Nuno5junvaleARTE KIKO

Diante do avanço implacável do calendário e pelo andar das carruagens que conduzem os candidatos à presidência da República em direção ao próximo dia 2 de outubro, data marcada para o primeiro turno das eleições presidenciais deste ano, tudo indica que a eleição se decidirá entre Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Jair Bolsonaro, do PL. Faltando apenas quatro meses ou, mais precisamente, 119 dias para a disputa, é isso que indicam os principais institutos de opinião pública.
Eleições estão sujeitas a todo tipo de surpresas — até mesmo aparecer de uma hora para outra um nome novo, que de repente surja com força suficiente para cruzar a linha de chegada em posição que o leve ao segundo turno. Foi o que acabou de acontecer na vizinha Colômbia. Pouco conhecido até poucas semanas antes do pleito, o candidato Rodolfo Hernandez acelerou na reta final. Obteve 27,9% dos votos e disputará o segundo turno com o vencedor Gustavo Petro, que conquistou 40,4% do eleitorado. O segundo turno, de onde sairá o próximo presidente do país, está marcado para o dia 19 de junho e Hernandez vem sendo apontado como favorito.
Do lado de cá da fronteira, ainda há quem acredite na possibilidade da ocorrência de um fenômeno semelhante no Brasil. Alimentada pelos índices elevados de rejeição dos dois líderes e pelo desempenho medíocre da economia nos últimos dez anos, ainda sobrevive a expectativa de que apareça alguém capaz de atrair os eleitores e finalmente viabilizar a tal terceira via.
A possibilidade já foi aventada dezenas de vezes, aqui e em outros lugares. O problema é que um dia a mais sem que um nome venha à tona é um dia a menos numa corrida em que Lula e Bolsonaro nunca deixaram de ser líderes — sempre com vantagem para o primeiro deles. Em resumo, o aparecimento de um terceiro nome, embora não seja impossível, parece a cada dia menos provável. E dependendo do comportamento de Ciro Gomes, do PDT, de Simone Tebet, do MDB, e dos candidatos do pelotão inferior, pode ser que a fatura seja liquidada no primeiro turno. Será?

CHEQUE EM BRANCO
Se a campanha chegar ao fim da forma como foi levada até agora e a decisão ficar entre Lula e Bolsonaro, será péssimo para o país. Não pelo resultado — qualquer que seja ele. O eleitor é soberano e a escolha feita por ele diante da urna eletrônica deve ser acatada. Por mais acaciana que pareça, é conveniente deixar claro que aquele que receber a maioria dos votos válidos será o próximo presidente.
O lamentável, nesse caso, não será o resultado, mas como se chegou a ele. Um e outro correm o risco de chegar ao Palácio do Planalto sem ter anunciado o que pretende fazer nos próximos quatro anos. Se a campanha for mantida como está, sem que ninguém aponte com clareza as soluções que pretende dar aos problemas do país, o eleito não terá recebido um mandato. O que ele terá nas mãos será um cheque em branco.
Pode-se dizer, em defesa dos dois, que a inexistência de um debate efetivo em torno das eleições se explica pelo fato de que, oficialmente, nenhum deles pode se apresentar como candidato. É preciso respeitar o calendário definido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Para isso os dois terão que esperar pelas convenções partidárias e pela data oficial para o início da campanha, marcada para o dia 16 de agosto. Só então, poderão realizar comícios, distribuir santinhos, organizar caminhadas e carreatas e fazer propaganda na internet.
A verdade, porém, é que Lula e Bolsonaro, sem se prender a qualquer formalidade legal, estão em campanha há muito tempo. Jamais desceram de seus palanques — e cada gesto público de um parece destinado a convencer o eleitor de que ele é melhor do que ou outro. Ou, com mais frequência, de que o outro é pior do que ele. Aquilo que realmente interessa, no entanto, parece não ter espaço na discussão. Ninguém falou até agora de seus projetos de projetos de governo nem das metas que pretende atingir ao final do mandato,

LEI FALCÃO
Este é o problema. Mantido o ritmo atual, tudo indica que o debate será marcado até o fim pela exposição dos defeitos do adversário — quando seu foco deveria estar concentrado na defesa de alguma tese ou na apresentação de algum plano de governo. Se tudo continuar como está, a campanha eleitoral deste ano corre o risco de passar para a história como a menos esclarecedora de todas. E pode ficar conhecida como a eleição do não debate, do não programa de governo e das decisões destinadas a reescrever o passado — e não a discutir propostas para o futuro.
Isso, talvez, seja o mais triste de tudo isso. Embora a democracia assegure a cada candidato liberdade para expressar seus pontos de vista e para apresentar seus planos de governo da forma mais conveniente — respeitados, claro, os limites da lei — tudo indica que eles pretendem agir como se a famigerada Lei Falcão ainda estivesse em vigor. Isso seria um péssimo exemplo e traria de volta a lembrança amarga de um tempo sombrio.
Para quem não se lembra, essa lei, baixada em 1976, foi uma criação do ex-ministro da Justiça Armando Falcão e impôs aos candidatos a deputado estadual, deputado federal ou senador que disputaram as eleições de 1978 uma série de restrições na hora de se apresentar ao eleitor. Tudo o que podia ser mostrado no horário gratuito da TV era o nome do candidato, o número, o partido, a fotografia, um brevíssimo currículo do postulante a um dos cargos em disputa.
O problema é que, naquele momento, os candidatos agiram assim porque não podiam fazer de forma diferente. O país estava sob ditadura e o AI-5, em pleno vigor. Desta vez, porém, a fuga do debate é uma opção deliberada e estratégica de dois candidatos que desejam expor as vulnerabilidades do adversário, mas querem manter as suas próprias o mais protegidas possível.
A maioria das vezes em que um abre a boca em público tem sido para reforçar o antagonismo em relação ao outro. Quer exemplos? Vamos a eles. Bastou que Lula, dias atrás, se declarasse contra a privatização da Petrobras para que Bolsonaro, imediatamente, mandasse incluir a estatal do petróleo no PPI, o Programa de Parcerias e Investimentos — que é o passo inicial do processo de venda de qualquer empresa pública federal. Por outro lado, bastou que o processo de venda da Eletrobras — promessa feita por Bolsonaro ainda na campanha de 2018 — começasse a dar sinais de que vai sair do forno para Lula ameaçar com a reestatização da empresa caso a companhia venha mesmo a ser negociada.
A conclusão é que nem Lula nem Bolsonaro se mostram preocupados em agregar novos eleitores aos que já têm — embora nenhum deles tenha assegurados votos em quantidade suficiente para levá-lo ao planalto. Cada palavra que dizem parece destinada não a atrair os indecisos, mas a agradar aos que já estavam dispostos a acompanhá-los. E, ao fazer isso, parecem ignorar aquele eleitor que não se manifesta, mas que, de fato, é quem decidirá a eleição. Que eleitor é esse?

PROGRAMAS SOCIAIS
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios, a PNAD, do IBGE, que servem de base para a definição das amostras nas pesquisas eleitorais, cerca de 73% do total de eleitores do país se encontram nas três faixas inferiores da pirâmide social. A maioria deles, convenhamos, vive sob condições nas quais os tema da privatizações e do tamanho do Estado, que tanto mobilizam os convertidos mais fervorosos de cada um dos lados, parece não ter a menor importância.
Experimente perguntar ao eleitor médio de, por exemplo, Alvorada do Gurgueia, no sertão do Piauí, ou de Tarauacá, no noroeste de Acre, o que ele pensa a respeito da privatização da Petrobras. A resposta, com as devidas exceções, provavelmente oscilará entre a mais profunda indiferença e o desconhecimento total do assunto. Por outro lado, tente saber nos mesmos municípios — ou em qualquer outro dos rincões menos desenvolvidos das regiões Norte e Nordeste — o que o eleitor pensa do Bolsa Família, do Auxílio Brasil ou de qualquer outro programa assistencial. É isso, mais uma vez, que decidirá a eleição.
O Brasil está cada vez mais dependente dos programas sociais e os candidatos a qualquer cargo político se mostram cada vez mais sensíveis a essa realidade. De acordo com os dados mais recentes, o país tem hoje cerca de 17,5 milhões de famílias sob a proteção do Auxílio Brasil — sendo que, delas, 3 milhões foram incluídas ao longo de 2021. Qualquer político do mundo deveria se envergonhar diante do anúncio de que aumentou a quantidade de pessoas atendidas por programas destinados a salvá-las da miséria. No Brasil, infelizmente, isso é motivo de comemoração.
Ninguém está sugerindo, aqui, que se eliminem programas assistenciais. Pelo contrário. No ponto em que a situação chegou, eles são imprescindíveis e podem fazer a diferença entre a vida e a morte de milhões de famílias vulneráveis. O problema é que nenhum político parece preocupado em criar as condições necessárias para que essas pessoas deixem de depender da política assistencial e passem a contar com um emprego que lhes garanta a renda necessária para sustentar a família. Para que isso aconteça, o Brasil precisa crescer. E para que necessita de investimentos.
Num quadro como esse, a campanha eleitoral deveria incluir a discussão de temas como a criação de leis e programas que estimulassem a abertura de novos empreendimentos. Ou da proposta de normas de contratação que salvaguardassem os direitos do trabalhador sem asfixiar o empregador, como acontece atualmente. De atração de novos investimentos com a devia garantia de segurança jurídica e, de estímulos capazes de romper com quase dez anos de estagnação.
As concessões e as Parcerias Público Privadas deveriam ser incentivadas. Uma política voltada para o estímulo da indústria 5.0 é urgente. O uso da economia verde como um trunfo — e não como um empecilho ao crescimento — deve estar no topo da pauta de qualquer candidato. Há outros temas que precisam estar na pauta. Não devemos evitar de discuti-los