Família procura estudante de Direito desaparecido na Baixada
Luis Phelipe Gomes, 31 anos, foi visto pela última vez, em uma estação de trem, em Belfort Roxo. Sumiços na região têm sido recorrentes e podem estar ligados a outros crimes, segundo especialistas
Por Charles Rodrigues
Há 15 dias, familiares e amigos realizam buscas em hospitais, institutos médico-legais, ruas e comunidades para encontrar o paradeiro do estudante de Direito Luis Phelipe Gomes da Silva, de 31 anos, que desapareceu, após sair de casa para se encontrar com um candidato a vereador, em Belfort Roxo, na Baixada Fluminense. Pai de três filhos, o estudante pretendia agilizar os últimos trâmites relativos à cirurgia de vasectomia, que seria agendada para os próximos meses.
De acordo com a família, Luis Phelipe não vinha recebendo ameaças ou reunia motivos iminentes para desaparecer. O estudante teria sido visto, pela última vez, na estação de trem de Belfort Roxo, onde, conforme registro das ligações telefônicas, fez contato com a mulher e a mãe, antes de desaparecer. Conforme familiares, a polícia solicitará, à Justiça, gravações das imagens da estação ferroviária e de comércios da região, para auxiliar nas buscas. O caso foi registrado na 54ª DP (Belfort Roxo) e encaminhado para o setor de Descoberta de Paradeiros da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), que deixa à disposição da população o telefone (21) 98596-7442 (whatsapp) e ressalta a importância da colaboração com informações e denúncias, com garantia de total anonimato.
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‘Nossa vida parou’
“Excelente filho, pai e amigo para toda vida”. Para a mãe, a autônoma Kátia Regina Gomes, de 52 anos, as boas credenciais de Luis Phelipe tornam o desaparecimento ainda mais misterioso. “Meu filho está feliz. Tem um relacionamento maravilhoso com sua companheira, quatro filhos lindos e uma enorme rede de amigos. Está estudando e sonha ser um advogado. De repente, sumiu. A família está abalada. Não dormimos mais. Estou à base de remédios. Nossa vida parou”, disse, emocionada, a mãe.
Para a mulher do estudante, Juliana Lorena Rey, de 23 anos, a dor da ausência aumenta quando passa a atingir os filhos. “As crianças perguntam pelo pai, todos os dias. Ele é muito presente, carinhoso e gostava de brincar com elas. Isso machuca muito, pois não temos respostas. Saímos todos os dias, em buscas de notícias sobre o paradeiro do Luis. Essa agonia vai nos corroendo aos poucos”, relata Juliana, que mantém uma relação de 3 anos com o universitário.
Sumiços recorrentes estariam ligados à falta de empenho nas investigações, segundo especialistas
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Entre as sete Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP), a Baixada Fluminense (RISP3) é a segunda com maior incidência de desaparecimentos no Estado do Rio de Janeiro, com 533 casos registrados, de janeiro a agosto, em 2020. No mesmo período, só foi superada pelas Zonas Oeste e Norte (RISP2), que anotaram 558 ocorrências. As duas regiões somam, aproximadamente, 50% do total registrado em todo o Estado, que totaliza 2.133 casos, conforme dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Para especialistas, o elevado número de ocorrências, nestas regiões, se deve, sobretudo, à falta de empenho nas investigações e às falhas nos processos em andamento na Justiça, que corroboram para a sensação de impunidade.
Para o sociólogo Adriano de Araújo, coordenador executivo do ‘Fórum Grita Baixada’, o cenário torna-se preocupante à medida que as autoridades ignoram os números relativos aos desaparecimentos, acumulando nas ‘gavetas’ as pautas de políticas públicas para a segurança. Araújo reitera, ainda, que, a exposição das famílias em busca dos desaparecidos, o medo de represálias e a ‘condenação social’ agravam ainda mais o problema dos sumiços na região.
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“Observamos com preocupação o aumento do número de pessoas desaparecidas. Basta uma rápida olhada nas redes sociais, para verificarmos a proliferação de avisos semanais sobre desaparecidos. São casos em que as famílias se expõem e tentam localizar a pessoa ou o corpo, fazendo apelos na Web. Por medo de represálias ou por temer uma ‘condenação social’, mesmo que proveniente das autoridades policiais, muitas delas acabam por não tornar pública a busca da pessoa ou, no pior dos cenários, do corpo”, explica o sociólogo.
Araújo chama a atenção também para exposição das famílias, que, em muitos casos, em meio à dor da ausência, usam meios próprios para procurar os desaparecidos. “Sem apoio das instituições e a indiferença da polícia, eles fazem todo o trabalho de divulgação do desaparecimento e realizam a ‘investigação’ sobre o paradeiro dos desaparecidos. Se, por acaso, o desaparecido tiver passagem pela polícia, as chances de busca são praticamente iguais a zero. Essas famílias são desestimuladas a prosseguir e se veem abandonadas à própria sorte. Outras sequer buscam a polícia, ao suporem o envolvimento de agentes públicos no próprio desaparecimento”, analisa o pesquisador.
Recorrência de ‘desaparecimentos forçados’
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De acordo com especialistas, a Baixada Fluminense ainda carece de políticas de segurança públicas eficazes para conter três dos principais problemas da região: o domínio do tráfico de drogas, o aumento da violência policial e a proliferação de milícias. Para o sociólogo Adriano de Araújo, os desaparecimentos forçados, por exemplo, aumentaram por conta do vácuo deixado pelas autoridades.
O desparecimento forçado de pessoas é definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) “como a privação de liberdade executada por agentes do Estado ou por pessoas e grupos agindo com sua cumplicidade, seguida da recusa em reconhecer que o fato aconteceu e da negação em informar o paradeiro ou destino da pessoa. Quando praticado de modo sistemático contra um segmento específico da população (movimentos políticos, membros de uma religião ou etnia) é um crime contra a humanidade, que não pode ser anistiado. Os tratados internacionais proíbem os desaparecimentos forçados em qualquer circunstância, mesmo durante guerras”.
“No contexto desses desaparecimentos, temos, também, casos de assassinatos, seguidos da ocultação do corpo. Em comum, temos a reincidência de ocorrências envolvendo jovens e adultos, homens negros e moradores de locais periféricos. Trata-se basicamente do mesmo perfil dos homicídios dolosos e dos mortos por agentes de estado em ações policiais nas mesmas áreas. Alguns pesquisadores, procuram estabelecer uma correlação entre a redução oficial do número de homicídios e o aumento desse tipo de desaparecimento, algo que seria mais fácil de compreensão caso tivéssemos uma categoria de pesquisa específica, correlacionando aos casos de desaparecimentos forçados; lembramos que sequer temos uma legislação específica sobre o tema, apesar de o Brasil ter se comprometido internacionalmente em trabalhar nessa direção”, explica o sociólogo.
Sem previsão para criação de delegacia especializada, Estado inaugurou núcleo para atendimentos às famílias de desaparecidos na Baixada
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Diante do apelo público, a Baixada Fluminense foi escolhida para sediar o primeiro núcleo de atendimento às famílias de desaparecidos, em todo o Estado. Capitaneada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, o centro de atendimento foi inaugurado, no último dia 1º de setembro, em Queimados. O núcleo oferece apoio jurídico, social e psicológico aos familiares dos desaparecidos.
"A Baixada Fluminense registra os maiores índices de desaparecimento de pessoas no Estado. Esse núcleo de desaparecidos é o primeiro do Brasil", ressaltou, na ocasião, o subsecretário de Estado de Direitos Humanos, Thiago Miranda.
A despeito da imprevisibilidade de criação da delegacia especializada, a coordenadora estadual do setor de Prevenção e Enfretamento aos Desaparecimentos de Pessoas, Jovita Belfort, credita à criação do núcleo um passo importante para atenuar o sofrimento das famílias de desaparecidos na Baixada Fluminense.
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“São centenas de famílias que precisam de uma escuta qualificada e orientações para auxiliá-las nos trâmites relativos aos casos de desaparecimentos. Enquanto lutamos pela criação da delegacia especializada, a chegada do núcleo é um avanço na implementação de política públicas, pois teremos recursos do Estado ao enfrentamento de um problema que atinge muitas pessoas”, ressalta Belfort.