Ônibus incendiado na Avenida Niemeyer na tarde de ontem. Via ficou interditada por mais de duas horas, atrapalhando a volta para a casa dos moradores da Rocinha e do Vidigal  - FOTOS REPRODUÇÂO REDES SOCIAIS
Ônibus incendiado na Avenida Niemeyer na tarde de ontem. Via ficou interditada por mais de duas horas, atrapalhando a volta para a casa dos moradores da Rocinha e do Vidigal FOTOS REPRODUÇÂO REDES SOCIAIS
Por WILSON AQUINO

Rio - 'Hoje (ontem), a Rocinha fechou! Não somos contra o governo, mas a gente queria entender que política de segurança é essa?'. O questionamento, em tom de desabafo, é do vice-presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Alexandre Pereira.

Há quatro meses, a comunidade de mais de 60 mil habitantes é área de combate entre traficantes e policiais. Porém, o dia de ontem superou todos os outros. Das primeiras horas da manhã, quando começaram os tiroteios, até o fim da tarde, quando um ônibus foi incendiado na Avenida Niemeyer, em frente ao Morro do Vidigal, vizinho da Rocinha, foram registrados oito confrontos, um recorde, segundo aplicativo Onde Tem Tiroteio.

Como resultado, foram seis feridos à bala: três suspeitos, dois policiais, sendo um em estado grave que acabou morrendo, e um morador. Até o cão de um morador foi atingido. Além das vítimas, os sucessivos tiroteios asfixiam a vida na comunidade. "Viver sem água e sem luz é brabo", reclama Pereira. O líder comunitário disse que mais da metade da favela está sem energia, porque as equipes da Light não conseguem fazer os reparos das redes destruídas pelos tiros.

"Estão dando tiro nos cabos e transformadores. Sem luz, não se liga a bomba e a água não cai na torneira. Isso sem falar nos canos e tubulações da Cedae, que afloram à superfície do beco, todos estourados à bala", relata Pereira, que não responsabiliza nem a Light e nem a Cedae pelo desabastecimento. "São duas concessionárias que nos atendem bem, mas não dá para acompanhar o que está acontecendo na Rocinha", afirmou. Em nota, a Light confirmou ocorrências de interrupção de energia para a Rocinha. "No entanto, no momento, devido a conflitos, equipes não podem acessar os locais", informou a empresa.

Pereira contou ainda que a coleta de lixo na comunidade foi suspensa. Ele explicou que os agentes comunitários que recolhiam os resíduos no interior da favela estão com medo de trabalhar depois que um dos garis da comunidade foi baleado. A prefeitura informou que dois postos de saúde, que teriam vacinação da febre amarela, não funcionaram. A Lagoa-Barra e a Avenida Niemeyer foram fechadas em momentos diferentes no fim da tarde. Pelas redes sociais, moradores relatavam momentos de terror. Um deles postou uma foto com as mãos cheias de cartuchos de balas de fuzil, em frente a um berço. "Na minha mão, 1% das cápsulas de balas que estão na minha casa e no fundo o berço do meu filho que está prestes a nascer! Eu não consigo entender o porquê disso tudo. Por que estamos em guerra? Por que só nós que somos moradores sofremos com tudo isso?", indagou.

Sete fuzis apreendidos na ação
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A Polícia Militar informou que começou a planejar a operação de ontem há 15 dias, para prender criminosos e apreender armas. Ao todo foram quatro suspeitos presos, três deles feridos. Foram apreendidos sete fuzis, quatro pistolas e uma granada.
Nas redes sociais, circulou um áudio de suposto bandido conclamando comparsas a atacar a 11ª DP, que fica na Rua Bertha Lutz, no pé do Morro da Rocinha. Depois do boato, a delegacia foi cercada pela polícia e o trânsito interrompido na rua do prédio, com cones plásticos. A sede da UPP da Rocinha foi atingida por um tiro no confronto.
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Além do ônibus (da linha Troncal 4, Rodoviária - São Conrado) também foi incendiada uma motocicleta na Avenida Niemeyer, no fim da tarde. Segundo a PM, houve protesto na via após um homem ser preso pela UPP do Vidigal. Com ele foi apreendido um fuzil AK-47 e uma pistola nove milímetros. Há relatos de que bandidos encurralados na Rocinha fugiram para o Vidigal, que seria dominada pela mesma facção.
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CONFRONTOS TAMBÉM TIRAM O SOSSEGO NO JACAREZINHO
'Caolha', chefe do tráfico local, conduzido por policiais, no Jacarezinho
'Caolha', chefe do tráfico local, conduzido por policiais, no JacarezinhoREPRODUÇÂO REDES SOCIAIS
Situada a 11 quilômetros da Rocinha, a favela do Jacarezinho, na Zona Norte, também sofre com a asfixia imposta pelos confrontos entre policiais e bandidos. As operações na comunidade acontecem desde agosto do ano passado, quando Bruno Guimarães Buhler, o Bruno Xingu, agente da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), foi morto na comunidade.
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Ontem, em mais uma delas, foi preso o traficante Wellington de Souza Macedo, 33 anos, conhecido como "Caolha", apontado como chefe do tráfico. Ele é um dos suspeitos do assassinato do policial. Segundo a polícia, dois seguranças do traficante e um terceiro suspeito reagiram à ação, foram baleados e morreram. Além de "Caolha", 17 pessoas foram presas em flagrante por tráfico de drogas. Três fuzis e uma submetralhadora foram apreendidos. De acordo com a polícia, "as ações na comunidade do Jacarezinho continuarão".
"A situação lá tá braba. São dez dias sem luz. Não é na comunidade toda, é em parte. Mas, nessa parte mora gente, tem família, tem criança e a polícia não está dando refresco. Está massacrando", reclamou o presidente de Federação das Associações de Favelas do Rio (Faferj), Rossino Diniz.
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A ONG Rio de Paz, filiada ao Departamento de Informações Públicas da ONU, que tem sede no Jacarezinho, foi atingida por um tiro, ontem de manhã. Ninguém ficou ferido. "Não é mais tempo de se debater sobre segurança pública do Rio de Janeiro. Todos sabem o que precisa ser feito e o diagnóstico já foi dado. O que é necessário agora é pressão da sociedade e vontade política, para que sejam implementadas as medidas que todos conhecem e que podem salvar vidas", pregou o presidente da ONG, Antônio Carlos Costa.
Por causa dos confrontos, a circulação de trens ficou suspensa de 6h30 às 8h20. A única Clínica da Família da favela também não funcionou ontem.
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