Átila 30_10_2021Paulo Márcio

Quase ninguém sabe como surge uma paixão. Aliás, paixão quase sempre traz uma conotação negativa porque é associada a um desequilíbrio emocional. É comum ouvir frases como ‘Isto não é amor, é paixão’, ou ‘Fulano está cego de paixão’.
A paixão está no excesso? Pode ser, mas não são as paixões que podem nos levar à realização de grandes conquistas? Uma coisa é o excesso do amor por algo ou alguém. Outra coisa é o abuso. Este sim, pode causar o mal. O professor Silvio Chibeni é um estudioso dos fenômenos espíritas. Lembra ele que o princípio originário das paixões é bom, sempre visou o bem. O mal que se associa às paixões é uma distorção do livre arbítrio humano na condução de seus sentimentos. E como se pode determinar quando as paixões deixam de ser boas para se tornarem más?
Vamos por partes. Antes de mais nada, vale entender que paixões são como cavalos selvagens: só são perigosos quando ainda não domados, podendo machucar o cavaleiro ou quem estiver por perto. O grande desafio é como controlar a paixão. E ter consciência dos males que possam causar aos que estão ao nosso redor e a nós mesmos.

A fonte original das paixões é boa. O problema é que definimos como ‘paixão’ os sentimentos incendiários: ‘Matou-se por paixão’, ‘É apaixonado por carros’, ‘Tem paixão pelo futebol’...Paixão vale para o bem e para o mal. São faces da mesma moeda. Sempre que alguém age, outrem sofre com a paixão, lembra o Chibeni.
O ser humano é um ser composto de corpo (matéria) e alma (espírito). O espírito tem três características principais: vontade, pensamento e percepção. A vontade se exerce quando nosso espírito quer alguma coisa. Já o pensamento, é quando o espírito raciocina, duvida e compara. As percepções são as formas, as cores, os sons, as imaginações e os sentimentos. E sentimentos podem ser o ódio, a tristeza, a alegria e o amor.

Essas características são as paixões da alma, porque ocorrem independentemente da vontade do espírito. Uma vela acesa, por exemplo, acenará para o espírito o desejo de se passar alguma luz, alguma sensação de calor. Um gesto de carinho passa a percepção de amor. Uma ofensa, pode passar a percepção de mágoa. Por isso, paixões são mais do que simples características da alma: são sentimentos.

Além dos sentimentos como ódio, tristeza, alegria e amor, existem outros tipos de paixões relevantes como o orgulho e a humildade, a veneração e o desdém, a esperança e o desespero, o medo e a coragem, a vergonha e a cólera, o remorso e a piedade.

A paixão nos torna passivos. Amor, ódio, alegria e tristeza se apoderam de nós involuntariamente. E por mais incrível que possa parecer, até mesmo os espíritos desencarnados continuam com parte desses sentimentos, isto é, continuam com algumas paixões. Espíritos vibram quando alegres, sofrem quando testemunham uma injustiça, sentem indignação e até raiva. Espíritos ainda no processo de evolução podem até mesmo orgulhosos.

É óbvio que alterações no sistema nervoso fazem surgir as paixões na alma. A baixa da serotonina é um fenômeno físico, um dos causadores da depressão, disparado por algum forte sentimento. Nossos corpos, tanto quanto nossas almas, são fortemente influenciadas também por fatores espirituais, como a ação de obsessores.

Se a paixão, contudo, escapa da possibilidade de nosso controle, quer dizer que estamos de mãos e pés atados quando explode esse sentimento em nossas almas? Depende. Vamos às suas origens. Não temos, por exemplo, uma tendência de sentir orgulho quando nos elogiam? Não sentimos mágoa quando nos ofendem? Inveja quando vemos alguém possuir aquilo que queríamos para nós próprios? Os bons espíritos podem auxiliar-nos a vencer as más paixões, pois não há paixões irresistíveis que a vontade seja impotente para dominá-las.

O problema é que vencer paixões só acontece quando existe a vitória do espírito sobre a matéria, destaca Silvio Chibeni. Por isso, essa conotação negativa da paixão, classificada como “irrefreável”. E não nos referimos apenas às paixões que resultam num mal para alguém. As ‘boas’ paixões também são classificadas como negativas. Dizer quer alguém está ‘louco’ de paixão não é também negativo?

Bem, se o surgimento de uma paixão é espontâneo, involuntário, podemos, por outro lado, por nossa vontade, não consentir em seus efeitos e reter muitos desses efeitos que ela dispara em nosso corpo. Por exemplo, se a cólera faz levantar a mão para bater, a vontade pode impedir este ato. Se o medo nos estimula a sair correndo, podemos controlar essa vontade. Conclusão: podemos ter o controle das paixões, evitando seus efeitos negativos sobre nós mesmos e os que nos cercam.

Paixões sempre existirão em nossas almas, trazendo intranquilidade à nossa paz interior. Adiantará ao soberbo simplesmente querer ser humilde? Dizer a quem está melancólico para ficar alegre, adianta? Mágoa se expulsa de dentro de nós por simples desejo pessoal? Não. É preciso mais.

A força da alma é definida pela sua vontade. As pessoas de vontade fraca deixam-se simplesmente levar pelas paixões, diz o professor Chibeni. Não reagem. Não basta, entretanto, ter ‘força de vontade”. É preciso utilizar ‘armas’ desta vontade que é a identificação do que está fazendo o bem e o mal.
Dizer que o ciúme é necessário ao amor é um equívoco. O ciúme é um sentimento ruim que não se coaduna com o amor. Identifique o lado ruim de uma paixão e você passará a controlá-la. Identifique o mal que ela lhe faz no corpo e aos outros. Aí sim, você tomará em suas mãos as rédeas da razão. Todas as paixões exageram. E é porque exageram que são paixões, nos tornando escravos de sua razão.
 
Átila Nunes