Ex-deputada Flordelis em julgamento no Tribunal do Júri, em Niterói, na Região Metropolitana do RioBrunno Dantas/TJRJ

Rio - A terceira testemunha a depor nesta quarta-feira (9) durante o julgamento de Flordelis, pela morte do pastor Anderson do Carmo, foi a filha adotiva do casal Dayane Freires, que trabalhava como tesoureira na igreja da ex-deputada. Ela falou sobre a relação da família e citou uma situação de abuso sexual que supostamente teria sido cometida pelo pastor contra Kelly, outra filha adotiva da ex-parlamentar. O depoimento ocorreu por videoconferência, pois Dayane alegou questão emocional para não prestá-lo presencialmente. 
Segundo Dayane, Kelly já havia comentado sobre a situação, mas as irmãs não acreditavam, até que um dia presenciaram. "Ela (Kelly) falou que o pastor procurava ela no nosso quarto. Achamos que era mentira. Numa certa noite, ela falou: 'Fiquem acordadas, que vocês vão ver que eu não estou mentindo'. De fato, uma noite ele entrou no nosso quarto e alisou minha irmã, a gente morava em Piratininga. No dia seguinte, quando amanheceu, a gente perguntou: 'Por que você não conta para a mãe? Fala para ela, porque se ela descobrir vai falar que você está dando em cima'. Aí ela falou: 'Day, eu conversei com a mãe, e ela pegou a bíblia e me mostrou que se a mulher está ciente de que o marido está procurando outra, não é pecado'. Depois disso que a gente se fechou", relatou.
Além de Flordelis, também estão sendo julgados Simone Santos, filha biológica; Rayane dos Santos Oliveira, neta da pastora; e Marzy Teixeira da Silva e André Luiz de Oliveira, filhos adotivos. Ainda em depoimento, Dayane contou que chegou na casa da família com 4 anos e ficou na residência até 2017, quando se casou. Em depoimento, ela relatou a relação da família reafirmando que havia sim um tratamento diferente entre os filhos biológicos e os filhos afetivos de Flordelis.

"O tratamento era diferente no sentido de quarto e de comida. Os filhos biológicos dela comiam junto com ela e nós, os demais, comíamos diferente. Se para a gente era frango, para eles era batata frita com bife", disse.

A filha afetiva contou ainda que se sentiu usada após a morte do pastor. "Eu não tinha essa noção até a morte do meu pai. Quando tudo aconteceu e veio à tona, me senti meio usada. Se você prega o amor, como que você mata alguém?", indagou.


Dayane também lembra que Simone era a filha preferida de Flordelis e que o tratamento com ela era especial. "Eu nunca tive o amor da minha mãe, como a Simone teve. Depois que casei, percebi que o que eu tinha por ela não era recíproco", relatou.

Sobre as discussões entre Flordelis e Anderson, Dayane conta que muitas vezes as questões que motivaram as brigas eram financeiras. "A gente via brigas que começavam dentro do quarto deles e que terminavam na cozinha. Ela questionava questões de dinheiro Nisso, os meninos mais velhos falavam que ela era a galinha dos ovos de ouro", contou.

Dayane se emocionou ao lembrar do dia em que voltou a trabalhar na igreja. Na fala, ela relembra da conversa com André, que foi quem pediu seu retorno às funções de tesoureira.

"Em conversa com o André eu cheguei a dizer que conseguiria ficar mais do lado dela (Flordelis) se tudo isso fosse confirmado, mas ele disse: 'Mesmo se minha mãe estiver envolvida, vou continuar com ela até o final'. O que eu estou tentando dizer para vocês é que eu não sou ingrata, eu tenho muito carinho por ela, então não consigo fingir que nada aconteceu. Não é ingratidão falar a verdade. Desde o início, foi o que ela me ensinou, ser verdadeira, ser honesta. Tudo é uma decepção muito grande", disse Dayane.

"Você (André) e Luan (Alexsander) sempre cuidaram de mim, mas eu não consigo continuar com vocês se vocês estiverem envolvidos nisso. Então cortei relação com eles", contou.O depoimento de Dayane continua por volta até as 17h50. A expectativa é que outras testemunhas de acusação e mais 13 de defesa ainda prestem depoimento ao longo dos próximos dias.
Em relação aos suspostos abusos cometidos pelo pastor Anderson do Carmo, a defesa vem contestando essa versão desde o início do primeiro dia de julgamento que ocorreu nesta segunda (9). "A opinião pública sabe de tudo o que ocorreu. Ela teve cinco oportunidades e não falou (...) Ela nunca narrou isso, muito pelo contrário, ela sempre vangloriou o Anderson, que era ‘o meu tudo’, o Deus dela. É uma estratégia sorrateira, porque a prova do processo contradiz tudo o que está nesse vídeo", declarou o advogado Ângelo Máximo.
Durante os depoimentos desta quarta (9) Flordelis se manteve, a maior parte do tempo, de cabeça baixa e com a mão na boca. Estiveram no Fórum, a mãe da pastora Calmozina Motta e o namorado Allan Soares, com quem assumiu o namoro em junho de 2021, semana antes de ser presa, ele é 25 anos mais jovem que a ex-deputada.
Acusações
Flordelis é acusada de ser a mandante do crime e poderá responder por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima), tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada.

Já a filha biológica, Simone dos Santos Rodrigues, e os filhos adotivos Marzy Teixeira da Silva e André Luiz de Oliveira poderão responder por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa armada. Enquanto, a neta Rayane dos Santos Oliveira, por homicídio triplamente qualificado e associação criminosa armada.

Outros depoimentos.

Antes de Dayane, depuseram nesta quarta-feira (9) Daniel dos Santos de Souza, filho adotivo de Flordelis, que também optou por depor por videoconferência, Luana Vedovi Rangel Pimenta, nora de Flordelis e casada com Wagner Pimenta, também conhecido como Misael, filho adotivo da pastora.

Na terça-feira (8), durante segundo dia de oitivas, prestaram depoimento o inspetor da DHNSGI, Tiago Vaz de Souza, que atuou nas investigações quando o delegado Allan Duarte assumiu o caso, e os filhos adotivos Alexsander Felipe Matos Mendes, o Luan, e Wagner Pimenta, batizado por ela como Misael.

Já durante o primeiro dia de julgamento, nesta segunda-feira (7), foram ouvidos a delegada Bárbara Lomba, que iniciou as investigações quando era titular da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG), o delegado Allan Duarte, responsável pela conclusão do inquérito e Regiane Ramos Cupti Rabello, chefe de Lucas dos Santos de Souza, um dos filhos adotivos da pastora, já condenado por participação no crime.