Ito Melodia faz show no Teatro RivalJaqueline Gomes

Ao ouvir os primeiros acordes de "Negro de Canela Fina", é perceptível um ajustar nas cadeiras do Teatro Rival. A plateia, tão experimentada a encontrar Ito Melodia orquestrando as arquibancadas na Sapucaí, em poucos segundos está imersa em um outro universo do multifacetado artista. O samba em questão nos recorda a dor da escravidão ( "quando chega no Valongo, tem senhor pra te comprar") e estimula a luta por igualdade racial. Tal qual um Pantera Negra, Ito termina a canção com o punho serrado e entoando "A resistência é criolice". Não teve um único negro que não repetisse o gesto, em uma cena que jamais sairá da retina.
Administrado desde 1966 pela família Leal, o Teatro Rival tem no DNA a resistência. É um espaço artístico que sempre abriu as portas para as formas e cores perseguidas. As "Divinas Divas", espetáculo que tinha no elenco Rogéria, Jane Di Castro, Fujika de Halliday e outras transformistas, levantou os cabelos da ditadura militar. Só um palco seria capaz de tanta afronta, liberdade e descobrimento.
Filho do lendário Aroldo Melodia, intérprete da União da Ilha do Governador por 36 anos, Ito herdou o gogó privilegiado e a difícil missão de enfrentar àqueles que acreditam que os músicos ligados à escolas de samba estão fadados à sazonalidade. O show no Rival, que abre a carreira solo, é a demonstração que o atual responsável pelo microfone do Império Serrano pode e vai muito além.
Com o repertório lotado de músicas autorais, Melodia domina o palco como um velho e bom comunicador. Tem espaço até pra revelar os detalhes engraçados da conquista da "mulher que mudou a minha vida". O sorriso largo, ainda com aparelho dentário, faz o público inevitavelmente aplaudir o amor escancarado. Por sinal, é tão escancarado que, durante a música " a cigana me falou, azar no jogo, sorte no amor" ( parceria de Ito com o craque Evandro do Cavaco), Maria do Carmo é convidada a ficar ao lado do marido, que prontamente entrega um buquê de rosas e até acha forças para estourar uma champanhe. Tudo isso sem deixar de cantar. 
Em tempos de tantas brigas, que interessante observar a fragilidade e a generosidade. Mesmo tendo na estante uma penca de prêmios e estatuetas de melhor cantor, Ito deixou evidente que estava nervoso. Foi o sinal para que o público, em uma terça-feira chuvosa, abraçasse ainda mais. O grupo, que completava um semicírculo no tablado, também não deixava a peteca cair. A cada música, Melodia comentava sobre o parceiro de composição. "Meu grande parceiro Gugu das Condongas não está aqui porque está fazendo quentinhas", disse. Pouco mais, salientou: "quando tiver na Ilha, comam a quentinha do Gugu das Condongas. É ótima".
O primeiro e redentor abraço no camarim foi da responsável pelo fã-clube. "Ele é como um filho pra mim", revelou, enquanto ajustava a camiseta com a foto do cantor e compositor. Ito ria e esmagava carinhosamente a velhinha, secando o suor em um dos inúmeros paninhos que a fã número 1 leva sempre pra ele.
Precisamos de mais Itos Melodias. E de Teatros com o espírito do Rival.