Cresci na região da Glória. Estudei dos 11 aos 16 ou 17 anos no Zaccaria, colégio centenário no final do Catete. Joguei inúmeras vezes bola no Aterro do Flamengo e os primeiros porres foram naquela divisa entre Glória e Lapa. Um grande amigo morava na Cândido Mendes e não raramente acabávamos jogando botão ou poker na casa dos pais dele (valeu, tio Luiz e tia Tânia). Até meu terapeuta era na Benjamin Constant. Comecei a trabalhar em rádio na Viva Rio, que fica ao lado da Taberna da Glória.
Dito esse resuminho dos meus últimos 26 anos, só dá para trazer ao baile a deterioração do bairro. Não que nas últimas três décadas tenha vivido dias incríveis, mas, dessa maneira, não recordo de ter encarado.
Os gradis, inclusive do Palacete da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, se tornaram cabides. As calçadas são tomadas pelos mais diferentes produtos. Um dos chafarizes mais antigos do país perdeu completamente o brilho. Não só pela pandemia, muitos comércios fecharam a porta. A noite nos dá a impressão de cidade fantasma (a não ser pela resistência do Ximeninho e vizinhos). A violência aumentou, a ponto de, semana sim, semana também, câmeras dos prédios registrarem roubos de automóveis nas principais vias do bairro.
A Glória marcou a história do Brasil pela pujança financeira e imponência política dos seus moradores. Ali moraram de empresários poderosos a intelectuais famosos, como Mário de Andrade, um dos criadores da Semana de Arte Moderna de 1922. Para viajarmos na diversão, na Santo Amaro, o mundo viu surgir a High Life, misto de boate e bar dedicado aos bailes mais doidos que se pode imaginar. Até um padre era fiel.
Por causa dessa realidade, na Glória o transeunte tropeça em construções históricas. A maioria em estado lamentável. Como diria minha avó, basta um sopro bem dado para a antiga sede de uma universidade de Medicina ir ao chão.
Na corrente contrária ao meu desespero há fios de expectativa. Recentemente viu-se uma movimentação de secretarias da Prefeitura buscando alternativas para a Glória. Nada que ainda pulasse do teórico, mas também é preciso tempo (não muito, por favor). Um centro médico de ponta ter assumido a antiga Beneficência Portuguesa movimentou uma parte do bairro. A ida da ESPM para a Vila Aymoré também promete novos ares. Ouve-se rumores que outra universidade ligada à um grande hospital irá para a Glória ( torço muito).
A rua do Russel, com a querida praça, faz parte da alma daquele cantinho da cidade. Nos áureos tempos de Manchete e Rádio Globo, fervia. O Hotel Glória, hoje quase o pó, colaborava e muito. Os apartamentos ao redor ainda são gigantescos e marcam uma época da nossa arquitetura. Subir para o Outeiro da Glória, uma das Igrejas mais visitadas pela família real, é ainda um passeio e tanto, em especial aos amantes da história.
Por falar em história, fiz uma sequência de vídeos sobre atrações da Glória, mostrando, principalmente para autoridades, o que representa esse bairro para a trajetória desse país.
Naquela região da Praça Paris existe um universo de enfrentamento ao baixo astral generalizado que nos envolvemos nos últimos anos.
Não raramente há feiras de gastronomia, pessoas fazendo piquenique no lindo gramado e até ensaios de bloquinhos de Carnaval. Turistas e mais turistas ajudam a lotar o espaço.
Parece papo de biruta, mas ultimamente visitantes têm sido alvos de...tiros de chumbinho. Surreal. Se pegar na vista, adianto, chance grande de cegar.
Acha que estou inventando? Clique aqui para ler reportagem de O Dia.
Preciso ser redundante e lembrar que ações, como essa, contribuem para o esvaziamento da Praça, do bairro e, por consequência, aumenta as dificuldades financeiras da cadeia empreendedora?
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Samba na Glória
Outro ponto de resistência emocional é a Gloriosa, roda de samba que conta até com Paulão Sete Cordas. Uma beleza!
Uma das organizadoras é a radialistas Soraya Moreno.
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Feira da Glória
Quer um passeio pra domingo? Vá à feira da Glória. Tem de pastel com caldo de cana a churrasquinho, passando por pão integral e até frutas.
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