Nuno23janARTE KIKO

Comparada com a ocupação do Complexo do Alemão, em 2010 — quando traficantes foram flagrados pelas câmeras da TV numa fuga espetacular, correndo com seus fuzis para áreas vizinhas —, a operação policial que “retomou” as comunidades do Jacarezinho e da Muzema na quarta-feira passada pode não ter atraído muita atenção. É natural que tenha sido assim. Nos últimos anos, operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro tornaram-se sinônimos de tiros, correria e mortes — e, desta vez, não houve nada disso.
Vista, porém, pelos objetivos anunciados, a operação Cidade Integrada, que o governo estadual pôs na rua sem qualquer estardalhaço, traz com ela um sentimento que anda distante do Rio nos últimos anos: esperança. Pelo que vem sendo dito desde o início, a ocupação policial e a caça aos criminosos que dominaram o lugar nos últimos anos parecem não ser a finalidade da operação, mas apenas um passo necessário para se alcançar o objetivo maior. E o objetivo, pelo que se vê, é estender aos moradores das comunidades — as primeiras que receberão esse novo tipo de intervenção — o direito de serem tratados como aquilo que são: cidadãos.
Para que isso aconteça, o governo terá que restituir ao carioca outro sentimento que ele tem perdido a cada promessa não cumprida pelas autoridades: confiança. A sociedade já se cansou de acreditar e aplaudir operações cujos resultados práticos, no final das contas, acabam sendo opostos aos prometidos. Tomara que, desta vez, a falta de aplausos seja compensada por resultados mais concretos.

ALÉM DA AÇÃO POLICIAL — O carioca já aprendeu, por tudo o que tem visto acontecer na cidade nos últimos anos, que a polícia é incapaz de assegurar, sozinha, o direito à segurança indispensável a qualquer cidadão. Para que isso seja alcançado, é preciso muito mais do que operações. Segurança deve ser tratada como algo muito mais amplo do que a prevenção dos atos cotidianos de violência, o combate à bandidagem e a caça a traficantes, milicianos e outros criminosos que se aproveitam da ausência do Estado para imperar sobre cidadãos desprotegidos. Ela deve ser entendida em dimensões que vão muito além da ação policial.
Qualquer pessoa se sentirá mais segura se, por exemplo, souber que, em caso de necessidade, encontrará nas proximidades de sua casa uma UBS, uma UPA ou um a Clínica da Família aberta e pronta para atendê-la a qualquer hora do dia ou da noite. Qualquer mãe se sentirá mais segura quando, ao sair de casa para trabalhar, puder deixar as crianças aos cuidados de profissionais capacitados numa creche.
Qualquer jovem se sentirá mais seguro quanto ao presente e ao futuro no dia em que puder frequentar uma escola capaz de prepará-lo para um mercado profissional cada vez mais exigente e competitivo. Qualquer pai de família se sentirá mais seguro quando souber que um mercado de trabalho ativo garantirá que não falte comida na mesa de seus filhos. Tudo isso é segurança!
O que foi feito no Jacarezinho e na Muzema, portanto, não pode ser visto apenas pelos aspectos policiais — mas pelas intervenções já anunciadas pelo governador Cláudio de Castro e prontamente apoiadas pelo prefeito Eduardo Paes. Para um programa que visa estabelecer condições dignas de vida para os moradores de regiões dominadas pelo crime organizado, quanto menos tiros se ouvir e quanto mais discreta for a ação da polícia, melhor.

PRIMEIRO PASSO — O grande mérito da operação, até agora, é que o próprio governo não a apresenta como solução, mas como o primeiro passo de uma longa caminhada. Isso é fundamental para se evitar um outro sentimento que tem sido muito frequente entre nós: o de decepção. Todos nos lembramos, por exemplo, do otimismo que cercou a implantação das UPPs, um projeto que teve início no Morro de Santa Marta em 2008 e logo se espalhou por dezenas de comunidades do Rio. Depois que foi levado às comunidades vistas como inalcançáveis pelo Estado, como era o caso do Alemão, o projeto começou a se desviar de seus objetivos e a se transformar em bandeira eleitoral do governo que o criou. Por que deu errado?
Em primeiro lugar, ninguém deve criticar um político por querer chamar atenção para os feitos de sua administração. Isso é do jogo e acontece no Brasil, nos Estados Unidos, na Austrália ou em qualquer lugar em que os governantes são escolhidos pelo voto direto. O perigo, como aconteceu no caso das UPPs, se dá no momento em que a luz dos holofotes, de tanto mostrar o que deu certo no primeiro momento, acabam por ofuscar os problemas que continuam existindo. Ou, pior ainda, quando um projeto que poderia ser bem sucedido é usado como cortina de fumaça para esconder a corrupção e outros crimes.
Ninguém está querendo dizer que o projeto que teve início com a ação da última quarta-feira está fadado ao mesmo destino das UPPs — que têm por monumento os postes do teleférico desativado no Complexo do Alemão. Instalado ali para assegurar à população o direito à locomoção, o teleférico deixou de funcionar em 2016 e sua inatividade é prova suficiente do fracasso da operação que o criou. Mas para que o Cidade Integrada dê certo, é preciso seguir um novo roteiro e fazer diferente do que foi feito antes.

METAS OBJETIVAS — O resumo desse roteiro é o seguinte: ao contrário do que se viu no passado, quanto menos se falar desta operação, melhor. Outro ponto: ao invés de promessas, as autoridades devem estabelecer metas objetivas e mensuráveis que não durem apenas o período do mandato do atual governador, mas se estendam pelos próximos dez ou 20 anos. Um projeto como esse só dará certo em sua totalidade a partir da hora em que deixar de ser visto como a ação de um governo em busca de notoriedade e passar a ser considerado uma ação do Estado e da sociedade, destinada a beneficiar a população de áreas até aqui desassistidas.
Isso mesmo! A medida do sucesso de um projeto como esse é seu esquecimento. No dia em que ninguém mais falar em Cidade Integrada, ou no dia em que a Muzema, o Jacarezinho ou qualquer outro lugar que venha a contar com a mesma atenção deixarem de ser vistos como “comunidades” e passarem a ser considerados “bairros”, o projeto terá, então, alcançado seu objetivo. A caminhada, como se sabe, será longa. O primeiro passo foi dado e é positivo. Tomara que os próximos não se desviem da direção correta.
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