Por O Dia
Em tempos da emergência do movimento “Vidas Negras Importam” e de uma luta justa contra o racismo estrutural e histórico, o Pleno do Conselho Federal da OAB anunciou a criação, esta semana, do Prêmio Luiz Gama. A idéia é homenagear duas pessoas e uma entidade que se destaquem em suas atividades "na defesa e na promoção da igualdade, da Justiça social e da dignidade da pessoa humana e no combate ao racismo e às desigualdades raciais, sociais e regionais”.

Figura excepcional e, infelizmente, ainda pouco conhecida, Luiz Gama (1830-1882) já foi personagem de uma coluna minha aqui no Dia (Detalhe que a grafia de seu nome muda de acordo com a fonte). Mas sua vida, seu exemplo e sua luta, ainda não são conhecidos como deveriam. Advogado negro, é um dos grandes pensadores e intelectuais do Brasil no século 19. Ajudou a libertar centena de escravos. Sua formação foi autodidata e, em 2015, a OAB lhe concedeu oficialmente o título que já era seu de direto.

A mesma reunião do Conselho Federal da OAB que decidiu pela criação do prêmio também tomou outra decisão importante. Proposta pela Comissão Nacional de Promoção de Igualdade, a autodeclaração de cor e raça passa a ser requisito obrigatório para a inscrição na Ordem. A ideia é finalmente ter dados sobre a representação racial no sistema OAB e, dessa forma, a instituição ter embasamento para implantar políticas de ações inclusivas, que promovam a igualdade e combatam o racismo de forma mais eficiente.

Tão ou mais importante do que o prêmio da OAB é o lançamento de uma coletânea de escritos inéditos de Luiz Gama reunidos em “Lições de Resistência - Artigos de Luiz Gama na Imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro” (Edições Sesc), lançado pela doutora Ligia Fonseca Ferreira, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ela já publicou dois outros livros sobre Gama, com poemas, artigos e cartas.

A coletânea abarca 61 textos inéditos e artigos para os jornais, publicados nos 18 últimos anos de vida de Gama. Há cartas endereçadas a personalidades, como Ruy Barbosa.

A história de Gama é digna de um filme, tantas foram as reviravoltas e os episódios incríveis. Filho de uma africana liberta, foi vendido como escravo pelo próprio pai, um português, quando tinha 10 anos. Assim permaneceu por 8 anos até conseguir provar que havia nascido livre e ser alforriado.

Gama se tornou advogado, jornalista, poeta e escritor. E, mais importante, resolveu dar voz a quem não tinha, se tornando um dos primeiros abolicionistas negros do país, como destaca a doutora Ligia.

Em entrevista à jornalista Denise Mota, a doutora Ligia fez observações importantes. “A leitura de seus escritos é de surpreendente atualidade. Há mais de 150 anos, ele denunciou a corrupção sistêmica e a impunidade. Dissecou como funcionava a ‘justiça para negros’ e a ‘justiça para brancos’. Dedicou um cuidado especial ao trabalho e à honra das mulheres negras”.

E ela continua: “Acredito que, se estivesse vivo hoje, o jornalista e ativista Luiz Gama estaria na linha de frente de movimentos como ‘Vidas negras importam’, da defesa dos direitos humanos. Como filho de uma ‘estrangeira’ que foi deportada, sua atenção se voltaria igualmente para a situação de imigrantes e refugiados no Brasil.”