Arte Paulo MárcioArte Paulo Márcio

Há uma tarefa vital à espera dos parlamentares fluminenses que serão eleitos no próximo dia 2 de outubro — e essa tarefa tão importante que os candidatos devem começar a se preparar para ela desde já. Todos eles, não importa se rezem pela cartilha da direita ou da esquerda, terão que esquecer por um momento seus interesses partidários, deixar para depois os compromissos que assumirem com suas bases e ignorar as ligações com essa ou aquela região do estado. Tudo isso deve ser posto de lado em nome da salvação do Rio de Janeiro.
Isso mesmo. Se a salvação econômica, financeira e administrativa do Rio de Janeiro não estiver no topo da lista de prioridades de todos os candidatos às próximas eleições, nenhuma outra providência que venha a ser tomada surtirá efeito. Sendo assim, toda a bancada fluminense — ou seja, os três senadores, os 44 deputados federais e os 70 deputados estaduais — deve arquivar suas divergências por alguns meses e se reunir numa espécie de força tarefa que trabalhe unida em busca de medidas que ponham um ponto final no sufoco financeiro que se arrasta desde a unificação da Guanabara com o antigo Estado do Rio, no já distante dia 15 de março de 1975.
Isso mesmo. Se a atual penúria em que o estado se encontra tem um ponto de partida, ele pode ser localizado no momento em que a unificação criou uma estrutura administrativa que, no final, tornou-se mais pesada do que a soma das duas partes. E que, pior do que isso, não se tornou mais leve na medida em que as providências relacionadas com a unificação — que, de princípio, não foram bem recebidas por nenhum dos dois lados — avançaram a ponto de ser impossível voltar atrás.
Nos quase 50 anos que se passaram desde a unificação, o Rio sofreu com uma máquina pública que, além de pouco eficiente é onerosa. Atenção! Ninguém aqui está acusando os funcionários públicos fluminenses de incompetentes nem dizendo que eles ganham mais do que merecem. O que está sendo dito com todas as letras é que a máquina, da forma como é organizada, não consegue funcionar de forma satisfatória. E que, por acumular tantas ineficiências, acaba custando mais caro do que deveria.

MEDIDAS COMPENSATÓRIAS — Sim, o problema é antigo demais para ser resolvido com medidas que não contem com o esforço de todas (e quando se diz todas, são todas mesmo, sem exceção!) as autoridades eleitas pelo estado. E mais: um esforço como esse terá que resultar em providências mais profundas do que a meia dúzia de medidas superficiais e paliativas que, ao longo desses 50 anos, são adotadas sempre que a situação fica mais difícil.
Será preciso, portanto, que todos os senadores e deputados se debrucem sobre o tema tão logo seja anunciada a lista dos eleitos no dia 2 de outubro e que, depois de analisar a situação fundo, tenham um plano de ação elaborado no dia 1º de fevereiro de 2023, dia da posse do legislativo federal. E que, a partir do momento em que chegarem a um entendimento sobre a melhor maneira de agir, 100% dos parlamentares, independentemente de sua filiação partidária, reservem uma parte de sua agenda para trabalhar pelos interesses do estado e do povo que representam.
Alguns temas não devem estar fora deste plano. Nunca é tarde, por exemplo, para incluir na pauta medidas que compensem o Rio pela mudança abrupta de situação causada pela transferência da capital federal para Brasília, em 1960. Uma delas, como foi proposto neste espaço há cerca de um ano, pode ser a transferência para a antiga capital da República de todos os órgãos da administração federal indireta — deixando no Planalto Central os ministérios e as sedes dos Três Poderes da República.
Outro aspecto importante é aquela que talvez seja a mais urgente de todas as providências. É preciso que se estabeleçam condições factíveis para que o estado se livre da dívida pesadíssima que carrega e ganhe condições de investir em seu crescimento e em seu futuro. Atenção: a proposta não é conseguir recursos para serem torrados no custeio dessa máquina pública voraz. A ideia é utilizar integralmente os recursos que vierem a ser obtidos pelo estado em obras de infraestrutura e em projetos que gerem benefícios para a população.
Finalmente, é preciso não repetir nesta nova oportunidade o mesmo erro que foi cometido na época da unificação, quando o governo federal (na época nas mãos dos militares) tomou uma decisão e a impôs de cima para baixo — sem consultar a quem quer que fosse. É necessário, portanto, que a população seja convidada a participar do debate e estimulada a dar sua opinião sobre as prioridades no gasto desses recursos.

OPORTUNIDADE DE OURO — É claro que nem tudo de ruim que existe no Rio foi criado pela unificação dos dois estados. Muitos problemas, como o crescimento desordenado das comunidades, já existiam antes. O que se perdeu naquele momento foi uma oportunidade de ouro para se fazer, no bojo do esforço pela unificação, um projeto que previsse a transformação das favelas em bairros e que garantisse condições de vida dignas à população. Ou, então, que se elaborasse um programa de infraestrutura destinado a estimular o desenvolvimento em municípios mais distantes da capital.
Outro erro foi não ter a coragem de colocar o dedo na ferida e, em nome da acomodação dos interesses políticos que havia dos dois lados da Baia da Guanabara, fazer uma unificação meia boca que, sem dúvida, é a origem do descontrole crônico que impera no estado e que fez do Rio a mais endividada entre as 27 unidades da federação.
De acordo com os cálculos mais recentes, o estado, que se encontra em Regime de Recuperação Fiscal desde 2017, tem com a União uma dívida que se aproxima de R$ 200 bilhões. Dos R$ 8,96 bilhões que o Tesouro Nacional gastou no ano passado para pagar dívidas de estados sem condições de arcar com suas responsabilidades, quase metade — R$ 4,18 bilhões — foram usados para pagar dívidas do Rio.
Esse é um dos lados dessa moeda. O outro é que a fusão da Guanabara com o Rio de Janeiro, ao invés de aumentar, acabou reduzindo a força política e a capacidade da antiga capital federal fazer valer seus interesses junto a Brasília. Boa parte desses quase R$ 200 bilhões que o estado deve à União se deve a um sistema escorchante de cálculo e da cobrança sistemática de juros sobre juros — contra o qual o estado nunca teve força política para se contrapor. Essa força só virá no momento em que toda a bancada fluminense colocar os interesses do Rio à frente de seus próprios interesses e passar a exigir que se reconheça a excepcionalidade da situação do estado em relação às demais unidades da federação.
A dívida com a União deve ser a primeira preocupação da força tarefa parlamentar sugerida no início deste texto. Unidos, todos os 44 deputados federais e os três senadores do estado devem conduzir, com ajuda de especialistas em finanças públicas, uma auditoria cuidadosa que, no final, apure o valor justo para a dívida do Rio. Com certeza, depois que o Rio obtiver sucesso, outros estados seguirão o mesmo caminho.
O que está sendo proposto, em suma, é que o Rio tome a dianteira política de um movimento que acabe de uma vez por todas com a ideia de que o controle fiscal, por mais necessário que seja, não é um fim em si mesmo. E que a principal razão de se adotar um controle fiscal mais rígido é, justamente, liberar mais recursos para investir no que interessa. Ou seja: no bem estar da população.
 
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