Arte coluna Nuno 19 dezembroArte Paulo Márcio

O calendário avança, as eleições estão cada dia mais próximas e o que não falta na praça são argumentos que pretendem dar como resolvida desde já uma disputa que só acontecerá daqui a mais ou menos dez meses. Acontece que nada está decidido — e nem estará até meados do ano que vem. Embora ninguém possa excluir os nomes do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente Jair Bolsonaro — que encabeçam as pesquisas — da lista de favoritos na corrida pelo Planalto, ainda há muito vento para mover o moinho eleitoral antes que uma escolha definitiva seja feita.
Dependendo da direção da ventania, tudo o que parece sólido neste momento pode ir por água abaixo de uma hora para outra. Se isso acontecer, uma candidata ou um candidato que, neste momento, ainda não surgiu no radar dos institutos de pesquisa pode receber a faixa presidencial no dia 1º de janeiro de 2023. Não existe a menor garantia de que essa mudança acontecerá. Mas não haverá surpresa caso aconteça.
A causa de uma possível mudança está, justamente, no elemento mais importante e menos considerado nas análises do processo eleitoral: a cabeça do eleitor. As eleições brasileiras têm se caracterizado como momentos em que o eleitor se vê obrigado a escolher uma entre duas possibilidades — ou o candidato da direita ou o candidato da esquerda. Só que o eleitor, este ano, parece ter preocupações mais urgentes do que a ideologia do candidato. O que ele quer é emprego, segurança, saúde e educação de qualidade.
Para ele, não importa se o emprego de que ele procura surgirá de alguma medida que venha a ser tomada por um político que admira o ex-presidente americano Donald Trump ou se ela virá de alguém que tenha simpatia pelos governantes de Cuba. O que ele quer é recuperar a condição de por comida na mesa de sua família, encontrar vaga no sistema público de saúde quando precisar de tratamento médico, ver seus filhos receberem educação de qualidade e não correr o risco de ser atingido por uma bala perdida quando estiver indo para o trabalho. Quem captar essa realidade e souber transformá-la em projeto levará uma vantagem enorme na disputa.

O ÔNUS DOS ERROS — A pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira passada (que mostrou Lula com 48% e Bolsonaro com 22% da preferência dos eleitores) é apenas o retrato do momento atual — quando o eleitor ainda não parou para fazer sua escolha definitiva e as eleições só estão entre as prioridades dos que pretendem disputá-las. O que se percebe a olho nu, porém, é que o eleitor dá sinais cada vez mais claros de cansaço diante da polarização que, há anos, tem dominado a cena política brasileira.
O jogo só começará a se decidir a partir do momento em que a sociedade se interessar por ele — e a única certeza que se tem neste momento é que a disputa se dará num cenário muito mais complexo do que o da campanha de 2018. As dificuldades econômicas que justificaram a escolha de Bolsonaro depois de quatro pleitos consecutivos vencidos pelo PT sobrevivem até hoje. Para piorar, elas foram agravadas por uma pandemia que riscou empresas do mapa, destruiu empregos, expôs as deficiências do serviço público e, além de tudo, tirou a vida de mais de 600 mil brasileiros.
Essa situação, claro, precisa ser levada em conta. Além de minar a paciência, ela faz com que o eleitor se torne ainda mais exigente em relação ao candidato que escolherá para representá-lo. Tudo indica que os cidadãos, no Rio e em todo Brasil, irão às urnas dispostos a colocar seus próprios interesses à frente das promessas dos candidatos.
Sim. O eleitor parece estar se tornando mais exigente, criterioso e egoísta. Se essa impressão se confirmar nas urnas, o quadro que emergirá em 2022 — quando serão escolhidos não só o presidente e o governador, mas também um senador, deputados estaduais e deputados federais — promete ser melhor do que o atual.
Atenção! Dizer que a situação tende a ser melhor não significa, obrigatoriamente, afirmar que a melhora da qualidade dos quadros políticos depende da substituição dos atuais ocupantes dos cargos eletivos por nomes novos e não testados. Nada disso! O que está sendo dito é que a escolha dos candidatos por esses novos critérios tornará o eleitor mais atento às atitudes daquele que ajudou a eleger. Sim. A situação do Rio e do Brasil só começará a mudar no dia em que o ônus pelos erros não cair 100% sobre os governantes escolhidos e que o eleitor passar a se sentir responsável pelas atitudes de quem ajudou a eleger.

DE BAIXO PARA CIMA — Esse tipo de postura pressupõe a mudança da maneira com que o eleitor faz suas escolhas eleitorais, a começar pela ordem dos candidatos. Por força do hábito, todos nós escolhemos, primeiro, os candidatos aos os cargos majoritários e só depois nos preocupamos em procurar o candidato que nos representará na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados.
Cansado como está do clima de polarização que tomou conta do país, seria bom se desta vez o eleitor fizesse diferente. E orientasse sua escolha de baixo para cima, começando pelo deputado estadual, seguindo pelo federal e assim por diante. É preciso mais atenção com a qualidade dos políticos que elegemos para o legislativo.
Esse ponto de vista, apenas para efeito de registro, já foi defendido neste espaço antes do pleito municipal de 2020, quando se insistiu na escolha criteriosa do candidato a vereador. No que depender desta coluna, ele será repetido antes de qualquer eleição que houver no Brasil daqui por diante.
Sim. Para muitos eleitores, o deputado estadual ou municipal não passa de um número que pode ser esquecido logo depois das eleições. Na verdade, porém, ele é fundamental para a definição das providências que o governo adotará para definir as políticas públicas que resolverão os problemas da população.
O povo precisa, em suma, de deputados que assumam o compromisso de facilitar os investimentos privados que trarão de volta os empregos que desapareceram. Precisa de representantes que defendam uma política de Segurança Pública capaz de proteger o cidadão e o livrá-lo das ameaças que ele sofre do crime organizado. Precisa de educação de qualidade e de um sistema de saúde pública digno e eficiente. Para isso, precisa eleger representantes tão interessados quanto ele próprio na solução dos problemas que o afligem.