Luciana usa camisa com a imagem do filho, durantes as buscas  - Arquivo Pessoal
Luciana usa camisa com a imagem do filho, durantes as buscas Arquivo Pessoal
Por Charles Rodrigues
 “Amor de mãe pelo seu filho é diferente de qualquer outra coisa no mundo. Ele não obedece lei ou piedade, ousa todas as coisas e extermina sem remorso tudo o que ficar em seu caminho”. A frase, cunhada, no século passado, pela renomada e saudosa escritora britânica, Agatha Christie, poderia estar estampada nas camisas das centenas de mães, em todo Brasil, que lutam para encontrar seus filhos desaparecidos.
Em Belfort Roxo, na Região Metropolitana do Rio, a cuidadora de idosos Luciana Ferreira Lima, de 46 anos, incorporou os dizeres da romancista inglesa e também resolveu ousar. Largou o emprego, reordenou o orçamento da casa, montou um bazar e enveredou numa difícil missão: encontrar o filho caçula, Eduardo Lima Ricardo, de 24 anos, que é usuário de drogas, e desapareceu, há cinco meses.
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Incansável, Luciana sai, quase todos os dias, na companhia do marido, o porteiro Adilson Ricardo, 65, e das duas filhas, de 26 e 29 anos, por ruas, comunidades e pontos de uso de drogas, em diversas localidades do Rio de Janeiro. “Eduardo é usuário de drogas. Já frequentou diversas clínicas de recuperação. Sempre lutei para tirá-lo dessa vida. O fato de ele estar desaparecido, não me fará desistir. Escolhi essa missão porque acredito na recuperação do meu filho”, disse, emocionada, Luciana, que angaria dinheiro, com as vendas do bazar, para ajudar em sua causa.
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Sumiço - Eduardo desapareceu, no último dia 9 de abril, sem deixar vestígios. “Ele saía de casa, quase todos os dias, mas retornava. Estava se alimentando bem e tomava os medicamentos. Nesse dia, imaginamos que a rotina seria a mesma, contudo, Eduardo não retornou. Procuramos em diversos lugares, inclusive nos pontos de uso de drogas no Jacarezinho e Manguinhos. Enfrentei perigos, mas nunca desisti. Ainda tenho esperança de encontrar meu filho”, conta, a mãe, que, usando uma camisa, com a imagem do filho, continua fazendo distribuição e colagem de panfletos, na esperança de um reencontro. O caso foi registrado na 54ª DP (Belfort Roxo).
De janeiro a agosto, de 2020, foram registrados 2.133 desaparecimentos no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Belfort Roxo integra a Região Integrada de Segurança Pública (RISP3), que compreende a Baixada Fluminense, onde, no mesmo período, foram anotados 533 casos de sumiços. As áreas integradas compreendidas pela Capital, Zonas Norte, Zona Oeste e a Baixada Fluminense contabilizaram 1.476 casos, num total de 69% em relação ao total registrado em todo o Estado.
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Apoio da família e tratamentos clínicos adequados são fundamentais para prevenir ‘sumiços’ de usuários de drogas
A despeito das inúmeras adversidades enfrentadas pelas famílias de usuários de drogas, a psicóloga Alessandra Alves Soares aponta a desconstrução da culpa como um dos fatores preponderantes para iniciar o processo dos tratamentos clínico e terapêutico.
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“É fundamental as famílias compreenderem a dependência química como um problema de saúde. É um transtorno psiquiátrico que requer tratamento adequado e apoio social. Portanto, não existem culpados. Esse passo é importante para a família criar barreiras contra juízos morais, evitar estigmas relacionados aos usuários de drogas e se preparar, em muitos casos, para um longo caminho de tratamentos e recaídas”, explica Soares.

Desinformação e precariedade na comunicação entre instituições públicas e privadas dificultam buscas aos desaparecidos
Com 14 anos de experiência em Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e outras drogas (CAPS AD), a antropóloga Arlete Inácio dos Santos credita às fugas do lar e desaparecimentos, dos usuários de álcool e drogas, a inúmeros fatores. Inácio, no entanto, destaca os conflitos familiares, a desinformação e a precariedade da comunicação entre instituições como os principais entraves. “Muitas das vezes, os usuários saem de casa por conta da rejeição, conflitos familiares ou por iniciativa própria. Contudo, independente do período em processo, é importante que as famílias procurem apoio de especialistas particulares ou na rede pública, através dos CAPS AD, mesmo que seja à revelia dos usuários. Além do atendimento capacitado, médico e psicossocial, existem grupos de interações entre as famílias que auxiliam também, em muitos casos, no resgate e tratamento dessas pessoas”, explica Arlete.
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“Trabalhamos na ponta do problema. Visitamos as cenas de uso, em casarões abandonados, ruas e terrenos baldios. Existem centenas de casos de usuários de álcool e drogas que estão desaparecidos por desinformação e descaso das instituições públicas e privadas, que não se comunicam e desconhecem essas pessoas como sujeitas de direito”, alerta a antropóloga, que aponta a estratégia da redução de danos como tratamento mais viável para lidar com o problema.