Doméstica Selma Nascimento busca o paradeiro do filho  - Arquivo Pessoal
Doméstica Selma Nascimento busca o paradeiro do filho Arquivo Pessoal
Por Charles Rodrigues
O grito de uma mãe, desesperada, nunca é em vão. Assim como outras centenas de mães de filhos desaparecidos, a doméstica Selma Correa do Nascimento, de 46 anos, faz o apelo emblemático: “Por favor, quero o meu filho de volta. Precisamos de notícias. Minha vida parou”. Sob efeito de remédios, ela conta com a ajuda de familiares e amigos para encontrar o paradeiro do motoboy Rodrigo do Nascimento de Moraes, de 28 anos, que desapareceu, na noite do último dia 23 de agosto, após sair de casa para fazer uma entrega.
Morador da Baixa dos Sapateiros, no Complexo da Maré, na zona norte do Rio, Rodrigo é casado e tem uma filha de 1 ano. “É um menino trabalhador, cumpridor de suas obrigações. Um excelente filho, ótimo pai e marido. Moramos numa comunidade carente, mas somos dignos. Meu filho nunca se envolveu com nada errado. Veja bem: seu filho sai para trabalhar e não retorna. Isso é horrível. A família está arrasada. Já procuramos em todos os lugares. Ninguém tem notícias dele. Nós, mães, sofremos uma dor terrível. Parece que perdemos uma parte da gente”, desabafou a doméstica, que tem outros quatro filhos.
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Sumiço - De acordo com a família, Rodrigo desapareceu após sair em sua motocicleta para fazer uma entrega. “Era um domingo. O trânsito estava tranquilo. Ele deixou nossa filha comigo, no trabalho. Disse que iria fazer uma entrega e que retornaria em 20 minutos, mas não retornou. Não estava sofrendo ameaças. Era querido na vizinhança e não tinha problemas com ninguém”, contou a mulher do motoboy, Pâmela Nistaldo Araújo, de 20 anos, que protocolou um pedido à Comissão de Direitos Humanos na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).  
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“Registramos o caso na delegacia. Depois recebemos diversas informações. Uma delas de que ele teria sido morto e o corpo jogado num morro, na Ilha do Governador. Fomos à localidade duas vezes. Em uma delas fui sozinha. Implorei para falarem onde estava o meu filho e nada. Queremos dar fim a essa agonia”, ressaltou a mãe de Rodrigo. O rastreamento do aparelho celular do motoboy apontou sua última localização na Freguesia, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio. Foram feitas buscas no local, mas nada foi encontrado. A Delegacia de Descobertas de Paradeiros (DDPA) informou que as investigações estão em andamento e que diligências estão sendo realizadas para buscar informações que auxiliem na localização da vítima.
Violência - De janeiro a julho, deste ano, foram registrados 1.859 casos de desaparecimentos no Estado do Rio de Janeiro, conforme dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Segundo o mapa estatístico, algumas regiões da Zona Norte, Zona Oeste e Baixada Fluminense, onde predominam áreas de milícias e tráfico de drogas, apresentaram aumento de casos de desaparecimentos forçados, designados como a privação de liberdade executada por agentes do Estado ou por pessoas e grupos agindo com sua cumplicidade, seguida da recusa em reconhecer que o fato aconteceu e da negação em informar o paradeiro ou destino da pessoa. Nessas regiões, no recorte de dados, foram registrados 949 desaparecimentos, números maiores do que todo o resto do estado, que anotou 910 sumiços.
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Angústia e dor das famílias durante os desaparecimentos

Além da dor da ausência, enquanto ocorre o desaparecimento, as famílias precisam lidar com burocracias, desinformações e, em muitos casos, o despreparo das instituições. “Não é difícil imaginar a dor de uma mãe quando o filho desaparece. É um susto que levamos. Somos pegos de surpresa. Um turbilhão de emoções. Mas temos que agir e procurar a polícia e as instituições para nos ampararem”, ressalta Luciene Torres da Silva, presidente da Instituição Mães Virtuosas do Brasil, entidade que reúne mães de desaparecidos.
“Durante esse processo de busca, ficamos perdidos. Muitas das vezes somos tratados com chacotas e perguntas preconceituosas, quando não mandam voltarmos mais tarde, em desconformidade com a lei. Em outros casos, perguntam se sabemos de alguma coisa e transferem para as mães a responsabilidade da procura. Estou nessa causa há 11 anos, sei bem o que isto”, ressalta a militante.
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Luciene orienta as famílias que, em casos de desaparecimentos, procurarem uma delegacia mais próxima, o mais rápido possível. “A lei de busca imediata nos garante fazer o registro na hora. Não podemos esperar. Esse é o primeiro passo. Depois procurem a Delegacia de Descobertas de Paradeiros (DDPA) ou setores especializados em cada região, o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid), no Ministério Público do Rio de Janeiro, o Programa SOS Crianças Desaparecidas da Fundação da Infância e Adolescência (FIA) e o Setor de Prevenção e Enfrentamento ao Desaparecimento de Pessoas da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos. Eles podem fazer os cruzamentos de dados e evitar que fiquemos rodando a esmo”, acrescentou.