Texto teve como proposta dar protagonismo a um elenco predominantemente preto e de artistas independentes - Reprodução
Texto teve como proposta dar protagonismo a um elenco predominantemente preto e de artistas independentesReprodução
Por Irma Lasmar
SÃO GONÇALO - Viés fundamental da arte, a criatividade dos profissionais do setor cultural foi colocada à prova durante toda essa pandemia. Isso porque o segmento, cuja atividade até então se fazia essencialmente por eventos presenciais, precisou se reinventar através do único recurso possível ao distanciamento social: a internet. Foi o caso do Coletivo Ponte Cultural, um movimento gonçalense de jovens ativistas culturais que, entre outras ações, interpretou virtualmente a peça Grace - Tragédia num só fôlego, baseada na tragédia grega Medeia em uma versão especial.   
A protagonista da história é a prostituta Grace. Explorada por Ramón, ela acredita que essa relação abusiva é o único tipo de afeto possível que lhe cabe no mundo. Isso até conhecer o Mercúrio, que surge em sua vida como uma espécie de redenção, apresentando-lhe um novo olhar para o amor. Porém, diante de uma reviravolta, traça um plano vingativo que lhe erguerá como uma Fênix. A produção é uma parceria entre o Coletivo Ponte Cultural e o Acervo Grupo de Teatro, que aguardam os resultados dos editais da Lei Aldir Blanc. Ambos já realizaram juntos o projeto teatral Te Conto Agora, apresentado no SESC São Gonçalo em 2019.
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Segundo o autor do espetáculo, Sergio Santal, a leitura do texto teve como proposta dar protagonismo a um elenco predominantemente preto e de artistas independentes. “O projeto nasceu da vontade de contar a história de personagens tão invisibilizados no nosso contexto, dando a eles ares de semideuses, tal qual era feito na Antiguidade Grega, em que os protagonistas das tragédias eram pessoas pertencentes à elite daquela sociedade", explica Santal. Com direção de Wildson França e produção de Marcos Moura, a montagem tem no elenco Sérgio Santal, Daniel Vargas, Felipe Andrade, Rose Márcia Marques e Wayne Marinho.
A estreia da encenação foi no dia 15 e desde então o vídeo está disponível no link youtube.com/watch?v=FRDwLac6DvQ , com classificação etária de 16 anos. A apresentação tem acesso gratuito, mas o grupo disponibiliza uma conta bancária para contribuição solidária (Nubank - Agência 0001 - c. corrente 55438370-5 / em nome de Sérgio de Oliveira Santos Junior), cujos recursos arrecadados serão destinados à montagem do espetáculo tão logo as apresentações presenciais sejam retomadas.
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"O roteiro possui estruturas que lembram a antiguidade dentro de uma roupagem carioca e o público poderá lembrar de muitas pessoas do cotidiano e autores clássicos com essa rede que envereda a história e a torna cada minuto mais intensa. Grace vive intensamente sua desventura, de ser miserável, preta e trans no país que mais assassina LGBTQIA+ no mundo. Sem sortilégio e fugas, segue o fluxo ruminante de uma sobrevida, por ser sub-humana”, conta o diretor, Wildson França.
O grupo surgiu em 2016 com o objetivo de promover a inclusão social através da democratização do acesso à cultura e à educação. Hoje, é composto por 33 voluntários, entre artistas e educadores, que oferecem gratuitamente cursos de Teatro, Cinema e TV, Desenho Realista, Danças Urbanas, Teclado, Violão, Piano e o Pré-vestibular Comunitário, que juntos somam mais de 200 alunos, além de dispor de uma biblioteca comunitária com aproximadamente 1.300 livros e promover saraus e cineclubes. Desde sua fundação, o Ponte Cultural já beneficiou mais de 6.500 pessoas. E durante a pandemia ainda encabeçou a arrecadação e doação de mais de 500 cestas básicas, quilos de fraldas geriátricas e milhares de sabonetes e de máscaras de proteção destinados à população em situação de vulnerabilidade.
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"Somos um movimento social que atua no segmento cultural com ações e negócios de impacto social. Desde 2016, temos como finalidade buscar soluções para questões sociais e ser uma ferramenta importante para responder aos desafios complexos da nossa sociedade", definiu em resumo o fundador do Coletivo Ponto Cultural, o jornalista e produtor cultural Marcos Moura.
Em outubro, os integrantes do coletivo iniciaram uma campanha virtual para arrecadação de materiais de construção e recursos financeiros para reforma e adaptação de sua nova sede. Desde 2017, o projeto social ocupa duas salas cedidas pelo Centro Empresarial, onde oferece atividades culturais e educacionais a crianças e adolescentes da comunidade do Apolo II, bairro periférico entre Itaboraí e São Gonçalo. Em junho deste ano, durante a pandemia de Covid-19, o irmão de Marcos Moura faleceu e a casa da família - agora com um único herdeiro - foi doada para sediar a ONG e em breve também o Centro Cultural. O projeto não recebe incentivo financeiro do poder público.
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Segundo o fundador, o grupo é grato ao responsáveis do Centro Empresarial onde o projeto funcionava, mas com uma sede própria o horário poderá ser mais amplo e incluir mais atividades. "É muito simbólico para mim destinar a casa onde cresci para realizar tantas atividades educacionais e culturais. Existem grandes potências entre as crianças e adolescentes na periferia e o que elas precisam é de oportunidades. Agradecemos por todo o apoio e carinho dos responsáveis pelo prédio, mas temos a oportunidade de caminhar com nossas próprias 'pernas' agora", explicou.
De acordo com a pedagoga Andreia Costa, mãe de quatro alunos do projeto, se não fosse o Coletivo Ponte Cultural e seu alto comprometimento com os jovens, seus filhos talvez não cursassem as aulas de artes, pois ela não teria renda para custear os cursos. "Eu e meus filhos entramos no coletivo em 2018. Eu me inscrevi e também os meus filhos assim que soube do projeto. Eu tenho uma filha muito talentosa mas também muito introvertida, que com o curso de teatro no Coletivo se desenvolveu muito na escola e em outras áreas. Sou muito grata ao Ponte Cultural", exclamou.
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