Segundo pessoas próximas, Telles acreditava ter sido infectado em um evento na base da Marinha do Brasil em São Pedro da Aldeia, onde fica o Comando da Força Aeronaval.
De acordo com denúncias feitas ao O Dia, no dia 14 de abril, em meio ao caos que o país se encontra, foi servido um coquetel de Confraternização dos Oficiais do Esquadrão de Manutenção da Marinha do Brasil na base. Embora o Brasil registre 40 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, o cardápio do banquete contou com salmão ao molho de camarão, filé mignon ao molho de champignon, uísque 12 anos, Prosecco e cerveja importada. A confraternização foi registrada por um dos militares.
Como resultado, em menos de uma semana, no dia 20 de abril, o Sargento Telles já sentia os sintomas da doença e acreditava ter sido contaminado nesse evento. Com o avanço desses sintomas, no período de aproximadamente 10 dias ele já aguardava por um lugar na UTI do Hospital Naval Marcílio Dias; depois de uma semana intubado na unidade, teve uma piora no quadro de saúde e foi a óbito.
Ainda segundo pessoas próximas, antes de ser internado ele se queixava do desespero que sentia ao ter que servir nesses eventos, colocando em risco a própria vida.
Muito querido entre os colegas, Telles recebeu um cortejo e foi enterrado nesta terça-feira (11).
FESTAS CONSTANTES
Ainda de acordo com denúncias feitas com exclusividade ao O Dia, a base em questão nunca deixou de realizar festas e eventos desde que a pandemia começou. Somente no mês de janeiro, foram oito eventos entre confraternizações, passagens de comando e visitas de comandantes.
O relato aponta ainda que, por conta do sistema hierárquico dominante no local, muitos militares são obrigados a estarem nestes eventos realizando trabalhos de garçom para os oficiais, como foi o caso do Sargento Telles.
Vale lembrar que a Prefeitura Municipal de São Pedro da Aldeia publicou, ainda em 2020, um decreto municipal proibindo festas e eventos que gerem aglomeração. Com o rápido aumento no número de casos, na última sexta-feira (7), um novo decreto atualizou as medidas de prevenção ao coronavírus, proibindo também o acesso às praias do município.
De acordo com o boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde, a cidade está na bandeira vermelha, que representa risco alto de contágio da Covid-19. O decreto limita o horário de funcionamento de bares e restaurantes, com isso, muitos empresários e comerciantes tem tido prejuízo e alguns estão fechando as portas.
Além dos eventos programados, que já contrariam todas as medidas, a denúncia aponta que toda quarta-feira acontece uma confraternização na escola dos militares, que fica na Rodovia Amaral Peixoto. O encontro acontece entre 8h e 9h da manhã, e nele, os oficiais tomam um café da manhã reforçado, que inclui bebidas alcóolicas e reúne em torno de 30 a 40 pessoas aglomeradas.
Ainda de acordo com a informação, o comandante que organiza esses encontros das quartas-feiras também contraiu a Covid-19 e está afastado.
Tudo isso parece não acontecer no mesmo momento em que as mortes vão aumentando. Só no últimos 15 Dias, dois Militares faleceram, vítimas da Covid-19, neste comando. Além deles, outro chegou a ficar intubado, mas conseguiu se recuperar.
Mesmo com tantas vítimas, a denúncia diz que o uso de máscara não é respeitado no Complexo Aeronaval, que a cada dia tem mais infectados pelas rotinas obrigatórias implementadas. A preocupação é enorme, pois como se trata de um ambiente de hierarquia, ninguém pode se recusar a servir os oficiais.
Vale destacar também, que o cardápio cheio de iguarias, é servido apenas aos oficiais. Os chamados de ‘praças’ (soldados; cabos; primeiro, segundo e terceiro sargentos; suboficiais ou subtenentes) comem diariamente “feijão aguado, macarrão com salsicha e carré”, afirma o militar que prefere não se identificar.
As denúncias recebidas pelo O Dia, são reforçadas por relatos de outras pessoas que servem na mesma base, e também preferem não se identificar. De acordo com uma delas, as aglomerações são constantes, assim como a falta do uso de máscara e a ausência do distanciamento, o que reforça a posição negacionista de tudo o que vem sendo divulgado pelos especialistas e pela Organização Mundial da Saúde.
Por causa dessas denúncias, que também foram feitas ao Ministério Público Militar, os militares foram proibidos de usar aparelho celular dentro do quartel, para que as ocasiões não sejam registradas.
HORA DO RANCHO
Além dos eventos irregulares, a hora do almoço dos militares está longe de ter um ambiente de prevenção. A denúncia aponta que entre 700 e 1.200 militares são reunidos em uma área fechada para almoçar simultaneamente, no chamado ‘rancho’. A única forma de prevenção adotada é a disponibilidade de álcool para higienizar as mãos, mas mesmo assim, segundo denúncia, é álcool de 46% INPM, abaixo dos 70% recomendado pelas medidas sanitárias e pela OMS.
A denúncia dá conta ainda que depois das refeições, a área não é higienizada, o que acaba comprometendo ainda mais a segurança sanitária do ambiente.
Embora exista uma ordem para a Marinha manter apenas 1/3 dos militares em serviço para diminuir a contaminação da covid-19, muitos estão ali por ordem, mesmo não desempenhando tarefas consideradas essenciais para o funcionamento da base.
A reportagem do O DIA entrou em contato com o Ministério Público Militar e com a Base Aeronaval de São Pedro da Aldeia, porém só a Base respondeu.
"Em resposta ao e-mail recebido, informo que, em virtude dos desafios impostos pela
crise sanitária em curso, decorrente da pandemia causada pelo novo Coronavírus (COVID-19), a Marinha do Brasil, atendendo aos protocolos sanitários estabelecidos pelos órgãos de saúde nacionais e internacionais, determinou uma série de medidas a serem cumpridas pelas suas Organizações Militares.
Todos os militares e servidores civis são orientados a se afastarem das suas atividades laborais e a procurarem o serviço médico ao perceberem qualquer sintoma que possa ser associado à suspeita de contaminação; Imediata execução do protocolo de desinfecção, por equipe especializada, na área em que o paciente exercia suas atividades assim como as quais teve contato; Acompanhamento dos servidores lotados próximo a área supostamente infectada, de modo a verificar a apresentação de sintomas de infecção.