Anitta: cantora, compositora e empresáriafoto de divulgação

A música tem sido um bom canal para veicular o empoderamento feminino. Porém, o que as letras pregam, nem sempre é o que seguem internamente neste mercado. O Brasil é dito como o país das cantoras. Não faltam ícones em todas as gerações de vozes, entre elas: Carmem Miranda, Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida, Ângela Maria, Nara Leão, Clara Nunes, Elis Regina, Maria Bethânia, Ivete Sangalo, Anitta, além da grande ausência física sentida recentemente, Gal Costa.
No entanto, não necessariamente somos a nação das autoras. Uma verdadeira dicotomia: Por que num celeiro de vozes femininas, temos tão poucas compositoras gravadas? Machismo? Esse questionamento é baseado em um estudo que revela: dentre os 100 maiores arrecadadores de direitos autorais, apenas 13 são mulheres!
“Posso afirmar que, infelizmente, dentro de nosso universo musical, ainda temos de enfrentar e lutar contra a misoginia e o machismo”, analisa Laura Finocchiaro- com conhecimento de causa diante de seus mais de 40 anos de atuação.

Não é que não existam ou não tenham significância, muito pelo contrário. O que faltam são oportunidades iguais. Correndo a linha do tempo, não podemos esquecer de talentos para escrita musical como: Chiquinha Gonzaga, Dolores Duran, Teresa Tinoco, Isolda, Suely Costa, Marina Lima, Adriana Calcanhoto... e muitas outras.
Porém, mesmo com tantas evoluções e vitórias no mundo, no campo artístico ainda existem diversas lutas pela frente.
“Ao longo destes ininterruptos anos de prática na profissão, percebo que as mulheres são mais bem vindas no lugar de intérpretes do que compositoras, técnicas ou instrumentistas” resume Laura.  
Discriminação
Para Sarah Maria, que foi seguir carreira na Europa, é evidente a diferença do espaço aberto no campo vocal em comparação  com o autoral.
“A mulher sempre será hiper sexualizada pela sua performance, mesmo não sendo o intuito do trabalho. Então, quebrar essa imagem e ideia de que para fazer sucesso precisa expor o corpo é um dos maiores obstáculos de uma mulher dentro do meio musical”, explica.
A sambista Luana Gaudy joga ainda mais lenha nessa fogueira atribuindo que o machismo pode vir das próprias pares.
"Quero dizer que até as mulheres são 'machistas' nesse sentido. Não acreditam ou não querem dar moral para outra mulher. As cantoras consideram que seria uma rivalidade gravar músicas de mulheres."
Para Paula Mattos esse bloqueio pode ser rompido pelas próprias artistas abrindo mais espaços para as composições femininas.
"Vou gravar um DVD agora e, fiz questão de que a grande maioria do repertório seja composto por mulheres, entre elas, Waleria Leao, Rayane e Rafaela, eu. Enfim, pra mim, meu melhor repertório até aqui".
Telma Tavares, uma das mais gravadas pela cantora Alcione, atribui também como agravante do quadro, a tendência atual dos autores estarem registrando vocalmente suas próprias obras, o que não muda no universo feminino.
“Eu tive oito gravadas pela cantora Alcione, porém, já mandei músicas para diversos cantores homens e, por enquanto, não obtive êxito”- testemunhou.
Essa percepção manifestadas pelas entrevistadas por nossa Coluna é comprovada pela pesquisa da União Brasileira de Compositores que aponta que cerca de 80% das artistas mulheres já declararam que sofreram algum tipo de discriminação no cenário musical.
"Infelizmente o mercado ainda está nas mãos de homens, na maioria brancos, que decidem quem é quem no mainstream. Não basta a qualidade, nem a competência artística. Depende do lobby, do gênero, da classe, da cor..." - desabafa Laura Finocchiaro.
O mesmo relatório informa: dentre os 100 maiores arrecadadores de direitos autorais, apenas 13 são mulheres que recebem apenas 9% de todo o montante dos valores recolhidos. Ou seja, ainda existe um efeito concentrador nas contas de poucas. Isso indica que é preciso uma democratização de todas as etapas da indústria musical.
“Fazer música não é só gravar, masterizar e subir na plataforma. Isso exige tempo, dinheiro, dedicação e coisas que vão além da voz. O mercado musical precisa amadurecer e valorizar. Muitas que hoje, como a Anitta, começaram bem simples e estão construindo uma linda história”, salienta Sarah.
ECAD
A nossa coluna teve acesso a um compilado de sondagens colhidas por sete associações que compõem o ECAD intitulado “O que o Brasil ouve – Edição Mulheres na Música" em que essas dificuldades aparecem evidenciadas através de vários números. Em 2021, foram distribuídos R$ 901 milhões em direitos autorais e deste valor, as mulheres receberam apenas 7%.
"Os dados apontam para um longo caminho a ser percorrido em prol de uma total igualdade de gênero nesse mercado, mas é fundamental ter um estudo que apresente a relevância e a participação da mulher” – sintetiza Isabel Amorim - superintendente executiva do Ecad.
A arrecadação entre elas vem aumentando, mas ainda de forma muito lenta. Apesar da presença esmagadora dos homens, a força feminina dobrou de 2020 para 2021, saltando de 2% para 4%.
Entre as mais executadas:

Das cem mais ouvidas no ano passado, apenas 27 trazem mulheres na assinatura. Entre os 19 nomes que aparecem, o destaque é Lari Ferreira. A dona das populares “Eu sei de cor”, “Vidinha de balada” e “Romance com safadeza”. está presente neste ranking com  oito registros.
Em seguida, empatadas com 3 canções: Anitta, a dupla Day & Lara, Dayane Camargo e Lara Menezes. As demais,  aparecem uma única vez: Lea Magalhães, Maraísa, Marcia Araújo, Simaria, Simone, Paulinha Gonçalves, Iza, Waléria Leão, Fernanda Mello, Wynie Nogueira, Paula Mattos, Vanessa da Matta, Valéria Costa, Izabella Rocha e Gabriela Melim.
Tocadas no Rádio e na TV
A pesquisa ainda sinaliza que, embora ainda em números muitos tímidos, o segmento que mais abre espaço para elas é o de execuções nos meios de comunicação tradicionais. Nas emissoras de rádios,  conseguiram 30,9% em canções veiculadas. Em seguida, figurando no segundo e terceiro lugares, aparecem a TV aberta - com 16,3% e a TV Fechada - com 12,7%. Porém, ainda numa inegável porcentagem desproporcional.
“Lembro que quando assinei a autoria e arranjos de diversas composições para o programa infantil 'TV Colosso' para a Rede Globo, nos anos 90, mexi e causei transtorno nas gravadoras e nas editoras que se mostravam surpresas pelo fato de ser uma mulher que estava no comando, compondo e produzindo novos sucessos infantis"  recorda Laura Finocchiaro

Exclusão feminina em eventos ao vivo

Na outra ponta, entre os segmentos em que as mulheres menos recebem recursos de arrecadação por  execução de suas obras, são os eventos presenciais: Festas Juninas 0,5%, Música ao Vivo 0,8% e Carnaval com 1,2%

Falando no samba...
Neste ramo, a situação não é diferente. Muita luta e dificuldade sofreram as desbravadoras Dona Ivone Lara e Lecy Brandão para conseguirem furar o bloqueio entre os compositores das tradicionais Império Serrano e Mangueira. E mesmo assim, com talentos incontestáveis e muitas de autorias fora dessas agremiações, não conseguiram emplacar, na mesma proporção, sambas-enredos entre os finalistas para serem levados para a avenida. E não abriram as porteiras, com o ingresso fácil, para outras mulheres nas alas de compositores que continuam com o cast predominantemente masculino nas Escolas de Samba
“Vide Dona Ivone Lara, que rompeu barreiras mas era uma gestora familiar dedicada e trabalhava para sustentar sua casa, para aparecer como compositora usava o nome do primo que se dizia autor da música e por aí foi até conseguir transcender. Ainda hoje, mesmo uma mulher sem marido ou filhos que se aventura como autora, tem que mostrar muito empenho e suar muito pra ter acesso” - ressalta Telma Tavares.

Sertanejo também machista
Mesmo tendo sucessos emplacados por ícones como Marília Mendonça, Gusttavo Lima, Maiara & Maraisa e Wesley Safadão, a compositora Paula Mattos acredita que só uma forte união delas pode quebrar esse bloqueio mercadológico.
"Quando Marília, Maiara e Maraisa e eu, estávamos em um grande momento de composição, nos juntávamos para fazer músicas, nosso movimento do chamado “feminejo” aconteceu porque lançamos juntas, cada uma com sua verdade, cada uma participando do repertório da outra. Isso abriu caminho para todas as mulheres que vieram depois de nós. Falta mais união das mulheres, se não unirmos o movimento, ele pode enfraquecer, pois perdemos nossa principal figura que era e sempre será a Marília, essa é minha opinião e uma busca que tenho, união".
Preconceito permanece mesmo após emplacarem sucessos

Apesar de muitas letras na bagagem, entre elas a assinatura do mega sucesso com o refrão "Toma 50 Reais", Waléria Leão acha que ainda tem muito o que lutar para equilibrar os espaços.
“Acredito que as compositoras que estão em evidência e se posicionam, contornam a situação constrangedora que a gente vive bastante neste meio, cheio de preconceito e exclusão. Você tem que ser muito macho, falando com um linguajar machista para peitar isso, insistir e ficar no meio, se posicionar e conquistar respeito. Então, existe a divisão, existe sim esse preconceito com as mulheres, com o "sexo frágil", como somos associadas na cabeça deles".
A situação das compositoras no Brasil não é muito diferente de outros seguimentos profissionais.
"O mercado fonográfico reflete o mesmo cenário do país, onde as mulheres estão presentes, mas ainda precisam ocupar mais cargos de liderança e assim, criar uma nova cultura e referências. Acredito já estarem ocorrendo mudanças e que em algum tempo, será possível enxergar isso também em números e que é nossa obrigação criar oportunidades para que isso ocorra", estima Tatiana Pelegrino, executiva da Warner Chappell Music Brasil.

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