Menos conhecida do que se deve, Myrthes Gomes de Campos é uma figura de extrema importância na advocacia brasileira e na luta pelos direitos femininos. Nascida em Macaé em 1875, ela se formou em 1898 na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Tornou-se a primeira mulher formada em advocacia a exercer a profissão, abrindo espaço em um ambiente exclusivamente masculino, profundamente elitista e machista. Ela lutou pela emancipação jurídica, igualdade entre os cônjuges, pelo voto feminino, pelo direito ao divórcio e ao aborto.
Um então desembargador se opôs a aceitar que Myrthes exercesse a profissão alegando que a advocacia era "ambiente impróprio para o sexo frágil". Felizmente a opinião do desembargador não prevaleceu e Myrthes estreou no Tribunal do Júri em setembro de 1899. Defendeu um homem acusado de lesões corporais. E conseguiu absolver seu cliente. Mesmo assim, demorou muito tempo para que ela fosse reconhecida pelo órgão de classe. A resistência a ela foi forte dentro da advocacia também. Atualmente, o dia 15 de dezembro marca o Dia da Mulher Operadora de Direito e lembra o percurso de Myrthes. Seu legado é importante, deve ser preservado e ampliado.
O caminho de nossa sociedade rumo à igualdade de gênero tem sido longo, acidentado e cheio de percalços. Myrthes abriu o caminho para milhões de mulheres que vieram depois, na advocacia e fora dela. Nas últimas décadas foram feitos avanços, mas há ainda uma sensação, correta, de que temos muito a percorrer. A luta contra a desigualdade de gênero não é exclusiva das mulheres, mas de toda a sociedade —como deve ser o combate a todas as injustiças.
A pesquisa Global Gender Gap Report 2021 do Fórum Econômico Mundial, que mede a desigualdade na questão de gênero, colocou o Brasil na 93º posição entre 156 países. O relatório avalia quatro áreas: participação econômica e oportunidade; realização educacional; saúde e sobrevivência; empoderamento político. Na América Latina ocupamos a 25ª colocação, a penúltima. Um desempenho que envergonha.
No campo do Direito também há muito a ser feito. A presença das mulheres nos tribunais ainda é proporcionalmente tímida, por exemplo. Na advocacia, o aumento da participação feminina não seguiu a mesma velocidade nos quadros da Ordem.
Como forma de impulsionar esse processo, recentemente foram tomadas algumas decisões históricas. A OABRJ inovou entre as seccionais ao criar uma Diretoria de Mulheres para tratar das questões específicas que dificultam o exercício profissional de advogadas. Fomos também pioneiros ao instituir a obrigatoriedade da presença de mulheres como palestrantes ou debatedoras na composição das mesas de todos os eventos realizados por nós. Recentemente o Conselho Federal fez o mesmo e foi além, determinando a paridade nas chapas eleitorais em todas as seccionais do Brasil.
A chapa recém-eleita na OABRJ tem Ana Tereza Basílio como vice-presidente e Monica Alexandre Santos como secretária adjunta. A participação das mulheres à frente das subseções também aumentou. Passam de 15 no atual triênio para 19 em todo o estado, na capital (Méier, por exemplo) e no interior (como São Gonçalo, Volta Redonda e Nilópolis). Uma advogada irá presidir justamente a subseção de Macaé, terra de Myrthes.
No resto do Brasil houve uma marca histórica. Teremos cinco seccionais comandadas por mulheres, as de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Bahia e Mato Grosso. Desejo sorte e bom trabalho a minhas colegas fluminenses e as de outros estados nesse caminho aberto por Myrthes Gomes de Campos.
Luciano Bandeira é presidente da OABRJ