A experiência mostra que a solução para sair da crise não é parar de gastar. Também não é sair gastando tudo! A hora é ver o que não deu certo e escolher um caminho!
O Diário Oficial da União publicou na quinta-feira passada, dia 30, a lei que altera a política de pagamento das velhas dívidas do governo federal e libera dinheiro para o pagamento da nova despesa criada pelo Auxílio Brasil. Tudo devidamente sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. A partir de agora, há recursos garantidos para que as famílias cadastradas no antigo Bolsa Família recebam ao longo de 2022 o dinheiro que lhes permitirá por comida na mesa — que é tudo o que se pode fazer com os R$ 400 previstos no novo programa.
Para um país que foi colhido pela pandemia em meio a uma crise econômica grave e profunda, que se arrastava desde 2014, esse dinheiro — que beneficiará no primeiro momento a cerca de 14 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade — é até pouco. Sem ele, a crise social criada pela recessão econômica e agravada pela pandemia teria consequências ainda mais funestas do que vem tendo desde 2020. Por essas razões, a aprovação da medida pela Câmara e pelo Senado, bem como sua assinatura pelo presidente Jair Bolsonaro, merece aplausos.
Nenhuma pessoa que tenha um mínimo de solidariedade humana e de consciência social tem o direito de criticar a decisão do Executivo e do Legislativo de ampliar a rede de proteção oferecida pelos cofres públicos a esse grupo de cidadãos. Não interessa saber se o nome do programa é Bolsa Escola, como era em seus primórdios, no governo de Fernando Henrique Cardoso, se é Bolsa Família, como passou a se chamar depois de ser ampliado por Luiz Inácio Lula da Silva ou se é, agora com Bolsonaro, Auxílio Brasil. O importante é que o dinheiro chegue a seu destino e assegure ao maior número de pessoas possível o básico do básico necessário para a sobrevivência.
A PORTA DE SAÍDA
Por mais convicção que se tenha em torno dessa necessidade, é hora de parar para pensar nas consequências de uma decisão como essa para o futuro do país. O problema central do Auxílio Brasil não é o peso de R$ 90,6 bilhões que terá no Orçamento da União no próximo ano. Se problema mais grave, assim como era o de seu antecessor, é não prever mecanismos de saída no programa — o que leva a crer que a ideia é tornar definitivo um auxílio que, no formato e no valor atuais, só se justifica pelas circunstâncias excepcionais sob as quais foi criado.
A questão, é claro, não se resume ao auxílio em si. Ela tem aspectos econômicos, sociais e humanos que precisam ser levados em conta. Um erro que se comete com frequência é considerar o Auxílio Brasil (ou o Bolsa Família, tanto faz) como um direito de quem recebe a ajuda. Nada disso! Programas desse tipo devem ser vistos, na verdade como uma obrigação do Estado — a quem cabe tomar as providências necessárias para tornar as famílias independentes da ajuda oficial.
Sendo assim, e ao contrário do que sempre aconteceu no país, o certo não é comemorar como uma vitória o aumento do número de famílias em situação de necessidade extrema atendidas pelos programas de assistência. Melhor seria festejar a redução da quantidade de atendidos. Isso só acontecerá a partir do momento que forem criadas condições que ofereçam aos brasileiros empregos dignos, bem remunerados e capazes de assegurar alimentação, moradia, educação, vestuário e lazer.
Será que isso é pedir demais? Será que o Brasil nunca conseguirá, como outros países já conseguiram, transformar seus recursos naturais e suas vocações construídas ao longo da história em riqueza capaz de beneficiar o povo inteiro? É evidente que sim e não há momento melhor para refletirmos sobre isso do que este, em que um ano velho e difícil como foi 2021 foi embora e um novo ano vem chegando e abrindo novos caminhos e novas alternativas para deixar os velhos problemas para trás.
É hora de reunir os elementos que nos permitam enxergar os erros cometidos na condução das crises anteriores. E que nos mostrem o que podemos fazer de diferente para produzir um cenário que leve à saída da crise atual.
INVESTIMENTOS ESTRATÉGICOS
Não há meios de sair da crise sem um forte suporte de recursos oficiais. Por mais recorrente e sensato que seja o apelo liberal de não aumentar os gastos públicos para não agravar a situação fiscal num momento de crise, já está provado que essa receita não conseguirá livrar o Brasil das dificuldades atuais. Também está provado que um aumento exagerado dos programas assistenciais, que ponha dinheiro nos bolsos de milhões de pessoas, cria uma exigência fiscal elevada e, ainda que gere alguns benefícios para a economia (como, por exemplo o de estimular o comércio), é incapaz de dinamizar a economia e de produzir crescimento sustentável a longo prazo. Onde está, então, a solução?
A reposta não é simples. Para chegar a ela, nada melhor do que apelar para o mestre João Guimarães Rosa. “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Ou seja: o que vai tirar o país da crise não é a decisão de nada gastar. Também não é a de abrir o cofre e sair distribuindo dinheiro a torto e a direito a quem houver pela frente. O que interessa (ainda mais agora que os recursos que pagarão o Auxílio Brasil já estão garantidos) é escolher áreas estratégicas, com grande capacidade de geração de empregos e criar programas que as estimulem daqui por diante.
Essas áreas já estão mais do que identificadas. Muitas vezes já se falou aqui, ao longo de 2021, da necessidade de se recuperar a infraestrutura do Rio de Janeiro e de praticamente do Brasil inteiro. Para isso, é claro, não basta alocar nessas áreas os recursos disponíveis no orçamento. Com ou sem objetivos sociais, o Erário não dispõe de recursos suficientes para cobrir todas as necessidades.
Sendo assim, é necessário dar todo o estímulo possível a um programa de concessões de serviços púbicos e de parcerias público-privadas, que injetem recursos privados para bancar os programas necessários e criem o dinamismo que o país necessita para voltar a acreditar em si mesmo. Essa é apenas uma ideia entre dezenas. O importante é deixar claro que o dinheiro público, sozinho, é insuficiente para cobrir todas as necessidades. E que o capital privado não virá se o investidor não tiver a segurança de que seu dinheiro não corre riscos com as mudanças da linha política de um governo que pode mudar a cada quatro anos.
O importante, como também vem sendo dito neste espaço nos últimos meses, é abrir uma discussão franca e aberta em torno das alternativas possíveis e, com os pés nos chão e os olhos no futuro, escolher o caminho a ser percorrido para deixar a crise para trás. Um programa básico, que conte com a adesão das principais correntes políticas do país e seja aceito por todos.
Talvez seja demais esperar que as lideranças do país se dispam de suas vaidades, abandonem as divergências superáveis e passem a fazer força na mesma direção. Isso é difícil. Será necessário esperar que a crise se aprofunde ainda mais para que isso se torne possível? Vamos refletir e pressionar nessa direção. Talvez assim a solução apareça!
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