Nuno12junARTE KIKO

Três assuntos de natureza econômica ganharam espaço na agenda de discussões políticas nas últimas semanas e ajudaram a aquecer as discussões entre os candidatos à presidência da República nas eleições deste ano. Cada um desses assuntos, sozinho, já teria calor suficiente para levantar a fervura no debate ideológico que divide o país. Juntos, no entanto, têm se mostrado capazes de acender uma labareda que pode se estender até depois do segundo turno.
O primeiro desses temas é a venda da Eletrobras — um negócio que será concretizado nos próximos dias e que renderá um bom dinheiro ao governo num momento em que qualquer centavo parece fazer diferença nos cofres federais. A maior parte dos R$ 29,29 bilhões que serão levantados com a venda estatal será entregue ao Tesouro Nacional. A bolada cairá na vala comum do orçamento federal e desaparecerá ao ser utilizada para cobrir os juros da dívida pública e para bancar as despesas de custeio da máquina — que representam mais de 95% dos gastos da União.
Outro assunto que tem soltado faíscas suficientes para se transformar em fogueira tem sido a inflação. Por mais que o brasileiro imaginasse que nunca mais seria assombrado por esse perigo, ele voltou. Com as finanças públicas pressionadas por gastos correntes cada vez elevados e quase sempre indexados à inflação, a taxa vem crescendo além do limite razoável. Neste momento, nem as frequentes elevações dos juros nem qualquer outra medida do governo parece capaz de fazê-la recuar.
A taxa ficou pouco acima de 10% em 2021 e deve chegar, pelas previsões mais recentes, a quase 8% no final do ano. Se a previsão for confirmada, o governo terá descumprido pelo segundo ano consecutivo a meta que ele mesmo estabeleceu para a inflação e dará à economia um sinal preocupante de descontrole que poderá contaminar o ânimo de todo o sistema produtivo. A história nos mostra que com inflação se brinca.
O trio de assuntos mencionado no início deste texto se completa com outra questão que, embora venha sendo apontada como a principal causa da alta dos preços, merece tratamento especial na discussão que ajuda a aquecer o debate em torno da economia. Trata-se da política adotada pela Petrobras para calcular o valor dos combustíveis e da necessidade de se buscar uma forma de impedir que a alta da gasolina e do diesel mantenha o preço do transporte de cargas e de passageiros cada vez mais elevado.

REAÇÃO DOS GOVERNADORES
Cada um desses temas tem força suficiente para causar estragos no ambiente político e tornar mais difícil a vida do governo. Nos últimos dias, porém, Brasília encontrou uma maneira de colocar mais lenha na fogueira — e, com isso, abriu uma frente de tensão política com os governos estaduais.
O problema foi causado pela ideia de se promover um corte amplo e geral dos impostos incidentes sobre os combustíveis — inclusive do ICMS, que é considerado vital para os caixas estaduais. A ideia é que, sem os impostos, os preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha cairão e puxarão para baixo a estimativa de alta da inflação.
Os governadores, como era de se esperar, não gostaram e reagiram. Para acalmá-los, o governo se propôs a bancar o que eles deixariam de arrecadar. Para isso, utilizaria os R$ 25,3 bilhões que lhe caberiam com a venda da Eletrobras e iria atrás de outros R$ 15 bilhões para alcançar os cerca de R$ 40 bilhões que pretende utilizar para compensar as perdas estaduais com o ICMS. A proposta definitiva começará a ser discutida no Senado nesta semana e o relator da medida, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) já anunciou que o texto manterá o dispositivo aprovado na Câmara e que prevê a possibilidade da União compensar os Estados e os municípios pelas perdas arrecadatórias até 31 de dezembro deste ano.
É claro que a menção ao dinheiro da Eletrobras só apareceu nessa história como uma forma do governo anunciar que pretende fazer a manobra sem estourar o teto de gastos e sem onerar o consumidor com outros impostos. O certo seria dizer que pagaria a conta com recursos do Tesouro e ponto final.

CHANCE DE SUCESSO
Os benefícios gerados pela venda de ações, que ao ser concluída tirará o controle da Eletrobras das mãos do governo, vão muito além do efeito da entrada desse dinheiro no caixa da União. Há outros. A Eletrobras tem 12 mil empregados, 36 hidrelétricas, 128 termelétricas e duas usinas nucleares. A venda de uma empresa desse porte ajudará a reduzir o tamanho do Estado brasileiro. Nas mãos da iniciativa privada, a Eletrobras tende a se tornar muito mais eficiente do que pode ser sob controle do governo.
Isso já é muito bom. Portanto, se o dinheiro arrecadado com a venda da companhia for utilizado para cobrir os custos do projeto de redução dos tributos, que deverá ter impacto positivo nos índices de inflação, ótimo. Se não for suficiente, há outras formas de se justificar essa despesa. Uma delas seria considerar que os recursos sairão dos dividendos que a própria Petrobras vem pagando a seu principal acionista — o governo federal — ao longo deste ano.
Sim. Ainda que o presidente Jair Bolsonaro critique a política de preços dos combustíveis, o governo que ele comanda foi o principal beneficiário do lucro estratosférico de R$ 106 bilhões que a estatal obteve em 2021. Dessa fortuna, R$ 48,5 bilhões serão entregues aos acionistas e R$ 24,6 deles irão diretamente para o Tesouro. Outros R$ 6,8 bilhões serão depositados na conta do BNDES. Isso significa, com o devido arredondamento, que o governo embolsará um total de R$ 31,5 bilhões em dividendos. O valor dos dividendos patos este ano é R$ 6,2 bilhões superior aos R$ 25,3 bilhões que virão com a venda da Eletrobras.
O valor dos dividendos da Petrobras é um fato importante, mas a discussão que nos interessa agora é outra. Independente da origem dos recursos utilizados para pagar a conta da redução do ICMS sobre os combustíveis, o que está em debate é a chance de sucesso da operação destinada a reduzir o preço nas bombas. Se a estratégia for bem sucedida e se a nova medida realmente conseguir torná-los mais baratos, pode haver uma redução de dois pontos percentuais na inflação deste ano. Isso, sem sombra de dúvida, teria um impacto positivo sobre o ânimo da economia. A pergunta é: e a partir do dia 31 de dezembro deste ano, como ficará a situação?

SOLUÇÃO DEFINITIVA
O controle da inflação não costuma ser eficaz quando é buscado por meio de medidas emergenciais e, em certa medida, desesperadas como essa. A estabilidade de preços, para ser alcançada, deve ser resultado de uma política que mantenha as contas públicas equilibradas. E por um mercado que seja forte o suficiente para não sofrer com o impacto de flutuações internacionais como no caso dos preços dos combustíveis.
Os preços da gasolina e do diesel não podem ser contidos por políticas irresponsáveis e populistas como a que foi utilizada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff e que quase levou a Petrobras à falência. Ela também não está no modelo adotado a partir da passagem de Pedro Parente pelo comando da estatal, no governo Michel Temer. Cada dia fica mais claro que a vinculação dos preços dos combustíveis à cotação internacional do petróleo, como acontece desde aquela época, não é a melhor solução.
Com uma produção diária que atualmente está na casa de três milhões de barris, o Brasil destina 2,5 milhões diários ao consumo interno. Mesmo assim, precisa importar cerca de 300 mil barris por dia — uma vez que algumas de suas refinarias não se prepararam para transformar em combustível o óleo pesado extraído da plataforma continental e da camada pré-sal.
Mesmo assim, é preciso pensar nesses números. Com uma produção local suficiente para cobrir quase toda sua necessidade, é preciso encontrar um outro critério para calcular o preço dos combustíveis. Nos últimos anos, os avanços tecnológicos tornaram os custos de extração na camada pré-sal brasileira um dos mais baixos do mundo. Ao invés de se beneficiar dessa eficiência, o consumidor brasileiro é obrigado a arcar com o impacto do aumento do preço internacional do petróleo causado desde a invasão da Ucrânia pela Rússia. Por que não calcular o preço dos combustíveis ao mercado interno a partir de uma fórmula que leve em conta tanto os custos internacionais quanto os ganhos de produtividade locais? Precisamos pensar nessa possibilidade.
A lição que fica disso tudo é que o Brasil não conseguirá superar seus obstáculos enquanto continuar tentando resolver problemas estruturais, como os que geram a inflação e os que impactam os preços dos combustíveis, com medidas emergenciais, como o corte dos impostos sobre a gasolina e o diesel. Enquanto continuar buscando resolver seus problemas com providências improvisadas, tudo o que se conseguirá será adiar o problema — sem jamais acabar com ele.