Retrato de ouvinte ocupa lugar destaque na Rádio Difusora do AcreThiago Gomide

Quando encarei pela primeira vez a foto que ilustra essa coluna, fiquei paralisado. A cena lembra o olhar penetrante de Zelda Fitzgerald, tão retratada pelo companheiro Scott Fitzgerald. Era impactante demais pra não me abalar, ainda mais porque estava só, morando no Acre e sendo desafiado por mim a todo instante.
Meu avô Paulo, em Petrópolis, dormia escutando rádio. Tenho muitas lembranças dele, mas essa talvez seja a mais recorrente. As razões são óbvias: trabalho nesse veículo desde os 19 anos, na rádio Viva Rio, e atualmente estou presidente de uma emissora, a Roquette-Pinto. Vovô só escutava jogo pelo rádio, que, moderno pra época, vinha acompanhado de um relógio. Todo camelô que se prezasse, vendia. Foi assim que acompanhamos o mítico Fla-Flu de 1995. 
"Boa noite, ouvintes". Foi com essas originais palavras que estreei no rádio. Aos 8 anos, dei uma entrevista para o programa do Zanata, na rádio Difusora de Petrópolis. "Qualquer música do Roberto Carlos", respondi ao ser provocado que artista gostaria de escutar. Mamãe ficou irradiante. Enquanto bebia um café recém passado, vovô, que era mineiro de Viçosa, tentava entender o motivo de não ter escolhido "Milton Nascimento".
Não sou da época que a família se juntava ao redor do aparelho de rádio para acompanhar um jornalístico ou um show de calouros. Mas sou de uma família libanesa que ligava o rádio para servir de companheiro no churrasco, na noite de Natal ou até mesmo no Carnaval. Dessa maneira que conheci, por exemplo, o mitológico Miro Ribeiro, cabeça do mais respeitado programa sobre as escolas de samba, o "Vai dar Samba", atualmente na Roquette-Pinto. 
Em 2011, estreava na própria Roquette-Pinto o programa "EmBranco", comigo e mais um monte de gente bacana. Infelizmente meu avô não estava mais aqui pra acompanhar. Mas minha avó materna, sim. Era uma tradição receber a ligação dela depois que me despedia com o "até a próxima". Mesmo sendo apresentador de TV, vovó Vic, de Victória, só se conectava ao meu trabalho na escuta atenta no rádio da sala de estar.
O antropólogo Edgar Roquette-Pinto, ao defender a implementação do rádio no Brasil, há exatos 100 anos, destrinchou alguns motivos, entre eles estava servir como uma plataforma educativa, que permitisse a conexão e contribuísse para o desenvolvimento do país. Esse estalo vai vir de, entre tantos estudos, um empírico na Amazônia, onde vai analisar a importância das ondas sonoras para romper a dificuldade de comunicação na floresta, e o evento que comemorava o centenário da nossa independência.
Em 1922, a Avenida Rio Branco e região foram tomadas por uma grande exposição. O objetivo era o Brasil mostrar que estávamos avançados e outros países também apresentarem seus inventos e suas ideias. No Theatro Municipal, uma Orquestra tocou "O Guarani" e alto-falantes espalhados pelo centro da cidade reverberavam a famosa ópera de Carlos Gomes. Registros mostram um público atônito com o feito. Tínhamos ali um enorme aliado para um ponto que hoje é comum, mas em 1922 ou 1945 não era: conhecermos os quatro cantos e as diferenças de um território gigantesco.
"Repórter Esso", "PRK-30" e "Balança mas não cai" são alguns dos programas que pararam o Brasil. Foi pelo rádio que soubemos que entramos e saímos da Segunda Guerra Mundial, que conhecemos Emilinha e Marlene, que gritamos a vitória na Copa de 58. Sotaques entraram em pauta. Percebemos que a Federação, apesar de única, é formada de vários. E o quão rico isso é. Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro a própria Bossa-Nova foram apresentadas.
A fotografia da senhora escutando o rádio está ou estava na rádio pública Difusora do Acre, estado que compõe a Amazônia. É através dessa emissora que ribeirinhos e seringueiros são informados do nascimento de seus filhos, do falecimento de suas mães ou até mesmo escutam aulas ou relaxam com as músicas. Isolados, em parte do tempo, contam com a rádio para nutrirem-se de informações. A ouvinte abraça o equipamento como um verdadeiro amigo. E é.
Em 100 anos, muita água rolou, em especial na engenharia. Vimos o nascimento do FM, o enfraquecimento do AM, o surgimento do digital, os aplicativos de música e até a explosão de podcasts, que, no fundo, no fundo, são programas de rádio. Há uma frase super batida de Scott Fitzgerald, onde ele argumenta que vitalidade é demonstrada pela capacidade de começar de novo.
Que venham os próximos 100 anos. O rádio vai ainda tocar muito Roberto Carlos e Milton Nascimento.
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