Nuno9janARTE KIKO

O Carnaval de 2022, para a felicidade do povo e alívio das autoridades, só começa nos instantes finais de fevereiro e vai até o dia 1º de março. Ou seja, a terça-feira gorda, que este ano coincidirá com o aniversário da capital, por mais próxima que pareça, ainda está distante o suficiente para se adiar por mais uma semana ou duas a decisão final sobre o tamanho da festa. Trata-se de uma decisão delicada, que precisa levar em conta a tradição, a Economia e a alegria do Rio de Janeiro. Por isso mesmo, há muito mais variáveis para se levar em conta do que é possível perceber à primeira vista.
O ideal, é claro, seria que a pandemia já estivesse totalmente debelada, que as pessoas pudessem se aglomerar sem riscos e que o Carnaval pudesse ser um momento de descontração, como sempre foi, e não de preocupação. Isso, infelizmente, não é possível neste momento. A nova variante do coronavírus, a Ômicron, está se espalhando com rapidez pelo Brasil afora — e é preciso evitar que a festa que sempre foi sinônimo de alegria se transforme na causa de uma tragédia de proporções terríveis.
O que está decidido, por enquanto, é que haverá o desfile das Escolas de Samba na Marquês de Sapucaí. Havia uma reunião prevista para a sexta-feira passada, quando se discutiriam alternativas para que os blocos, que não irão às ruas, possam oferecer diversão para os foliões em espaços fechados e controlados. Por prudência, o encontro foi cancelado.
A definição do tamanho do Carnaval é o tipo da decisão urgente que, paradoxalmente, deve ser adiada o máximo possível. A ideia defendida por Rita Fernandes, presidente da Sebastiana (a principal entre as associações que representam os blocos do Rio), é aguardar um pouco mais para tomar a decisão. Ótimo. Num momento como esse, qualquer minuto que se ganhar antes que o martelo seja batido pode fazer uma diferença enorme no resultado final.
As autoridades de Saúde dizem que a Ômicron, embora se alastre com mais rapidez, é menos agressiva do que as variantes anteriores. É preciso, portanto, que os dados sobre a evolução bem como os efeitos e os riscos da doença em seu estado atual sejam bem avaliados. Os limites da festa precisam ser estabelecidos com base na mesmíssima Ciência que tantas vezes justificou a defesa de medidas duras de restrição à aglomeração de pessoas.

PIERROT E ARLEQUIM — Imaginar que as pessoas este ano atenderão a recomendação de ficar em casa durante os dias da folia para impedir a propagação da doença é o mesmo que acreditar que, na lenda carnavalesca, o coração da Colombina finalmente se decidirá entre a pureza do amor do Pierrot e a ousadia tentadora do Arlequim. Mas é bom deixar claro: ninguém aqui está defendendo que as pessoas saiam às ruas de forma irresponsável e que simplesmente ignorem os riscos de uma doença que ainda pode causar muita tristeza.
Nada disso! O que está sendo defendido é a necessidade de se levar a realidade em conta e, sem hipocrisia, se preparar para o que pode acontecer depois da Quarta-Feira de Cinzas. A impressão é que, depois de dois anos de restrições, quando as pessoas, em sua maioria, aderiram à ideia da imunização, o medo da covid-19 vai diminuindo pouco a pouco.
O aumento do número de casos no início deste ano vêm sendo atribuído justamente à falta de receio de contágio visto na passagem de ano. Era possível contar nos dedos as pessoas que usaram máscaras durante a queima de fogos em Copacabana e em outros pontos da orla. Se foi assim no Réveillon, por que esperar uma atitude mais contida na maior festa da cidade?
Esse é apenas um dos aspectos que pressionam para que o Carnaval que, mesmo não sendo geral e irrestrito como sempre foi, seja o mais amplo possível em 2022. Há um outro, tão importante quanto esse e que também não pode posto de lado nas avaliações. Trata-se do impacto do Carnaval sobre a Economia da cidade. A corrente produtiva que deságua na folia já vem se movimentando há um bom tempo e se for contida agora causará desastres maiores do que pode parecer à primeira vista.
Os efeitos de um cancelamento este ano seriam ainda mais devastadores do que foram no ano passado — quando, de certa forma, as pessoas já esperavam por ele. Agora é diferente. Qualquer medida restritiva mais rígida que venha a ser adotada pode causar um efeito dominó que jogará ao chão todo esse movimento que parece ser o início da recuperação da Economia e dos empregos no Rio.
O primeiro impacto seria sentido pela rede hoteleira, que trabalha com a expectativa de 100% de lotação para este ano — e sofreria com um cancelamento súbito das reservas. Os restaurantes iriam no mesmo embalo. Haveria a frustração das receitas de milhares de pequenos empreendedores que vivem do atendimento ao turista e ao carioca que vai às ruas do Rio nas épocas de festas. É impossível prever o tamanho do prejuízo que uma decisão como essa acarretaria. Mas é possível antever que as consequências para a população serão funestas.

PESOS E MEDIDAS — Num cenário como esse, a decisão de autorizar os desfiles no Sambódromo e de proibir os blocos de rua foi a mais correta. Ela é uma combinação de respeito à Ciência, à Saúde da população e à Economia da cidade. No primeiro momento, houve quem reagisse com a má vontade que normalmente se tem diante de qualquer decisão de qualquer autoridade. Muita gente tratou a decisão como se a prefeitura tivesse utilizado na hora de liberar o Carnaval mais caro e “elitizado” do Sambódromo pesos e medidas diferentes das que usou para barrar a folia mais “popular” nas ruas.
É evidente que não se trata disso. Tudo o que a prefeitura fez foi reafirmar o que vem sendo recomendado desde o início da pandemia e se apoiar nos princípios da “Ciência” para tomar a medida que tomou. O que ela fez foi estabelecer, na medida do possível, uma linha divisória entre as pessoas que acreditaram na vacina e as que negaram as recomendações das autoridades de Saúde pública.
Isso mesmo. Quem levou a sério o risco de contágio e se vacinou, poderá entrar na festa do Sambódromo ou dos espaços fechados que, tomara, serão criados para receber os blocos de rua. Quem negou os efeitos protetores da imunização e se recusou a levar a picada no braço ficará de fora. Simples assim!
Em 1977, João Bosco e Aldir Blanc pediam no samba Plataforma que ninguém tentasse organizar o Carnaval nem viesse com os cordões de isolamento que separam o povo dos blocos nos desfiles de rua. E ordenavam: “não põe corda do meu bloco!” Aldir foi uma das vítimas que a covid fez antes que a vacina surgisse para proteger a população. De onde ele estiver, tenho certeza de que, este ano, por mais que amasse a folia, aprovaria medidas capazes de fazer com que a festa seja o mais segura possível. Tanto para os que querem só se divertir quando para os que precisam do Carnaval para por comida na mesa da família.
 (Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no Twitter e no Instagram: @nuno_vccls)