Por O Dia
Não há quem não tenha se impressionado com a explosão no porto de Beirute, na capital do Líbano, nesta terça-feira. O imenso cogumelo de fumaça se levantando rapidamente em direção ao céu, o estrondo ensurdecedor, o impacto causado pelo deslocamento de ar. E tudo capturado por diversas imagens, de pontos distintos, registrando a vida cotidiana sendo atingida de surpresa e violentamente, com dezenas de milhares de pessoas entre mortos, feridos e desabrigados. Restou o cenário de desolação e destruição na região do porto quando a poeira baixou. Uma cratera no epicentro da explosão, que pode ser ouvida a 240 km de distância, na ilha de Chipre.

É uma tragédia que chocou a todos, inclusive no Brasil. Pois foi justamente o porto de Beirute, hoje em ruínas, o local de partida do primeiro navio de imigrantes em direção ao nosso país, há exatos 140 anos. Ele foi a principal porta de saída das dezenas de milhares de pessoas que vieram, em vários ciclos, em busca de melhores oportunidades, fugindo de problemas econômicos, políticos e religiosos.

Diz uma lenda recorrente que há mais descendentes de libaneses no Brasil do que habitantes no próprio Líbano. Talvez seja exagero, já que os números divergem muito e não há um estudo único que seja aceito. Para dificultar, a maior parte dessa imigração teve origem quando o Líbano ainda não era um país com suas fronteiras atuais consolidadas. Sua história tem mais de 7 mil anos, mas a independência tem pouco mais de 70 anos.

Uma estimativa de 2010 apontava 10 milhões de libaneses e descendentes por aqui. Há quem acredite que o número seja um décimo desse. Já no Líbano, hoje, a população é de cerca de 6,8 milhões de habitantes. E 20 mil desses são brasileiros.

De qualquer forma, a contribuição desses imigrantes e de seus descendentes para a formação e desenvolvimento do Brasil tem sido imensa, e em várias áreas, principalmente em atividades urbanas, do comércio à medicina, passando pela advocacia.

No Líbano, a capacidade de reconstrução sempre pareceu ilimitada, em vista dos precedentes históricos. A resiliência e capacidade de superação são uma inspiração. É um povo que renasceu das cinzas diversas vezes.

Com amplo apoio e solidariedade, que já se organiza, irá se reerguer novamente.

Mas essa tragédia deve servir também de alerta para além das fronteiras libanesas, inclusive para nós. As investigações iniciais indicam que a explosão foi causada pelo armazenamento inapropriado de 2,7 mil toneladas de nitrato de amônio, matéria-prima usada em fertilizantes e em explosivos.

Como grande produtor agrícola, o Brasil usa muito nitrato de amônio. Em 2019 importamos cerca de 1,2 milhão de toneladas. Outras 500 mil foram produzidas aqui. Quase 630 vezes o volume da explosão libanesa. É verdade que o composto sozinho não apresenta perigo, mas isso muda quando submetido a altas temperaturas. Já tivemos acidentes semelhantes em menor escala em São Paulo e em Santa Catarina. O mesmo produto foi responsável pelo mais mortífero acidente industrial nos EUA, em 1947. E também foi usado no atentando de Oklahoma, em 1995.

Espera-se que as autoridades responsáveis pela fiscalização de material com componente explosivo, o Exército, tenham mapeado onde esse material é armazenado e se certificado das condições adequadas de segurança.