Waldeck Carneiro - Reprodução
Waldeck CarneiroReprodução
Por O Dia
O deputado estadual Waldeck Carneiro, relator do impeachment de Wilson Witzel no Tribunal Misto, foi o nome de político fluminense mais citado da semana. Ao protocolar nesta quinta-feira (29), às 18h05, no Sistema Eletrônico de Informação (SEI) do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), o relatório do processo ele ganhou notoriedade. Ainda que ele diga que apenas chefiou uma equipe que se esforçou para preparar um relato dos fatos, sem um juízo ou posicionamento do relator, ainda assim, seu trabalho foi avaliado com rigor pelos seus pares e pela sociedade.. “Busquei restituir os principais fatos e etapas, desde o dia 27 de maio, quando a denúncia foi protocolada na ALERJ, até o momento em que o denunciado protocolou sua defesa prévia no Tribunal Especial Misto. Lembro que o relatório não é o voto”, revelou à imprensa. Nesta entrevista Waldeck Carneiro faz uma análise técnica da situação, mas também política. “O que mais chama a atenção é o contraste entre as promessas do então candidato Wilson Witzel (“nova política”, combate rigoroso à corrupção, gestão técnica) e a eclosão de escândalos de corrupção em seu governo, quando ainda estava completando um ano de mandato’, disse.

O que levou ao afastamento definitivo do governador Wilson Witzel?

Não se trata de afastamento definitivo, pois ele ainda não foi julgado conclusivamente. Seu afastamento decorre do recebimento da denúncia, pois, agora, será instaurado um processo e ele passa à condição de réu. Se for absolvido ao final do processo, retornará ao cargo. Se for condenado, aí sim, perderá, em definitivo, o cargo de governador. O atual afastamento vigora enquanto a ação penal estiver em curso.

O que mais chamou a atenção do senhor nas denúncias contra o governador?

O que mais chama a atenção é o contraste entre as promessas do então candidato Wilson Witzel (“nova política”, combate rigoroso à corrupção, gestão técnica) e a eclosão de escândalos de corrupção em seu governo, quando ainda estava completando um ano de mandato. Além do nítido loteamento político de áreas da administração estadual, que respondiam mais aos seus “caciques” políticos do que ao governador, como no caso da Cedae. Ou seja, tudo diferente do que ele anunciou na campanha. Também chama a atenção o fato de que se tenha aproveitado o contexto da pandemia para estruturar verdadeiro esquema de corrupção na saúde. Além de desonesto, é desumano.

A Assembleia Legislativa tinha conhecimento da gravidade das práticas criminosas no Governo Estadual?

A Alerj tomou conhecimento a partir das notícias veiculadas pela imprensa e do inquérito aberto no STJ, notadamente com aquele mandado de busca e apreensão determinado pelo ministro Benedito Gonçalves na residência do governador. A partir daí, ficaram evidentes as graves denúncias investigadas em operações como Placebo, Favorito e Mercadores do Caos.

Qual a sua explicação para se permitir ao Secretário Edmar e o sub, Gabriell Neves?

Não consigo compreender como alguém que assumiu o governo estadual, proclamando aos quatro ventos máximo rigor no combate à corrupção, tenha deixado correr tão frouxa a gestão de recursos muito expressivos em área tão sensível. Ainda não posso afirmar que há provas da conivência do governador Wilson Witzel com os desvios praticados por esses dois personagens, pois seria prematuro e leviano. Mas há indícios robustos, que merecem ser investigados a fundo. Por isso votei, como relator, pelo recebimento da denúncia, no que fui acompanhado por todos os demais membros do Tribunal Especial Misto.

Quanto o Estado foi lesado?

São mais de 20.000 mortos pela covid-19 no estado do Rio de Janeiro. Essa, sem dúvida, é a maior lesão. Os valores precisos ainda estão sendo apurados por investigações feitas pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público Estadual. Além disso, a Comissão Especial da Alerj, que investigou, com rigor, as contratações emergenciais feitas pela Secretaria de Estado de Saúde, durante a pandemia, revelou, em seu espesso e detalhado relatório, de autoria do deputado Renan Ferreirinha, que, em pouco mais de três meses, foram firmados 196 contratos, com 188 empresas ou organizações sociais, para contratação de serviços ou aquisição de produtos, perfazendo um total de despesas no valor de R$ 1,7 bilhão. Nem tudo é fraudulento, é claro, mas é justamente esse um dos fios das investigações em curso, ou seja, separar o joio do trigo: o que foi devidamente gasto e o que foi gasto de forma delituosa.

Qual a sua explicação para o estado do Rio de Janeiro ter tantos exemplos de casos policiais envolvendo seus governadores?

O Estado do Rio de Janeiro não valorizou, nesse mesmo período, os mecanismos de participação popular e o fortalecimento dos conselhos estaduais, dois potentes antídotos à corrupção. Quanto mais a sociedade civil, de forma organizada, participar da gestão pública, em especial da tomada de decisões sobre a execução do orçamento e de seu monitoramento, mais chances teremos de conter os casos de corrupção, superfaturamento e outros desvios. Também acho que, durante algum tempo, os órgãos de controle do Estado não foram suficientemente rigorosos, o que decerto estimulou os malfeitores. Ademais, certos gestores, com claros desvios éticos em sua formação, com o passar do tempo, deixam de distinguir os negócios públicos dos interesses privados, o que tende a desaguar em vários tipos de delito. Mais ainda: o exercício do poder dá a alguns a sensação de que se está acima da lei, acima do bem e do mal, o que também costuma redundar em fatos que vão parar nas páginas criminais. Outros apreciam levar vida nababesca, com ostentação e glamour: é um péssimo caminho. Enfim, é mesmo impressionante que, nos últimos vinte anos, todos os governadores efetivos do RJ tenham sido presos, afastados ou condenados, com a honrosa exceção da hoje deputada Benedita da Silva. 
Qual é a saída ética e moral para o Rio de Janeiro retomar o caminho da decência política?

Não há saída fora da democracia e da política. Problemas, questões e demandas coletivas devem ser equacionadas no debate democrático, transparente e plural. Só a política permite isso, no ambiente da democracia. Por isso, é muito importante que os partidos políticos sejam internamente rigorosos com a conduta de seus filiados. É também muito importante que a transparência na gestão pública e no exercício de mandatos parlamentares seja um valor consagrado, pois isso permite maior participação e controle por parte de cidadãos e cidadãs. As redes sociais abrem muitas possibilidades nesse sentido, embora também estejam poluídas pelas falsas notícias, que são igualmente desvios éticos e prejudicam a vida pública e as relações sociais como um todo. O que não ajuda? Impunidade, criminalização da política e a tentativa de pautar o ódio, a violência e a intolerância como mediadores das relações entre as pessoas. Dar valor à participação cidadã; empoderar os conselhos e respeitá-los como órgãos colegiados que integram o Poder Público e radicalizar na adoção de mecanismos de transparência são caminhos promissores, que merecem ser trilhados, mesmo sabendo, como nos ensinou Guimarães Rosa, que o caminho se faz é na caminhada.