O reconhecimento fotográfico como base para o aprisionamento preventivo é um problema histórico no sistema penal brasileiro. A OABRJ, por meio de sua Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ), desde o ano passado tem, com o apoio da direção da Ordem, liderado uma campanha denunciando os equívocos e injustiças cometidos por essa prática.
Divulgado esta semana, um levantamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro feito em 10 estados revelou que 60% dos casos de reconhecimento fotográfico equivocado resultaram na prisão preventiva de inocentes. Uma prática que tem punido majoritariamente jovens negros (mais de 80%, segundo o mesmo estudo). É um costume sem base no ordenamento legal que reforça o racismo estrutural que deve ser combatido.
Entre os casos estudados no levantamento, a média de tempo de encarceramento foi de 9 meses. Imaginem a brutalidade de um inocente ir para a cadeia, ser privado do convívio com familiares e amigos, do seu trabalho, da sua rotina diária.
É uma realidade que foi denunciada na campanha “Justiça para os Inocentes”, iniciativa da CDHAJ com o Coletivo 342 Artes e com a Mídia Ninja que contou alguns dos casos acompanhados pela comissão. Uma das histórias foi a do produtor cultural Angelo Gustavo Pereira Nobre, 30 anos, “identificado” por uma foto no Facebook. Ele foi solto no último dia 31 de agosto. Passou um ano preso injustamente acusado de participar do roubo de um veículo ocorrido há sete anos. No momento do crime ele estava em uma missa.
Nas duas últimas semanas dois outros casos rumorosos vieram à tona. O cientista de dados e funcionário da IBM, Raoni Lázaro Barbosa, 34 anos, ficou 23 dias preso ao ser confundido com um miliciano da Baixada Fluminense.
Na segunda-feira, dia 13, foi a vez do motorista de aplicativos Jeferson Pereira da Silva, 29 anos, ser solto após seis dias encarcerado. A prisão preventiva foi decretada com base em uma foto 3 x 4 de quando ele tinha 14 anos.
Um dos maiores problemas desse tipo de identificação é que fotos de pessoas sem qualquer histórico criminal costumam ser adicionadas aos álbuns de reconhecimento de suspeitos. Foi o que ocorreu com o músico Luiz Carlos Justino, preso em setembro do ano passado. A pedido da OABRJ o juiz André Luiz Nicolitt determinou a retirada da foto do músico do álbum com um questionamento pertinente. “Por que um jovem negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia, inspiraria ‘desconfiança’ para constar em um álbum? Como essa foto foi parar no procedimento?”.
Diante da mobilização gerada pelas campanhas mostrando o absurdo dos casos, o Conselho Nacional de Justiça criou há duas semanas um grupo de trabalho com 26 membros, incluindo magistrados, representantes da OAB, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da segurança pública para regulamentar diretrizes e protocolos para o reconhecimento pessoal e tentar criar mecanismos que minimizem erros judiciários graves.
Será um passo importante para a melhoria do sistema judiciário e para o combate ao racismo estrutural se essa prática for abolida.
Luciano Bandeira é presidente da OABRJ