explícita, detestável, não se repitam", contou Minc.
De acordo com a lei 9.982 de 2000, os religiosos podem acessar aos hospitais da rede pública e privada para dar atendimento aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares. A lei também prevê que os líderes religiosos devem acatar as determinações legais de cada unidade para não pôr em risco os pacientes ou a segurança do ambiente. Iyá Paula de Odé tem ciência da lei e informou que só queria fazer o ritual em seu filho. 
"Seria uma representação dele para pegar energia do corpo dele. A nossa religião é feita de ritualismo. Ele era alegria da minha casa. Ele era um músico incrível. Ele deixou um rastro de amor no caminho e é nesse rastro de amor que eu vou lutar contra esse desamor. A luta não vai parar", explicou a mãe de santo.
O que diz o hospital?
Questionada, a Secretaria de Estado de Saúde informou que a unidade do hospital possui conhecimento da lei e tem como base o artigo 2º citando que os líderes religiosos devem acatar as determinações legais e as normas internas de cada instituição hospitalar.
A SES complementou que a visita precisa ser autorizada pela família ou pelo paciente e que, na noite de quarta-feira (2), a mãe de santo não estava acompanhada por familiares. A Secretaria ressaltou que o horário de visita na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde Jerônimo estava internado, é às 13h. 
"O chefe da equipe médica informou os termos da legislação à representante religiosa e solicitou que ela retornasse à unidade na manhã do dia 3, para conversar com a direção e acertar os detalhes da visita de acordo com a lei. No entanto, isso não ocorreu", diz a nota.

O órgão completou que a direção da unidade está a disposição das autoridades para prestar esclarecimentos. Segundo a Polícia Civil, os responsáveis do hospital foram chamados para prestar depoimento na 30ª DP (Marechal Hermes) e a investigação segue em andamento.