Realizador de fotos que marcaram gerações e incansável militante do movimento negro, Januário Garcia era um dos mais premiados fotógrafos brasileiros
Januário Garcia - Reprodução Internet
Januário GarciaReprodução Internet
Por Thiago Gomide
Foi o Cais do Valongo receber em 2017 o título de Patrimônio Histórico da Humanidade, pela UNESCO, que uma festa se formou no centro da cidade. Movimentos negros se juntaram para a justa comemoração.
Como cansei de presenciar em outras circunstâncias, Januário Garcia registrava tudo. A cena lembrava dos mergulhadores de apneia: tomava ar e descia às profundezas. O fotógrafo mirava o alvo, refletia, apertava o olho no visor e depois se afastava para ver o resultado na tela. Januário ia ao fundo.
Acompanhado de uma pequena equipe da MultiRio, fui ouvir o mestre. Gostaria que ele traduzisse para o espectador o que representava aquela condecoração ao maior porto de entrada de pessoas escravizadas nas Américas.
"É um reconhecimento da nossa luta, é um reconhecimento desses anos todos que lutamos nesse país...É recontar essa história do Brasil que não foi contada. Nós conhecemos a história do caçador, mas na hora que o leão começar a escrever, vai ser difícil. Esse é o nosso caso. Nós estamos começando a escrever a nossa história", riu graciosamente o mineiro de Belo Horizonte.
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Januário foi incansável na recontagem dessa e de muitas outras histórias. Foi importante peça nas inúmeras batalhas do movimento negro. Organizou exposições sobre temas sensíveis à memória de pessoas escravizadas. Nos brindou com livros sobre a cultura afro-brasileira.Foi presidente do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN).
As fotos de capas de discos costumavam ser obras de arte - levando esse talento brasileiro para o exterior. Quem contribuiu e muito para isso foi Januário. "Alucinação", de Belchior, e "Cores Nomes", de Caetano Veloso, por exemplo, têm a assinatura dele.
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No tal encontro no Cais do Valongo, ele repetiu uma de suas frases mais célebres: "existe uma história do negro sem o Brasil. O que não existe é uma história do Brasil sem o negro".
Nas redes sociais, inúmeros amigos repercutem a morte do artista, de complicações da Covid-19, aos 77 anos.
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"Janu, para os íntimos, era um grande fotógrafo, militante político e do movimento negro, figura querida por todos, um exemplo de caráter, honestidade e pessoa, escreveu no Instagram o presidente do Detran Adolpho Konder..
"Muita tristeza! Acabamos de perder para a Covid-19 uma referência na luta antirracista, uma inspiração para minha geração. Januario Garcia, o Janu, fotografou nossa história por décadas. Obrigada por tudo! #RIP", lamentou a jornalista Luciana Barreto, atualmente na CNN.
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