Cauã Reymond interpretando D.Pedro I no filme "A Viagem de Pedro"foto de divulgação

Nem só eventos associados à política marca a agenda do bicentenário da Independência. Além das programações governamentais e da oposição, temos ainda o coração de Don Pedro I pulsando perdido no meio da polaridade em torno das disputas eleitorais. O órgão preservado e emprestado por Portugal cai no meio de um turbilhão contando com a presença do presidente do país “descobridor”, Marcelo Rebelo de Sousa.
No entanto, fora do fervor do caldeirão partidário, comemorações culturais e históricas preenchem o calendário em torno do Sete de Setembro.
Como tirar seu Passaporte da Independência
Alguns até anteciparam a data, como a inauguração da reprodução do caminho percorrido por D. Pedro I durante o processo de Independência.  A Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro e o Consulado Geral de Portugal lançaram, no início do mês, a reprodução digital com uma visita guiada a nove espaços e monumentos que foram palcos de grandes momentos para a formação da República.

A jornada do “Passaporte do Bicentenário” começa com a chegada da colônia portuguesa, passa pelos reinados de D. Pedro I e D. Pedro II, o fim do período imperial, e encerra no primeiro centenário da Independência, em 1922.
Entre os locais recomendados à visitação, estão a Praça XV, Estátua Equestre de D. Pedro I, Academia Brasileira de Letras, Cais do Valongo e o Campo de Santana (todos no Centro). Tem ainda, os Caminhos de Minas (entre Duque de Caixas e Miguel Pereira), as Fazendas do Café (na região do Vale do Paraíba), o Museu Imperial (em Petrópolis) e a Estação Ferroviária de Barra Mansa.
"Durante quase dois séculos, a capital do Brasil foi aqui, no Rio de Janeiro. O nosso 'Passaporte do Bicentenário' fala muito sobre o processo de Independência, com marcas deste período histórico espalhadas por todo território fluminense."- explica a secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, Danielle Barros.
A versão online está disponível pelo link: http://cultura.rj.gov.br/
Refazendo o retorno de Pedro pelo Atlântico
O filme estrelado por Cauã Reymond também entra em cartaz nos cinemas como parte do calendário temático. A produção de Laís Bodanzky narra o retorno do Imperador para Portugal. O roteiro foca na mente do homem Pedro atormentado por dúvidas, medos, culpas e contradições.
"Era um D. Pedro que gostava de ficar com os empregados, mas que eram escravos e achava que não era racista, mas era. Acho que a gente tem um Brasil que está bem contraditório também" - comparou o Cauã Reymond na pré-estreia do longa-metragem. 
A história se passa durante a travessia para a Europa, quando, mesmo doente, D. Pedro segue para lutar contra seu irmão, D. Miguel, Rei de Portugal, que usurpou seu trono. O filme convida a uma reflexão para que a comemoração da Independência seja contextualizada e não interpretada de forma isolada como ensinam alguns arcaicos livros de história.  

Justiça seja feita
O Museu da Justiça participa das comemorações através do Catálogo Virtual da Nobreza.
A pesquisa reúne informações biográficas de membros da família imperial e de detentores de títulos nobiliárquicos, como duques, marqueses e condes.
Ainda dentro das celebrações, no dia 9 de setembro (sexta-feira), o Museu da Justiça promove concertos no Rio de Janeiro, em colaboração com o Conselho de Minerva, em cidades de Portugal, como Porto, Lisboa e Extremoz.
Ainda do outro lado do Atlântico
A “Casa do Brasil - Terras de Cabral”, associação luso-brasileira, comemora com um jantar no restaurante Alambique, no Concelho do Fundão, em Portugal. A entidade foi criada há dois anos e tem trabalhado na defesa cultura e história da comunidade brasileira na região, além do apoio aos empresários que querem trabalhar e investir nos dois países.
O evento conta com três convidados significativos: Paulo Porto Fernandes - que foi o primeiro luso-brasileiro eleito como Deputado da Assembleia da República portuguesa; Acácio Pereira - presidente da Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e Aristides Gomes - que por três vezes, foi primeiro-ministro da Guiné-Bissau.
“Visa festejar a lusofonia. África, Brasil e Portugal, sentados na mesma mesa, mostrando que o nosso passado comum mantém vínculos fortes. Uma história que tem períodos controversos, mas que, na generalidade, é um exemplo para o mundo. Pois ainda conseguimos caminhar juntos para o futuro. Nem todos os países podem dizer isso. Devemos ter um sentimento de orgulho!”, defendeu Morgado.

Por aqui, tudo acaba em samba
O Bicentenário pauta o musical “A História do Brasil contada e cantada em enredos", afinal, esse tipo de samba é o verdadeiros difusor popular dos acontecimentos passados. São temas que muitos não assimilaram na escola, mas que tomaram conhecimento sobre esses fatos graças aos desfiles de carnaval. Entre eles: os movimentos pela independência, personagens como Tiradentes, a luta dos negros escravizados, os movimentos abolicionistas e republicanos, e até mesmo fatos mais recentes como os anos de chumbo e a redemocratização.

Esse espetáculo não poderia ser apresentado em espaço mais apropriado do que Centro Cultural João Nogueira, o popular Imperator, no Méier. Sobem ao palco consagrado, no dia oito, cantores de gerações diferentes: Paulo Luiz, Rixxa e Eraldo Caê com ingressos entre R$ 5 e 10
No repertório estão sambas que são verdadeiras aulas de história, como: “Heróis da liberdade” (Império Serrano, 1969), “Sublime pergaminho” (Unidos de Lucas, 1968), “100 Anos de liberdade, realidade ou ilusão” (Mangueira, 1988), “Kizomba, a festa da raça” (Vila Isabel, 1988), “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós” (Imperatriz Leopoldinense, 1989).
“Será uma oportunidade para lembrarmos de sambas antológicos do carnaval carioca e fazer uma viagem pela saga do povo brasileiro na luta por liberdade” - explica o idealizador Márcio Marques.
Em parceria com o bloco carnavalesco O Remédio é o Samba, que vem trabalhando com memória do carnaval, o evento conta ainda com o professor e compositor André Diniz, o maior vencedor de sambas-enredo na Unidos de Vila Isabel.

Música da Independência
A pesquisadora Rosana Lanzelotte, resgata a faceta desconhecida do compositor D.Pedro I, autor do Hino da Independência. A obra musical do Imperador é bem mais ampla e pouco conhecida do público. Ele também foi um forte incentivador da arte. Durante o período da Independência, pela primeira vez no Brasil, foram compostas obras sinfônicas e de câmara. Nessa época, e por meio da liderança política de D. Pedro I, a música teve participação decisiva no processo de construção do Brasil.
A turnê da “Música da Independência” inicia neste feriado pelo Museu Imperial de Petrópolis, se estendendo pela primeira quinzena de Setembro. Depois, segue pelo Centro Carioca Artur da Távola - na Tijuca (dia 8), Teatro Ipanema (dia 15), Centro Cultural Profª Dyla Sylvia - na Praça Seca (dia 16). Os espetáculos são gratuitos e abertos ao público.

Páginas da Independência
Entre as obras literárias alusivas, duas de destacam. "E Deixou de Ser Colônia" reúne artigos de renomados pesquisadores, entre eles, o organizador João Paulo Pimenta. Os documentos contextualizam o processo que conduziu o país a se desvincular de Portugal. Alguns dos temas abordados são: a crise do Antigo Regime, a relação entre os povos indígenas, o processo de independência e a situação dos negros escravizados no Brasil Império.

A outra é “Meu adorado Pedro”, da escritora Vera Moll em que mostra o papel fundamental na política da mulher do monarca. O livro desmistifica a imagem retratada da imperatriz do Brasil, frágil, submissa, sofredora e conformada com as traições do marido, inclusive o emblemático relacionamento com Domitila de Castro, a Marquesa de Santos.
As páginas retratam uma mulher à frente de seu tempo, inteligente, estrategista, culta, generosa, amada pelo povo e que teve um papel fundamental no processo de independência.
“Durante os anos em que estive na escola, a Princesa Leopoldina nunca foi mencionada. Se ela foi menosprezada e esquecida pelos historiadores, não surpreende que a ausência marcada nos currículos, seja fruto do machismo estrutural da sociedade. E à medida que a mulher assume o papel de cidadão, ela se faz presente”, conclui a autora.