Imagine a violência e a humilhação de ser arrancado do seu espaço de trabalho pela polícia, com um mandado de prisão em seu nome, sendo você inocente, sem ter a menor ideia do motivo pelo qual está sendo levado. Depois, você descobre que foi acusado de ser filho de um traficante de drogas detido em 2018 e ajudaria seu pai nas operações criminosas, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Mas você não tem antecedentes criminais, trabalha com carteira assinada, tem residência conhecida e ainda mora em outra cidade, a 200 quilômetros do local. Por um azar, seu pai é homônimo do traficante.
Isso ocorreu em Macaé no dia 4 deste mês com o assistente de logística Vinícius Matheus Barreto Teixeira, de 21 anos.
Antes do mandado de prisão ser expedido, contudo, ainda em 2019, a 4ª Vara Criminal de Niterói reconheceu que Vinícius Matheus não era a pessoa procurada, que as certidões de nascimento não coincidiam. Havia, portanto, um erro de identificação. Mesmo assim, o mandado de prisão foi expedido. E pela mesma vara criminal que reconheceu o equívoco. Vale ressaltar que a identificação e qualificação de todo e qualquer investigado é obrigação da Polícia Civil e deve ser confirmada pelo Ministério Público, titular da ação penal por previsão constitucional, quando do oferecimento da denúncia. A despeito do erro, Vinícius Matheus foi enviado para o Complexo Prisional de Benfica.
É uma situação kafkiana. O adjetivo derivado do escritor de origem judaica-alemã Franz Kafka, morto há um século, serve aqui. O termo pode ser empregado para situações burocráticas irracionais que opressivamente afetam um indivíduo que não tem forças para se defender de modo adequado. O judiciário brasileiro está cheio de histórias dignas de Kafka, cem anos depois de sua morte.
A privação de liberdade é um instrumento importante e de suma gravidade. É a maior pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro. A prisão deve ser usada apenas quando necessária, não de modo corriqueiro, como muitas vezes ocorre. E nunca sem provas absolutamente contundentes, para não prejudicar inocentes. Nas superlotadas prisões brasileiras sobrevivem amontoadas dezenas de milhares de pessoas que nem tiveram direito a um julgamento.
Esse poderia ter sido o destino de Vinícius Matheus se não fosse a ação diligente de seu advogado. Ele ficou preso por nove dias. Foi libertado graças à determinação e ao empenho do advogado Daniel Augusto de Carvalho. O empenho de profissionais como ele, que lutam pela Justiça, pelo devido processo legal, pela garantia de defesa, são a base do Estado Democrático de Direito no nosso país.

A Comissão de Direitos Humanos da OAB acompanhou o caso e tem auxiliado o advogado Daniel Augusto de Carvalho. Eu já externei publicamente minha indignação com o ocorrido. Imagine a dor e a angústia do rapaz, dos pais, dos amigos dele, com tamanha violência injustificável. Vamos nos pôr no lugar dele e de sua família. Imaginem se isso ocorresse com um filho, um sobrinho, alguém próximo. A injustiça contra um inocente deve tocar a todos nós, como sociedade. E devemos lutar para impedir a repetição de casos assim.
Em apoio ao advogado Daniel Augusto de Carvalho, a OABRJ entrou no caso oficiando o pedido de arquivamento do processo, já que o pedido de prisão foi feito com base em um erro crasso de identificação.
Erros crassos de identificação têm ocorrido com inaceitável frequência em processos judiciais, infelizmente. Cabe ressaltar que o trabalho da Comissão de Direitos Humanos da OABRJ, na campanha “Justiça para os Inocentes”, denunciando os erros de identificação motivados por reconhecimento fotográfico, levaram os tribunais superiores ao entendimento que essa prática não pode ser o único elemento a embasar uma prisão.
Luciano Bandeira é presidente da OABRJ