A eleição municipal deste ano no Rio de Janeiro apresentou algo de novo?
A única novidade é o contexto de uma pandemia, fato inédito na nossa história eleitoral. A pandemia restringiu as tradicionais ações de campanha eleitoral (caminhadas, carreatas, passeatas), o que dificultou muito a vida dos novatos e outsiders, o que resultou em um menor índice de renovação na política carioca.
Qual a sua avaliação sobre a qualidade do trabalho dos institutos de pesquisa que avaliaram a intenção do eleitor este ano?
Se tomarmos como base as últimas pesquisas Datafolha e Ibope (14/11) e a pesquisa boca de urna do Ibope aqui no Rio de Janeiro, o índice geral de acerto foi de 95,3%, o que é uma taxa bastante alta.
Muitos medalhões da política criticam o grau de acerto das pesquisas. As reclamações, em geral, são justas?
A crítica dos políticos contra as pesquisas é tão antiga quanto as eleições. Muitos políticos acham que a simples divulgação de uma pesquisa faz com que os eleitores simplesmente mudem de voto porque o brasileiro, supostamente, só votaria em “cavalo que vai ganhar”. Esta afirmativa é falsa. Em 2008, fiz uma pesquisa com 2.000 entrevistas e 94% dos entrevistados disseram que não mudariam de voto se o seu candidato não estivesse bem nas pesquisas. Quanto ao grau de acerto, que é de 95,3%, os números falam por si mesmos.
O senhor foi um pioneiro na busca de dados por telefone. Quando o senhor introduziu esta prática foi muito criticado. O que mudou de lá para cá?
Em 2004, quando fundei o IBPS, apostei na pesquisa telefônica como uma forma de baratear o acesso à pesquisa por empresas e partidos políticos e porque percebi o avanço da telefonia móvel no Brasil. Hoje, temos 228 milhões de linhas de celulares para 211 milhões de habitantes. Em suma, a cobertura telefônica é total. Além disso, mudaram os meios de comunicação (a introdução do Whatsapp, Telegram, Dischord) e a forma de coleta de dados (formulários eletrônicos disponibilizados com links). Hoje, a pesquisa remota, na qual o entrevistador não está fisicamente próximo ao entrevistado, oferece total confiabilidade, cobertura e agilidade.
Falemos de política. O senhor lançará um livro sobre o bolsonarismo. A que conclusões o senhor chegou?
Na verdade, o núcleo de pesquisas que dirijo na Uerj, o Cebrad (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia) em associação com outros dois núcleos de pesquisa, está lançando dois livros: o livro "Brasil e as Eleições 2018", organizado por mim e pelo cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, e o livro "Bolsonarismo: teoria e prática", organizado por mim e pelo cientista político Carlos Sávio Teixeira, da UFF. No livro sobre as eleições de 2018, destacamos a singularidade daquele pleito, que reuniu conjunturas que provavelmente não se repetirão e que explicam a vitória de Jair Bolsonaro. No livro sobre o bolsonarismo, procuramos fazer uma ampla radiografia do movimento bolsonarista e das práticas do governo Bolsonaro, demonstrando seu caráter militante que se nutre de uma polarização fabricada e estimulada.
Alguns colegas seus, cientistas políticos, dizem que atualmente o carioca é conservador, mas não reacionário. O senhor concorda?
Sim, concordo. Hoje em dia, o Rio é uma cidade mais direitista que esquerdista. Pesquisa que conduzi em novembro de 2019 mostrou que 35% dos cariocas votariam em um candidato se soubessem que ele é de direita contra 28% que votariam num candidato se soubessem que ele é de esquerda. Na realidade, o apoio é a candidatos de centro-direita, não a ideologias extremadas.
O Rio já foi o berço da esquerda nacional. E hoje não é mais. O que aconteceu?
É fato que a esquerda não representa mais a principal força política da capital. Tomemos as três últimas eleições municipais e veremos que a esquerda perdeu mais de 128 mil votos entre 2012 e 2020. O número de vereadores eleitos variou de 10 (em 2012) para 11 (em 2020), o que representa 20% da Câmara. A esquerda não elege um prefeito desde 1989, com Marcello Alencar, pelo PDT. São muitas as razões, que vão das mudanças demográficas (o envelhecimento da população), sociais, econômicas, religiosas (aumento do número de evangélicos), à crescente importância do crime organizado na política da cidade, passando pela diminuição do número de sindicalizados e pelo peso menor dos funcionários públicos na cidade (perda de 12 mil postos entre 2010 e 2019).
O bom humor, inclusive na política, era uma marca do carioca. O povo perdeu esta característica?
A política anda mesmo menos engraçada em todos os sentidos. Por um lado, os últimos acontecimentos têm tirado o bom humor de todos. Por outro, a polarização e o “politicamente correto” têm diminuído o espaço para a piada. No entanto, a proliferação de memes mostra que esse espírito ainda está vivo no carioca.
O que esperar do segundo turno da eleição no Rio?
Tudo indica um grande favoritismo do candidato Eduardo Paes, que desponta com cerca de 70% das intenções de voto. Acho muito difícil para o prefeito Crivella superar suas altas taxas de rejeição e de reprovação do seu governo para se tornar competitivo em uma campanha de 15 dias.