'Não vou virar estatística', afirmou a jovem Nycolle Nycolle Dellveck
Adolescente que atirou em rosto de mulher trans é apreendido
Pai do menor, que também participou do crime, está foragido. Vítima sobreviveu
Rio – Policiais da 76ª DP (Niterói) apreenderam, nesta segunda-feira (28), o adolescente de 17 anos que, junto com o pai, Marciano da Silva Marques, ofendeu e atirou contra o rosto de Nycolle Dellveck, de 26 anos, na última quarta-feira (23), em Niterói, Região Metropolitana. A Civil revelou que a motivação do crime foi transfobia e intolerância religiosa, já que Nycolle é uma mulher transexual e umbandista.
De acordo com a corporação, o adolescente e seu pai, que está foragido, abordaram uma mulher trans, no Centro de Niterói. Marciano então teria efetuado disparos contra o rosto da vítima, que no momento realizava um trabalho religioso próximo a um ponto de mototáxi.
Após o crime, o autor dos disparos teria novamente entrado em contato com a vítima, enviando mensagens com conteúdo ofensivo à sua honra e com viés de intolerância à sua identidade de gênero. Nycolle foi levada para o Hospital Estadual Azevedo Lima na quarta-feira e recebeu alta no mesmo dia. A jovem, porém, segue com a bala alojada no rosto.
O adolescente foi encontrado em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ele responderá por crime análogo a tentativa de homicídio, racismo e injúria por preconceito. O menor havia sido apreendido no ano passado pela prática de ato infracional análogo aos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
Já contra o pai do menor apreendido constam anotações por crime de roubo, difamação, ameaça e violência doméstica. Ele também tem duas passagens pelo sistema prisional.
Mesmo aliviada pela apreensão do menor, Nycolle confessa que ainda não se sente totalmente segura, já que Marciano ainda está foragido. "Não consigo sair para a rua. Estou com medo até de ficar dentro de casa, porque ele é o maior problema. Foi ele quem atirou contra o meu rosto, foi ele quem atentou contra a minha vida. Não consigo trabalhar, fazer nada. Estou com meu psicológico muito abalado. Minha vida está parada", explicou, ainda muito abalada.
"Não consigo entender tamanha crueldade do ser humano a ponto de querer dar um tiro na cara da pessoa por a gente querer ser o que a gente é. Temos o livre arbítrio para termos nossa orientação sexual, nossa religião", desabafou. Apesar do medo, a força da jovem fala mais alto. A Justiça é seu motor principal: "Resolvi expor porque não vou ser mais uma de muitas. Não vou virar estatística. Eu tenho família, tenho amigos. E o que ele fez comigo, ele vai pagar", reforçou.
A presidente de Direitos Humanos da OAB de Niterói, Andrea Kraemer, está prestando assistência à vítima. A Coordenadoria de Defesa dos Direitos Difusos e Enfrentamento à Intolerância Religiosa (Codir), da Prefeitura de Niterói, também está acompanhando o caso. O subsecretário Felipe Carvalho, responsável pela pasta LGBTQIA+, vê na apreensão do menor uma mensagem para as pessoas preconceituosas.
"A nossa perspectiva é de que isso transfira para a população de Niterói, para as pessoas preconceituosas, que chegam às vias de fato de agredir uma pessoa LGBTQIA+, de agredir uma pessoa de religiões de matriz africana, que aqui em Niterói a gente vai até as últimas consequências para que as pessoas sejam responsabilizadas", afirmou, reforçando a necessidade de continuar protegendo tanto a Nycolle, quanto as testemunhas do caso.
Felipe também parabenizou o trabalho dos policiais e agora aguarda, esperançoso, pela conclusão das investigações. "Nós vamos seguir acompanhando e sobretudo protegendo não só Nycolle, mas também as outras populações, porque o caso da Nycolle não só a expôs, mas expos também outras meninas que ficam pelo Centro, não só que trabalham, mas que também frequentam", disse.
Relembre o caso
Nycolle relatou que o adolescente se recusou a levar sua amiga na moto: "Ele se recusou a levar minha amiga na moto porque minha amiga era trans. Ele falou que não levaria 'v...' na moto. Foi quando começou a confusão".
No dia seguinte, o pai do agressor buscou por ela. Entretanto, eles se encontraram apenas na segunda-feira, quando Nycolle trabalhava próximo à praça. Os dois suspeitos apareceram de moto e, após um diálogo sobre religião, o pai atirou contra ela.
"A gente já se conhecia. Ele me mandou mensagem no domingo e eu 'catei' a maldade dele. Quando foi na segunda-feira, eu desci para trabalhar. Ele me encontrou e disse: 'a gente tem que desenrolar essa discussão'. Eu falei que ia acender um cigarro na encruzilhada", disse .
O atirador, então, teria perguntado: "Então você gosta de macumba? Está bem protegida?". Umbandista, Nycolle respondeu que sim.
"Ele deu uma volta, foi lá no ponto de mototáxi e colocou o filho dele para pilotar a moto. Ele veio na garupa. Eu estava acendendo o cigarro, ele parou na minha frente, levantou a arma e disse: 'Você gosta de fazer macumba'. Eu levantei a cabeça e ele deu um tiro. Eu consegui levantar e correr. Nessa hora, ele tentou dar outro tiro. O filho dele falou 'a outra está ali'. Ele quis ir em cima da minha amiga para dar um tiro nela. Eu comecei a gritar, o pessoal da praça começou a gritar. Foi quando eles deram fuga", concluiu.
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